Qual é a diferença entre canja e sopa?

Sempre falamos que o Brasil, embora realize o mais famoso carnaval do mundo, tem só um prato de comida criado especialmente para a folia: o barreado, do Paraná. Leva carne, às vezes mais de um tipo, toucinho e temperos, sobretudo cominho, que cozinham em fogo brando, durante muitas horas, até a transformação em uma espécie de ragu. Acompanham arroz, farinha de mandioca, banana caturra ou nanica cortada em rodelas, pimenta malagueta e cachaça.

Antigamente, o barreado era preparado em panela de cobre. Hoje, usa-se a de barro, grande, alta e cônica, de ascendência indígena. Para os ingredientes não secarem, “barreia-se” a fresta da tampa com um pirão de farinha e água – daí o nome. A receita surgiu entre portugueses vindos do Arquipélago dos Açores, que em meados do século 18 colonizaram a faixa litorânea do Paraná onde se localizam os municípios de Paranaguá, Morretes, Guaratuba e Antonina. Agora, faz-se barreado o ano inteiro, inclusive como atração turística.

Entretanto, não é a única receita de cozinha atrelada ao nosso carnaval. Há outras que não foram criadas para a folia, mas estão associadas a ela. Qual a sua porta-estandarte? A canja de galinha. Apesar de ser na prática uma sopa, um caldo denso de arroz servido quente e, por isso, inadequado ao calor do verão, tornou-se popular. Proporciona aos foliões as vitaminas, sais minerais, proteínas e carboidratos necessários à reposição das energias. Também ajuda a hidratar o organismo das pessoas que pularam demais ou avançaram o sinal vermelho na bebida.

O costume de tomar canja de galinha depois do baile, do desfile no bloco ou na escola de samba, teria vindo por imitação de d. Pedro II (1825-1891). Nosso querido imperador a saboreou ao longo da vida em diferentes circunstâncias. Apreciava-a com galinha, mas preferia as de macuco, jacu e jacutinga. Sua irmã, d. Francisca de Bragança (1824-1898), mostrava-se ligeiramente mais exótica. Ao se instalar em Paris, depois de casar com Francisco Fernando Filipe de Orléans (1818-1900), príncipe de Joinville, filho de Luis Filipe I, último rei do país, escandalizou os franceses ao pedir uma canja de papagaio.

O jornalista, poeta, biógrafo, historiador e teatrólogo cearense R. Magalhães Júnior, no livro “Artur Azevedo e Sua Época” (Edição Saraiva, São Paulo, 1953.), lembra que, nos espetáculos teatrais, d. Pedro II se entregava quase sempre a “uma canja quente entre o segundo e o terceiro ato” e que o espetáculo só recomeçava “ao ser dado o aviso de que Sua Majestade terminara a ceiazinha”. Ele também fazia isso durante e depois de eventos públicos. Os nobres, aristocratas e o povo carioca imitaram o imperador. Afinal, a corte ditava moda na cidade e no país. “O hábito migrou para os bailes”, afirma o escritor paulista Ricardo Maranhão, doutor em História pela USP e ex-professor de gastronomia na Universidade Anhembi Morumbi, de São Paulo.

A canja nasceu na Índia, na Costa de Malabar, na região onde se encontra Goa, colônia lusitana entre 1510 e 1961. Sua certidão de nascimento se encontra na obra “Colóquio dos Simples e Drogas e Coisas Medicinais da Índia”, do médico, naturalista, sábio e judeu português Garcia da Orta (cerca de 1500-1568), editada em Goa no ano de 1563.

Nascido na região do Alentejo, o autor mudou para os domínios coloniais lusitanos da Índia, fugindo da Santa Inquisição – o tribunal que investigava, perseguia, condenava, desterrava ou queimava vivos os judeus observantes e pessoas consideradas bruxas, hereges ou seguidoras de outras religiões que não fosse a católica. Garcia da Orta elogiava o talento culinário de Antônia, provavelmente sua escrava, que fazia “a galinha com caril, o caldo de arroz, ou canje (sic), e as conservas em vinagre (…)”. É a primeira menção escrita ao prato.

Originalmente, a canja não incorporava todos os ingredientes atuais e se chamava “kengi” (com “e” e “g”, e não “kanji”, como grafa o “Novo Dicionário Aurélio”). É palavra malaiala, língua falada na Costa do Malabar. Em Goa, no tempo de Garcia da Orta, tornou-se canje. Designava um “caldo quente e salgado”, ao qual se podia acrescentar arroz. Foram provavelmente os portugueses que lhe incorporaram a galinha ou o frango e demais complementos. Até hoje eles a fazem assim. Às vezes, porém, trocam a ave por moluscos (Algarve), pescada (Alentejo), bacalhau (na região da Estremadura) e carnes variadas (em todo o país). No Brasil, a galinha é obrigatória.

Pelo sucesso em nosso país, observa-se que a receita caiu em domínio público. O vocabulário popular lhe dá acepções divertidas. “Dar uma canja” significa fazer alguma coisa de graça, como no caso do cantor ou instrumentista famoso que se apresenta em público sem pedir cachê. “Ser canja” é sinônimo de algo fácil de fazer ou um jogo que se ganha sem esforço. Xuxa consagrou esse sentido em álbum da década de 90, no qual gravou para as crianças a marchinha “Canja de Galinha”. O grito de guerra havia feito sucesso nos jogos colegiais das décadas de 1970/80: “É canja, é canja/ É canja de galinha/ Arranja outro time/ Pra jogar na nossa linha”. Exaltava a superioridade de uma das equipes, incapaz de ser ameaçada pela adversária.

