Alane.Sthefany 02/05/2022
Em Busca de Sentido - Viktor E. Frankl
No livro Em Busca de Sentido, o autor Viktor Frankl aborda a quest�o do sentido da vida. Sendo um ex-prisioneiro do campo de concentra��o de Auschwitz, ele faz um relato da sua experi�ncia e as situa��es muito dif�ceis vivenciadas naquele ambiente de dor, sofrimento e priva��es.
A pergunta que pode vir a todos que lerem esse livro �: como foi que este homem ? tendo perdido toda a sua fam�lia, pai, m�e, irm�o e esposa, sofrendo de fome, vendo todos os seus valores sendo destru�dos, sofrendo todas as mis�rias, como a fome o frio, a viol�ncia, e na espera de ser o pr�ximo exterminado ? conseguiu encarar a vida como algo que vale a pena preservar?
E em meio a tudo isso, ele descobriu sentido em sua vida, mesmo diante de situa��es e circunst�ncias inalteradas, que estavam fora do seu controle, pois nada poderia fazer a respeito, no entanto, mesmo nessa situa��o, ele poderia fazer algo, n�o sobre o que estava acontecendo, por�m sobre a sua pessoa; em busca de mudar a si mesmo e encontrar um significado e prop�sito para todos os momentos vivenciados, at� mesmo os de sofrimento, na qual contribuiria para a sua transforma��o como pessoa.
[...]
Dostoievsky afirmou certa vez: "Temo somente uma coisa: n�o ser digno do meu tormento."
(...)
Se � que a vida tem sentido, tamb�m o sofrimento
necessariamente o ter�. Afinal de contas o sofrimento faz parte da vida, de alguma forma, do mesmo modo que o destino e a morte. Afli��o e morte fazem parte da exist�ncia como um todo.
A maioria se preocupava com a quest�o: "Ser� que vamos sobreviver ao campo de concentra��o? Pois caso contr�rio todo esse sofrimento n�o tem sentido".
Em contraste, a pergunta que me afligia era outra:
"Ser� que tem sentido todo esse sofrimento, essa morte ao nosso redor? Pois caso contr�rio,
afinal de contas, n�o faz sentido sobreviver ao campo de concentra��o."
Uma vida cujo sentido depende exclusivamente de se escapar com ela ou n�o e, portanto, das boas gra�as de semelhante acaso ? uma vida dessas nem valeria a pena ser vivida.
Trechos Preferidos ?????
Os sonhos dos prisioneiros
Jamais vou esquecer certa noite em que fui acordado pelo companheiro que dormia ao meu lado a gemer e revolver-se, evidentemente sob o efeito de algum pesadelo horr�vel. Quero observar de antem�o que pessoalmente sempre tive penas de pessoas torturadas por angustiosos pesadelos ou fantasias. Por isso eu j� estava prestes a acordar o pobre companheiro atormentado pelo pesadelo. Neste instante assustei-me do meu prop�sito e retirei a minha m�o que j� ia despertar o companheiro do seu sonho. Pois naquele momento me conscientizei com muita nitidez de que nem mesmo o sonho mais terr�vel poderia ser t�o ruim como a realidade que nos cercava ali no campo; e eu estava prestes a chamar algu�m de volta para a experi�ncia desperta e consciente dessa realidade. . .
A fuga para dentro de si
Mal trocamos alguma palavra; o vento gelado antes de nascer o sol n�o o permite. Com a boca escondida atr�s da gola da capa o companheiro que marcha ao meu lado murmura de repente: "Se nossas esposas nos vissem agora...! Tomara que estejam passando melhor no campo de concentra��o em que est�o. Espero que n�o tenham id�ia do que estamos passando." E eis que aparece � minha frente a imagem de minha mulher.
