O caco derruba as coisa de proposito por quê

ROSANE, CACO, O SISTEMA E O PRIVILÉGIO: AQUILO QUE NÃO FOI VETADO PELA MINHA AUTOCENSURA

Rosane de Oliveira colocou que o jornalista é um privilegiado por ter carga diária de cinco horas. Valeria um textão meu, mas vai sair outro, sobre outro tema: minha autocensura está me derrubando.

Sorte minha que o Igor Natusch​ é tão bom que, caso eu quisesse fazer um texto no medium, ficaria meio à sombra deste relato que condiz com o que penso. O Igor me representa neste texto. Certamente, colocaria algumas palavras diferentes, mas meu texto ficaria muito pior que o dele. No meu caso, estou me autocensurando, medindo minhas palavras, escondendo meus argumentos, sendo soterrado pela minha cautela, massacrado pela minha tentativa de boa vizinhança, enjaulado na minha covardia.

Meus textos sobre jornalismo são para quem quiser ler. Eu gosto de escrever, não pelos outros, mas por mim, é algo que me diverte, estimula, uma terapia e um lazer. Eu leio e escrevo, muito. Publico pouco. Leio mais que escrevo atualmente, o que está sendo muito melhor. Tem tanta gente boa por aí pra dar uma conferida que influencia o teu pensamento. Sobre jornalismo, especialmente, muitos pensadores, críticos, teóricos, filósofos têm definições brilhantes sobre a profissão. Você, jornalista, deveria ler esses caras por aí. Eu não devo ser lido. Eu não sou um pensador, sou um jornalista com algum senso crítico que, no final das contas, é só uma formiguinha nessa briga de cachorro grande.

Mas o Caco Barcellos pode falar. Ele não é uma formiguinha, ele é basicamente o que 9 entre 10 repórteres querem ser, com justiça. O Caco não é só repórter. Ele é um pensador, um jornalista, um crítico, um intelectual. Ele é o contrário do Pedro Bial, que foi fazer poesia pra eliminar saradão de reality show. Caco escreveu livros, ainda mantém um programa cuja essência é a reportagem, o básico do jornalismo. O Caco Barcellos disse, em palestra recente que “o jornalista é arrogante e hoje é sistema. Antes, defendia os valores do povo. Hoje, os valores de quem lhe paga”. Sistema.

Sempre quando coloco meu ponto de vista sobre jornalismo (desculpa ser um dos meus assuntos preferidos, ao lado de música e futebol), as piores reações vêm de alguns jornalistas. O público recebe bem, mas eu não estou autorizado a criticar, por exemplo, o modelo de gestão das empresas jornalísticas. Tenho muito a escrever, mas quero evitar a fadiga. Vocês não têm ideia de como é brutal esta autocensura. Talvez eu esteja na minha época mais lúcida quanto à profissão, questionando, entendendo, absorvendo informações, lendo e argumentando. Mas também é uma época em que minha espontaneidade desapareceu. Se o que eu escrever gerar incômodo e incomodação, talvez não queira nenhum dos dois. Talvez eu mude, mas agora esta autocensura, violenta, estúpida, que vem do meu fígado e não do meu coração, toma conta de mim.

Há ainda outro dilema que se enquadra para o momento, especialmente sobre eu fazer ou não um texto sobre este tweet da Rosane. Estaria eu sendo antiético ao analisar um tweet de uma autora que não trabalha na mesma empresa que eu? Seria eu um mau colega, um mau profissional, um mau caráter? Por algum tempo, critiquei alguns modelos de gestão, alguns artifícios que são usados para ganhar audiência, e sobre, principalmente, informação ser tratada como produto de prateleira de supermercado. Critiquei os instrumentos corporativos, mas descobri que os colegas não gostam disso e que, de uma certa forma, me induzem a ter este dilema. Se eu estou questionando meu procedimento ético, é sinal que talvez eles estejam certos e eu errado.

Por isso, se eu tivesse que criticar a Rosane, ela não iria gostar. Haveria algum colega para dar aquele peteleco na minha ética. Um episódio recente mudou um pouquinho meu jeito de publicar aquilo que penso. Mas, em compensação, apenas reforçou aquilo que o Caco Barcellos disse: quando o jornalista coloca a EMPRESA na frente da CLASSE, é sinal que alguma coisa tá errada.

No fundo, esta minha autocensura foi traduzida por Caco Barcellos e Rosane de Oliveira. Entre o incômodo e a incomodação, calo a boca e vou ler um livro. Rosane, aliás, foi a tese perfeita para Caco Barcellos: quando você é sistema, a culpa nunca é de quem te emprega, a culpa é de quem trabalha, estes privilegiados de uma figa!

Postagens relacionadas

Toplist

Última postagem

Tag