Mas a canja já foi prato de homenagem. Quando o Duque de Wellington (1769-1852) parou suas tropas em Lavos, uma vila e freguesia do concelho da Figueira da Foz, ajudando Portugal a expulsar as tropas invasoras de Napoleão Bonaparte, ofereceram-lhe um prato da especialidade lusitana. Encantado com o sabor e substância, ele enviou carta à mulher, elogiando as virtudes e mencionando os ingredientes.

Carnaval: a festa das comidas que alimentam e repõem as energias perdidas na folia Reprodução

Theodore Roosevelt, que veio ao Brasil em 1913, depois de ser duas vezes presidente dos Estados Unidos, apaixonou-se pela canja. Viajando pelo interior do Mato Grosso e do Amazonas, em companhia do militar e sertanista mato-grossense Cândido Rondon, solicitou esse prato o tempo todo. “Enquanto houve galinha, canja de galinha no almoço e no jantar”, contaram Odylo Costa Filho, Carlos Chagas Filho, Pedro Costa e Pedro Nava, no livro “Cozinha do Arco-da-Velha” (Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1997).

Na falta, Rondon precisou dar um jeito. “Caçava jacu e jacutinga para a canja do visitante que estava, sem saber, comendo o prato predileto de D. Pedro II”, concluíram os autores de “Cozinha do Arco-da-Velha”. Com tanta força histórica e gastronômica, pelas nossas contas faz pouco mais de um século que a canja virou prato de resistência no carnaval.  Portanto, ziriguidum!

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CANJA BRASILEIRA * – Rende 6 porções

INGREDIENTES

CALDO

  • Carcaça, pés e asas de galinha
  • 3 talos de salsão em pedaços com as folhas
  • 2 dentes de alho inteiros
  • 1 cebola cortada ao meio
  • 1 alho-poró em pedaços
  • 1 amarrado de salsinha
  • 1 folha de louro
  • Cerca de 3 a 4 litros de água
  • Sal a gosto

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CANJA

  • 1 peito de galinha
  • 2 coxas com as sobrecoxas
  • 1 cebola picada
  • 50ml de óleo
  • 3 talos de cebolinha verde em finas rodelas
  • 1 xícara (chá) de arroz
  • 2 cenouras cortadas em tirinhas
  • 2 batatas cortadas em cubos
  • 1 1/2 xícara (chá) de vagens em pequenos pedaços
  • 1/2 xícara (chá) de ervilhas
  • 4 talos de salsão raspados e fatiados
  • 2 galhinhos de manjerona
  • 2 tomates sem casca cortados ao meio
  • O caldo quente passado pelo coador (que estava reservado)
  • Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

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PREPARO

CALDO

1. Em uma panela grande, de fundo grosso, coloque a carcaça, os pés e as asas de galinha. Junte os demais ingredientes, leve ao fogo e deixe ferver por cerca de 30 a 45 minutos, em fogo baixo.

2. Retire do fogo, passe o caldo por um coador e reserve .

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CANJA

3. Na mesma panela que cozinhou o caldo, doure a cebola no óleo quente, junte o peito, as coxas com as sobrecoxas, a cebolinha verde e refogue bem.

4. Adicione o arroz e os demais ingredientes.

5. Deixe no fogo até a galinha ficar bem cozida. No final, retire a galinha e desfie-a, eliminando a pele e os ossos.

6. Retorne com a galinha desfiada à panela e ajuste o sal e a pimenta.

7. Sirva quente.

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* Esta receita era preparada pelo inesquecível  restaurateur Giancalo Bolla, de São Paulo, SP.

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Porque se chama canja?

É palavra malaiala, língua falada na Costa do Malabar. Em Goa, no tempo de Garcia da Orta, tornou-se canje. Designava um “caldo quente e salgado”, ao qual se podia acrescentar arroz. Foram provavelmente os portugueses que lhe incorporaram a galinha ou o frango e demais complementos.

Para que serve a canja?

A ciência já comprovou que a receita popular é eficaz no combate a gripe, resfriados e aumenta a imunidade corporal! De acordo com as pesquisas, o segredo está na cisteína – um aminoácido que a carne de galinha libera quando é cozida – que ajuda na expectoração, um dos principais incômodos causados pela gripe.

Qual a diferença entre sopa?

Os caldos são águas temperadas, geralmente utilizados como base para outros pratos. A sopa é um caldo na qual se cozinha arroz, hortaliças e/ou macarrão e é servida com todos esses ingredientes. Já o creme, mais sofisticado, é originado da redução a purê de hortaliças que se cozinham no caldo.

Porque sopa se chama sopa?

A origem da sopa Há quem diga que a origem etimológica da palavra vem do sânscrito: sû (significa: bem) e pô (significa: alimentar). Por essa linha, sopa significaria “bem alimentar”. Outras vertentes apontam que a palavra, criada na idade média, deriva do germânico suppa “pedaço de pão embebido em um líquido”.

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