Quando nada mais resta
Nenhum de n�s pronuncia uma palavra mais, mas sabemos neste momento que cada um ainda s� pensa em sua mulher. Vez por outra olho para o c�u aonde v�o empalidecendo as estrelas, ou para aquela regi�o no horizonte em que assoma a alvorada por detr�s de um l�gubre grupo de nuvens. Mas agora meu esp�rito est� tomado daquela figura � qual ele se agarra com uma fantasia incrivelmente viva, que eu jamais conhecera antes na vida normal. Converso com minha esposa. Ou�o-a responder, vejo-a sorrindo, vejo seu olhar como que a exigir e a animar ao mesmo tempo e - tanto faz se � real ou n�o a sua presen�a - seu olhar agora brilha com mais intensidade que o sol que est� nascendo. Um pensamento me sacode. � a primeira vez na vida que experimento a verdade daquilo que tantos pensadores ressaltaram como a quintess�ncia da sabedoria, por tantos poetas cantada: a verdade de que o amor �, de certa forma, o bem �ltimo e supremo que pode ser alcan�ado pela exist�ncia humana. Compreendo agora as coisas �ltimas e extremas que podem ser expressas em pensamento, poesia - em f� humana: a reden��o pelo amor e no amor! Passo a compreender que a pessoa, mesmo que nada mais lhe reste neste mundo, pode tornar-se bem-aventurada - ainda que somente por alguns momentos - entregando-se interiormente � imagem da pessoa amada.
Os anjos s�o bem-aventurados na perp�tua contempla��o, em amor, de uma gl�ria infinita...
Chegamos
ao local da obra. "Cada qual busque sua ferramenta!
Cada um pegue uma picareta e uma p�!" E todos se precipitam para
dentro do galp�o completamente �s escuras para arrebanhar uma p�
jeitosa ou uma picareta mais firme. "Como �, n�o v�o se apressar, seus cachorros imundo
Meu esp�rito ainda se apega � imagem da pessoa
amada. Continuo falando com ela, e ela continua falando comigo. De
repente me dou conta: nem sei se minha esposa ainda vive! Naquele momento fico sabendo
que o amor pouco tem a ver com a exist�ncia f�sica de uma pessoa. Ele est� ligado a tal ponto � ess�ncia espiritual da pessoa amada, a seu "ser assim" (nas palavras dos fil�sofos) que a sua "presen�a" e seu "estar aqui comigo" podem ser reais sem sua exist�ncia f�sica em si e independentemente de seu estar com vida. Eu n�o sabia, nem poderia ou precisaria saber, se a pessoa amada estava viva. Durante todo o per�odo do campo de concentra��o n�o se podia escrever nem receber cartas. Mas isto
naquele momento de certa forma n�o tinha import�ncia. As circunst�ncias externas n�o conseguiam mais interferir no meu amor, na minha lembran�a e na contempla��o amorosa da imagem espiritual da pessoa amada.
Naquele momento me apercebo da verdade: "p�e-me como selo sobre o teu cora��o... porque o amor � forte como a morte." (C�ntico dos C�nticos 8.6).
Medita��o no valo
Absorta em si mesma, a fantasia da pessoa sempre volta a reviver experi�ncias passadas. Mas o que ocupa o
pensamento n�o s�o as grandes experi�ncias, e, sim, muitas vezes, um fato corriqueiro, as coisas mais insignificantes de sua vida anterior.
Na lembran�a nost�lgica, elas se apresentam sublimes ao prisioneiro.
(...) gente anda de bonde, chega em casa, abre a porta da frente, o telefone toca; a gente caminha para atender e acende a luz do quarto - s�o detalhes aparentemente irris�rios como estes que o prisioneiro gosta de lembrar. A doce recorda��o destes pormenores o comove at� as l�grimas!
