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mais conhecida e, para os tupis-guaranis, não inclui a Intrometida. Como parece girar de leste a oeste em torno do Pólo Sul Celeste, determina as horas durante a noite e as estações do ano Rubídea Pálida Mimosa Magalhães Intrometida PSC Outono Inverno Verão Primavera O CRUZEIRO DO SUL E AS ESTAÇÕES DO ANO POSIÇÃO do Cruzeiro do sul, ao escurecer, no início de cada estação do anoKE RO ZI S 50 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL ESPECIAL ETNOASTRONOMIA TH AI SA N AD AL trelas, embora conseguíssemos enxergar bem a Via Láctea. Ao que ele retrucou dizendo que, na realidade, o que o inco- modava era a quantidade de mosquitos, muito menor quando não há Lua. Nunca havia percebido essa relação, que de fato existe, entre as fases da lua e a incidência de mosquitos. Os guaranis que atualmente habitam o litoral também conhecem a relação das fases da Lua com as marés. Além disso, associam a Lua e as marés às estações do ano (observação dos astros e dos ventos) para a pesca artesanal. Segundo eles, o camarão é mais pescado entre fevereiro e abril, na maré alta de lua cheia, enquanto a época do linguado é no inverno, nas marés de quadratura (lua crescente e lua minguante). Em geral, quando saem para pescar, seja no rio ou no mar, os guaranis já sabem quais as espécies de peixe mais abundantes, em função da época do ano e da fase da Lua. Até o ritual do “batismo” (nimon- garai ou nheemongarai, em guarani), em que as crianças recebem seu nome, depende de um calendário lunissolar e da orientação espacial: o plantio principal do milho (avaxi) ocorre, geralmente, na primeira lua minguante de agosto. Após a colheita do milho plantado nessa época é que realizam o batismo das crianças. Esse evento deve coincidir com a época dos “tempos novos”, caracterizada pelos fortes temporais de verão, geralmente o mês de janeiro. O nome dado à criança guarani vem de uma das cinco regiões celestes: zênite, norte, sul, leste e oeste. Cada região possui nomes típicos, repre- sentando a origem das crianças. A astronomia envolveu todos os aspectos da cultura indígena. O caráter prático dos seus conhecimentos pode ser reconhecido na organização social e em condutas cotidianas que eram orientadas por rituais cujas datas eram definidas pela posição dos astros. A comunidade científica conhece muito pouco da astronomia indígena e da sua relação com o ambiente, patri- mônio que pode ser perdido em uma ou duas gerações pelo rápido processo de globalização, que tende a homogeneizar as culturas e assim perder as nuances da diversidade. Esse risco ocorre, também, pela falta de pesquisa de campo e pelas dificuldades em documentar, avaliar, validar, proteger e disseminar os conhe- cimentos astronômicos dos indígenas do Brasil. Atualmente, há um grande interesse internacional na proteção e conservação do conhecimento tradicional e de práticas ancestrais de indígenas e das comunidades locais, para a conservação da biodiversidade. O Sol e os Pontos Cardeais PARA OS TUPIS-GUARANIS o Sol é o principal regulador da vida na Terra e tem grande significado religioso. Todo o cotidiano deles está voltado para a busca da força espiritual do Sol. Os guaranis, por exemplo, nomeiam o Sol de Kuaray, na linguagem do cotidiano e de Nhaman- du, na espiritual. Os tupis-guaranis determinam o meio-dia solar, os pontos cardeais e as estações do ano utilizando o relógio solar vertical, ou gnômon, que na língua tupi antiga, por exemplo, chamava-se cuaracyraangaba. Ele é constituído de uma haste cravada verticalmente em um terreno horizontal, da qual se observa a sombra projetada pelo Sol. Essa haste vertical aponta para o ponto mais alto do céu, chamado zênite. O relógio solar vertical foi utilizado também no Egito, China, Grécia e em diversas outras partes do mundo. Na cosmogênese