Joguete do destino
Quem n�o vivenciou pessoalmente a situa��o reinante num campo de concentra��o n�o faz a menor id�ia da radical insignific�ncia a que se reduz o valor da vida do indiv�duo ali internado. A pessoa com isso perde a sensibilidade, e no m�ximo ainda se dava conta desse desprezo pela exist�ncia de indiv�duos humanos quando se organizavam transportes de enfermos. Os destinados para o transporte, aqueles corpos consumidos, s�o simplesmente jogados em cima de carretas de duas rodas, puxadas ent�o pelos pr�prios prisioneiros, quil�metros a fio, em plena nevasca. Se algu�m j� estava morto, tinha que ir junto assim mesmo. A lista tin?a que conferir! A lista � o principal, a pessoa somente importa na medida em que tem um n�mero de prisioneiro, representando literalmente apenas um n�mero. Viva ou morta - n�o vem ao caso. A "vida" do "n�mero" � irrelevante. O que est� por tr�s deste n�mero, o que representa esta vida, � menos importante ainda: o destino - a hist�ria - o nome de uma pessoa.
(...)
como j� mencionamos, todos no campo de concentra��o h� muito j� n�o mais possu�am seus documentos, e cada um se dava por feliz quando podia considerar propriamente seu nada mais que este seu organismo ainda a respirar, apesar de tudo.
Plano de fuga
O sentimento predominante de ser mero joguete, e o princ�pio de n�o assumir o papel do destino, mas de deixar ao destino o seu livre curso, tudo isso, e ainda a profunda apatia que se apodera da pessoa no campo de concentra��o, s�o fatores que explicam por que ela evita qualquer tipo de iniciativa e teme tomar decis�es. A vida no campo de concentra��o apresenta situa��es que exigem decis�es s�bitas e imediatas, e que muitas vezes representam decis�es sobre o ser ou n�o ser. O prisioneiro ent�o prefere que o destino o livre da obriga��o de decidir-se.
Esta fuga ante a decis�o pode ser muita bem observada quando o prisioneiro precisa decidir se foge ou n�o. Naqueles minutos (e a cada vez somente podem ser poucos os minutos nos quais precisa tomar a decis�o) ele passa por horr�vel tortura interior: Ser� que tento fugir, ou n�o? Devo assumir o risco, ou n�o?
Irritabilidade
At� aqui descrevemos a apatia, a dessensibiliza��o do �ntimo, que toma conta do prisioneiro durante a sua estada no campo de concentra��o, fazendo a sua vida an�mica baixar, de modo geral, a um n�vel mais primitivo, tornando objeto do destino ou do arb�trio dos guardas, destitu�do de vontade, tanto que ele acaba cheio de medo de tomar nas m�os o seu destino, ou se?a, de enfrentar decis�es. A apatia tem ainda outras causas e n�o pode ser entendida apenas como mecanismo de autodefesa da alma, no sentido mencionado. H� tamb�m causas de natureza fisiol�gica. � o que vale tamb�m para a irritabilidade, a qual, al�m da apatia, representa uma das mais eminentes caracter�sticas da psique do prisioneiro. Entre as causas fisiol�gicas est�o em primeiro lugar a fome e a falta de sono. Como qualquer um sabe, mesmo na vida normal ambos os fatores tornam a pessoa ap�tica e irritadi�a. No campo de concentra��o, o sono insuficiente se deve em parte aos insetos parasitas a proliferar livremente na mais inconceb�vel falta de higiene, e � inimagin�vel concentra��o de pessoas nos barrac�es.
(...)
Trata-se de certos "complexos". � compreens�vel que a maioria dos prisioneiros seja atormentada por uma esp�cie de sentimento de inferioridade. Antes, cada um de n�s havia sido "algu�m", ou ao menos julgava s�-lo. Agora, no entanto, � tratado literalmente como se fosse um ningu�m.
A liberdade interior
Esta tentativa de descri��o psicol�gica e explica��o psicopatol�gica dos tra�os t�picos com que a estada mais demorada no campo de concentra��o marca a pessoa parece dar a impress�o de que, afinal de contas, a alma humana � clara e for�osamente condicionada pelo ambiente. Na psicologia do campo de concentra��o, � precisamente a vida ali
imposta, e que constitui um ambiente social todo peculiar, que determina, ao que parece, o comportamento da pessoa. Com raz�o se poder�o levantar obje��es e fazer v�rias perguntas. Onde fica a liberdade humana? N�o haveria ali um m�nimo de liberdade interior (geistg) no comportamento, na atitude frente �s condi��es ambientais ali encontradas? Ser� que a pessoa nada mais � que um resultado da sua constitui��o f�sica, da sua disposi��o caracterol�gica e da sua situa��o social? E, mais
particularmente, ser� que as rea��es an�micas da pessoa a esse ambiente socialmente condicionado do campo de concentra��o estariam de fato evidenciando que ela nem pode fugir �s influ�ncias desta forma de exist�ncia �s quais foi submetida � for�a?
Precisa ela necessariamente sucumbir a essas influ�ncias? Ser� que ela n�o pode reagir de outro modo, "por for�a das circunst�ncias", por causa das condi��es de vida reinantes no campo de concentra��o?
Podemos dar resposta a esta pergunta tanto baseados na experi�ncia como em car�ter fundamental. A experi�ncia da vida no campo de concentra��o mostrou-me que a pessoa pode muito bem agir "fora do esquema". Haveria suficientes exemplos, muitos deles her�icos, que demonstraram ser poss�vel superar a apatia e reprimir a irrita��o; e continua existindo, portanto, um resqu�cio de liberdade do esp�rito humano, de atitude livre do eu frente ao meio ambiente, mesmo nessa situa��o de coa��o aparentemente absoluta, tanto exterior como interior. Quem dos que passaram pelo campo de concentra��o n�o saberia falar daquelas figuras humanas que caminhavam pela �rea de formatura dos prisioneiros, ou de barrac�o em barrac�o, dando aqui uma palavra de carinho, entregando ali a �ltima lasca de p�o? E mesmo que tenham sido poucos, n�o deixam de constituir prova de que no campo de concentra��o se pode privar a pessoa de tudo, menos da liberdade �ltima de assumir uma atitude alternativa frente �s condi��es dadas.
(...) uma decis�o
da pessoa contra ou a favor da sujei��o aos poderes do ambiente que amea�avam priv�-la daquilo que � a sua caracter�stica mais intr�nseca - sua liberdade - e que a induzem, com a ren�ncia � liberdade e � dignidade, a virar mero joguete e objeto das condi��es externas, deixando-se por elas cunhar um prisioneiro "t�pico" do campo de concentra��o.
(...)
Aquilo que sucede interiormente com a pessoa, aquilo em que o campo de concentra��o parece "transform�-la", revela ser o resultado de uma
decis�o interior. Em princ�pio, portanto, toda pessoa, mesmo sob aquelas circunst�ncias, pode decidir de alguma maneira no que ela acabar� dando, em sentido espiritual: um t�pico prisioneiro de campo de concentra��o, ou ent�o uma pessoa humana, que tamb�m ali permanece sendo ser humano e conserva a sua dignidade.
(...)
Dostoievsky afirmou certa vez: "Temo somente uma coisa: n�o ser digno do meu tormento."
(...)
Se � que a vida tem sentido, tamb�m o sofrimento necessariamente o
ter�. Afinal de contas o sofrimento faz parte da vida, de alguma forma, do mesmo modo que o destino e a morte. Afli��o e morte fazem parte da exist�ncia como um todo.
A maioria se preocupava com a quest�o: "Ser� que vamos sobreviver ao campo de concentra��o? Pois caso contr�rio todo esse sofrimento n�o tem sentido".
Em contraste, a pergunta que me afligia era outra:
"Ser� que tem sentido todo esse sofrimento, essa morte ao nosso redor? Pois caso contr�rio, afinal de contas,
n�o faz sentido sobreviver ao campo de concentra��o."
Uma vida cujo sentido depende exclusivamente de se escapar com ela ou n�o e, portanto, das boas gra�as de semelhante acaso ? uma vida dessas nem valeria a pena ser vivida.
A ess�ncia da exist�ncia
"Viva como se j� estivesse vivendo pela segunda vez, e como se na primeira vez voc� tivesse agido t�o errado como est� prestes a agir agora."