guarani, Nhanderu (Nosso Pai) criou quatro deuses princi- pais que o ajudaram na criação da Terra e de seus habitantes. O zênite representa Nhanderu e os quatro pontos cardeais representam esses deuses. O norte é Jakaira, deus da neblina vivificante e das brumas que abrandam o calor, origem dos bons ventos. O leste é Karai, deus do fogo e do ruído do crepitar das chamas sagradas. No sul, Nhamandu, deus do O PESQUISADOR AFONSO na extinta aldeia de Ciudad Real del Guairá, no município de Terra Roxa, Paraná, com seu afilhado Tupã’ i e o avô dele, Karai Miri Poty, pajé que muito o ensinou sobre astronomia e biodiversidade WWW.SCIAM.COM.BR SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 51 Sol e das palavras, representa a origem do tempo-espaço primordial. No oeste, Tupã é deus das águas, do mar e de suas extensões, das chuvas, dos relâmpagos e dos trovões. O calendário guarani está ligado à tra- jetória aparente anual do Sol e é dividido em tempo novo e tempo velho (ara pyau e ara ymã, respectivamente, em guarani). Ara pyau é o período de primavera e ve- rão, sendo ara ymã o período de outono e inverno. O dia do início de cada estação do ano é obtido através da observação do nascer ou do pôr-do-sol, sempre de um mesmo lugar, por exemplo, da haste vertical. O Sol sempre nasce do lado leste e se põe do lado oeste. No entanto, somente nos dias do início da primavera e do outono, o Sol nasce exatamente no ponto car- deal leste e se põe exatamente no ponto cardeal oeste. Para um observador no Hemisfério Sul, em relação à linha leste- oeste, o nascer e o pôr-do-sol ocorrem um pouco mais para o norte no inverno e um pouco mais para o sul no verão. Utilizando rochas, por exemplo, para marcar essas direções, os tupis-guaranis materializavam os quatro pontos cardeais e as direções do nascer e do pôr-do-sol no início das estações do ano. Lua e as Marés PARA OS TUPIS-GUARANIS, a Lua (Jaxi, em guarani), principal regente da vida marinha, é considerada do sexo mas- culino, o irmão mais novo do Sol. A primeira unidade de tempo utilizada pelos tupis-guaranis foi o dia, medido por dois nasceres consecutivos do sol. Depois veio o mês (também chamado jaxi), determinado a partir de duas aparições consecutivas de uma mesma fase da Lua. Os tupis-guaranis consideravam essa fase como o primeiro filete da Lua que apare- cia do lado oeste, ao anoitecer, depois do dia da lua nova (jaxy pyau), dia em que a Lua não é visível por se encontrar muito próxima da direção do Sol. Além de serem utilizadas como calen- dário mensal, as fases da Lua serviam para orientação geográfica, pois a Lua brilha por refletir a luz do Sol, ficando a sua parte iluminada no lado em que se encontra o Sol. Entre a lua nova e a lua cheia (jaxy guaxu) o hemisfério iluminado aponta para o lado oeste, enquanto entre a lua cheia e a lua nova, a indicação é do lado leste. As fases da Lua também permitiam obter as horas da noite: o primeiro filete, depois da lua nova, aparece ao anoitecer, do lado oeste, e desaparece minutos de- pois; a lua crescente (jaxy endy mbyte) aparece desde o anoitecer até meia-noite; a lua cheia, do pôr-do-sol ao nascer do sol e a lua minguante (jaxy nhenpytu mbyte) fica visível da meia-noite ao amanhecer. Segundo d’Abbeville, “os tupinam- bás atribuem à Lua o fluxo e o refluxo do mar e distinguem as duas marés cheias que se verificam na lua cheia e na lua nova ou poucos dias depois”. Assim, mesmo antes dos europeus, os tupinambás já sabiam que perto dos dias de lua nova e de lua cheia as marés altas são mais altas e as marés baixas são mais reduzidas do que nos outros dias do mês. O conhecimento da periodicidade das marés antes dos eu- ropeus pode ser explicado em virtude de a relação entre as marés e as fases da Lua ser melhor observada entre os trópicos, região em que se localiza a maior parte do Brasil. Eclipses e o Fim do