Parece-me que nada estimula tanto o senso de responsabilidade de uma pessoa como esta m�xima, a qual a convida a imaginar primeiro que o presente � passado e, em segundo lugar, que o passado ainda pode ser alterado e corrigido.
[...]
H� um perigo inerente na doutrina do "nada mais que" aplicado � pessoa humana; a teoria de que o ser humano � "nada mais que" o resultado de condicionantes biol�gicos, psicol�gicos e sociol�gicos, ou produto da hereditariedade e do meio ambiente.
Semelhante vis�o do ser humano faz o neur�tico acreditar no que ele j� tende
a pensar de qualquer forma, a saber, que � um pe�o passivo e v�tima de influ�ncias externas ou circunst�ncias internas. Este fatalismo neur�tico � fomentado e refor�ado por uma psicoterapia que nega liberdade � pessoa humana.
Sem d�vida, o ser humano � um ser finito e sua liberdade � restrita.
N�o se trata de estar livre de fatores condicionantes, mas sim da liberdade de tomar uma posi��o frente aos condicionantes. Como eu disse certa vez: "Sendo professor em dois campos, neurologia e
psiquiatria, sou plenamente consciente de at� que ponto o ser humano est� sujeito �s condi��es biol�gicas, psicol�gicas e sociol�gicas. Mas al�m de ser professor nestas duas �reas sou um sobrevivente de quatro campos - campos de concentra��o - e como tal tamb�m sou testemunha da surpreendente capacidade humana de desafiar e vencer at� mesmo as piores condi��es conceb�veis."
"O ser humano � capaz de mudar o mundo para melhor se poss�vel, e de mudar a si mesmo para melhor se necess�rio."
[Enquanto um chefe no campo de concentra��o, ajudava os prisioneiros, seja com dinheiro do pr�prio bolso para comprar medicamentos - j� que essas pessoas eram deixadas para morrer a m�ngua, por significarem gastos "desnecess�rios" - entre outras coisas que ele fazia, que logo depois os judeus o ajudaram tamb�m, agradecendo por tudo aquilo que ele fizera.
Ao passo que um prisioneiro, que viveu o mesmo que eles, fez o oposto.]
Em quarto lugar, por�m, deve-se lembrar ainda que
mesmo entre o pessoal do corpo da guarda havia sabotadores. Quero mencionar aqui apenas o chefe do �ltimo campo de concentra��o em que estive e do qual fui libertado. Ele era integrante da SS. Ap�s a liberta��o daquele campo, constatou-se um fato do qual somente o m�dico do campo - ele mesmo prisioneiro - tinha conhecimento at� ali. O chefe do campo dera, em segredo, consider�vel somas de dinheiro do pr�prio bolso para que se pudesse arranhar medicamentos para os reclusos na farm�cia do lugarejo
mais pr�ximo! Essa hist�ria ainda teve um ep�logo. Ap�s a liberta��o, prisioneiros judeus esconderam esse homem da SS das tropas americanas e declararam a seu comandante que o entregariam �nica e exclusivamente sob a condi��o de n�o se tocar em um fio de seu cabelo sequer. O comandante das tropas americanas deu-lhes ent�o a sua palavra de honra como oficial militar, e os prisioneiros judeus lhe apresentaram o ex-comandante do campo.
O comandante das tropas reintegrou esse homem da SS em seu
cargo de comandante do campo, e ele organizou ent�o para n�s coletas de g�neros aliment�cios e de agasalho entre a popula��o dos vilarejos circunvizinhos.
Em contrapartida, o preposto justamente daquele campo, prisioneiro ele mesmo, foi mais brutal que todos os guardas SS do campo juntos.
Batia nos prisioneiros quando, onde e como pudesse, ao passo que o chefe n�o levantou o punho sequer uma vez, ao que eu saiba, contra qualquer dos "seus" prisioneiros.
Da� se deduz uma coisa. Afirmar que algu�m fazia parte da guarda do campo de concentra��o, ou que foi prisioneiro no campo n�o quer dizer nada. A bondade humana pode ser encontrada em todas as pessoas e ela se acha tamb�m naquele grupo que � primeira vista deveria ser sumariamente condenado. As delimita��es se sobrep�em.
N�o podemos simplificar as coisas dizendo:
"Os prisioneiros s�o anjos, e os guardas s�o dem�nios".
Pelo contr�rio. Contrariando o que de modo geral � sugerido pela vida no campo
de concentra��o, ser guarda ou supervisor e ter uma atitude humana para com os prisioneiros sempre ser� de certa forma um m�rito pessoal e moral. Em contrapartida, � particularmente deplor�vel a baixeza do prisioneiro que inflige um mal a seus pr�prios companheiros de dor. � claro que essa falta de car�ter � mais dolorosa para os reclusos, da mesma forma como um prisioneiro que � alvo do mais insignificante gesto humano que lhe fizer um integrante da guarda fica profundamente comovido. Lembro-me
que um dia um capataz (n�o-prisioneiro) furtivamente me passou um peda�o de p�o.
Eu sabia que ele s� podia t�-lo poupado da sua merenda. O que me derrubou a ponto de derramar l�grimas n�o foi aquele peda�o de p�o em si, e sim o afeto humano que esse homem me ofereceu naquela ocasi�o, a palavra e o olhar humanos que acompanharam a oferta...
De tudo isso podemos aprender que existem sobre a terra duas ra�as humanas e realmente apenas essas duas: a "ra�a" das pessoas direitas e a das pessoas torpes.
A vida no campo de concentra��o ensejava sem d�vida o rompimento de um abismo nas profundezas extremas do ser humano. N�o deveria surpreender-nos o fato de que essas profundezas punham a descoberto simplesmente a natureza humana, o ser humano como ele � - uma liga do bem e do mal!
Ficamos conhecendo o ser humano como talvez nenhuma gera��o humana antes de n�s. O que �, ent�o, um ser humano? � o ser que sempre decide o que ele �. � o ser que inventou as c�maras de g�s; mas � tamb�m aquele ser que entrou nas c�maras de g�s, ereto, com uma ora��o nos l�bios.
(...)
O ser humano n�o � uma coisa entre outras; coisas se determinam mutuamente, mas o ser humano, em �ltima an�lise, se determina a si mesmo. Aquilo que ele se torna - dentro dos limites dos seus dons e do meio ambiente - � ele que faz de si mesmo. No campo de concentra��o, por exemplo, nesse laborat�rio vivo e campo de testes que ele foi, observamos e testemunhamos alguns dos nossos
companheiros se portarem como porcos, ao passo que outros agiram como se fossem santos. A pessoa humana tem dentro de si ambas as potencialidades;
qual ser concretizada, depende de decis�es e n�o de condi��es.
Nossa gera��o � realista porque chegamos a conhecer o ser humano como ele de fato �. Afinal, ele � aquele ser que inventou as c�maras de g�s de Auschwitz; mas ele � tamb�m aquele ser que entrou naquelas c�maras de g�s de cabe�a erguida, tendo nos l�bios o Pai-nosso ou o Shem Yisraet.
[...]
� verdade que elas formam uma minoria. Mais que isso, sempre ser�o uma minoria. E, no entanto, vejo justamente neste ponto o maior desafio a que nos juntemos � minoria. Porque o mundo est� numa situa��o ruim. Por�m tudo vai piorar ainda mais se cada um de n�s n�o fizer o melhor que pode. Portanto, fiquemos alerta - alerta em duplo sentido: Desde Auschwitz n�s sabemos do que o ser humano � capaz. E desde Hiroshima n�s sabemos o que est� em jogo.
[...]
(...) ningu�m conhece o futuro. Nenhuma pessoa sabe o que talvez lhe ocorrer� dentro de uma hora.
(...) ningu�m tem o direito de praticar injusti�a, nem mesmo aquele que sofreu injusti�a.