As características do Renascimento marcaram o movimento renascentista – o movimento artístico e filosófico que surgiu na Itália, no século XV. As características do Renascimento foram o humanismo, o antropocentrismo, o individualismo, o racionalismo, o cientificismo e a valorização da arte da Antiguidade Clássica.
Chamamos Renascimento o movimento cultural ocorrido entre os séculos XV e XVI, na Europa Ocidental, e que evidencia a crise dos valores medievais. Ou seja, foi o conjunto de manifestações artístico-intelectuais que marcou a transição da Idade Média para a Moderna. Nesse sentido, pois, o Renascimento se apresenta como a primeira tentativa da burguesia emergente em elaborar uma cultura comprometida com sua visão de mundo, com seus valores.
FATORES GERADORES
O Renascimento, como movimento cultural que rompeu com os padrões medievais, deveu-se ao conjunto de transformações vividas pela Europa Ocidental durante a Baixa Idade Média. Tais transformações afetaram com maior ou menor intensidade as várias regiões da Europa, concentrando-se, sobretudo, na Itália. Dessa forma, a Itália, especialmente algumas de suas cidades, emerge como centro irradiador da cultura renascentista que atinge todo o continente europeu. Entre os fatores que favoreceram a ocorrência do Renascimento destacamos:
- a Revolução Comercial: a reabertura do Mediterrâneo ao comércio oriental, a partir do movimento cruzadista, propiciou a intensificação das relações mercantis na Europa, gerando enorme prosperidade econômica. Muitos burgueses, enriquecidos com a atividade comercial, mas segregados socialmente, buscavam prestígio patrocinando artistas e intelectuais que produzissem uma cultura comprometida com os novos valores da burguesia: eram os mecenas. O restabelecimento de contatos com o Oriente (Bizâncio, sobretudo) favoreceu ainda o afluxo de artistas e intelectuais para a Europa que conservavam parte da cultura clássica greco-latina, fonte de inspiração renascentista, como veremos;
- o renascimento urbano: o desenvolvimento das atividades mercantis promoveu o crescimento das cidades, que se converteram em polos produtores e irradiadores da nova cultura renascentista. Nas cidades, surgiram academias de artes e ciências e universidades, em sua maioria, dedicadas a refletir sobre novas concepções estéticas e éticas, rompendo com a visão medieval de mundo e propondo uma mentalidade mais especulativa e crítica;
- a invenção da imprensa: graças a esse invento, os novos valores podiam ser divulgados de maneira mais rápida, a um maior número de indivíduos que no passado. Certamente, era ainda bastante reduzido o número daqueles que tinham acesso à cultura, mas, comparada à Época Medieval, a cultura renascentista era muito mais acessível.
CARACTERÍSTICAS DO RENASCIMENTO
O Renascimento apresentou as seguintes características gerais:
- herança clássica: os artistas e intelectuais do Renascimento buscaram na cultura clássica greco-romana inspiração para suas obras; ao repudiar a cultura medieval, estática, carregada de religiosidade, os renascentistas retornaram à Antiguidade e dela extraíram elementos para a nova produção cultural; não se tratava apenas de imitar os clássicos, mas reelaborar sua visão de mundo a partir dos novos valores da burguesia emergente;
- repúdio aos valores medievais: os renascentistas criticavam a cultura medieval, sobretudo sua intensa religiosidade chegando a negar sua importância; muitos autores desse período chamam a Idade Média de “Idade das Trevas”;
- antropocentrismo: o pensamento renascentista valorizava o “homem” e todas as suas capacidades; assim, a razão humana (racionalismo) era a fonte única dos conhecimentos. Além disso, o Renascimento valorizava o indivíduo (individualismo), as capacidades individuais de cada homem das quais dependem o seu sucesso ou fracasso, independentemente da interferência do sobrenatural. Evidenciando ainda o antropocentrismo, em oposição ao teocentrismo medieval, a cultura renascentista valoriza o naturalismo, a fiel reprodução da natureza e de sua obra-prima: o homem.
Pode-se então concluir que o Renascimento preocupa-se com o imanente em oposição ao transcendente, com o mundo real e não imaginário. A interferência do sobrenatural na vida cotidiana é reduzida e, por isso, a importância de Deus na vida do homem perde espaço.
“A crítica de Rabelais ao clero
(A ilha era habitada por pássaros) grandes, belos e polidos, em tudo semelhantes aos homens da minha pátria, bebendo e comendo como homens, digerindo como homens, dormindo como homens... Vê-los era uma bela coisa. Os machos chamavam-se clerigaus, monagaus, padregaus, abadegaus, bispogaus, cardealgaus e papagau - este era o único da sua espécie... Perguntamos porque havia só um papagau. Responderam-nos que... dos clerigaus nascem os padregaus... dos padregaus nascem os bispogaus, destes os belos cardealgaus, e os cardeagaus, se antes não os leva a morte, acabam em papagau, de que ordinariamente não há mais que um, como no mundo existe apenas um Sol... Mas donde nascem os clerigaus?... - Vêm dum outro mundo, em parte de uma região maravilhosamente grande, que se chama Dias-sem-pão, em grande parte doutra região Gente-demasiada... A coisa passa-se assim: quando, nalguma família desta última região, há excesso de filhos, corre-se o risco de a herança desaparecer, se for dividida por todos; por isso, os pais vêm descarregar nesta ilha Corcundal os filhos a mais... Dizemos ‘Corcundal’ porque esses que para aqui trazem são em geral corcundas, zarolhos, coxos, manetas, gotosos e mal-nascidos, pesos inúteis na terra... Maior número ainda vem de Dias-sem-pão, pois os habitantes dessa região encontram-se em perigo de morrer de fome, por não ter com que se alimentar e não saber nem querer fazer nada, nem trabalhar em arte ou ofício honesto, nem sequer servir a outrém... ou cometeram algum crime que poderá levar à pena de morte... então voam para aqui, tomam aqui este modo de vida, e subitamente engordam e ficam em perfeita segurança e liberdade.”
(RABELAIS, François. Gargantua e Pantagruel. In MARQUES, Adhemar, BERUTTI, Flávio e FARIA, Ricardo. História Moderna através de textos. 2a.ed, São Paulo, Contexto, 1990; pp.94-95)
OS REPRESENTANTES DO RENASCIMENTO
O Renascimento foi um movimento cultural que apresentou várias fases. Dentre seus precursores mais destacados lembramos Dante Alighieri (1265-1321), escritor, cuja principal obra é A Divina Comédia; Giovanni Boccaccio (1313-1375), autor do Decameron, conjunto de contos que ressaltam o egoísmo, o erotismo e o anticlericalismo; e Giotto (1266-1337), pintor, cujas obras revelam o prenúncio do naturalismo e das quais se destaca São Francisco pregando aos pássaros.
No século XV, ou Quattrocento, as artes plásticas contaram com enorme desenvolvimento. Destacam-se os nomes dos seguintes artistas:
- Sandro Botticelli (1445-1510), autor de Alegoria da Primavera e O nascimento de Vênus;
- Leonardo da Vinci
(1452-1519), artista e intelectual que sintetiza o espírito do Renascimento. Curioso e crítico, dedicou sua vida a vários ramos das artes (pintura, escultura) e do conhecimento científico (astronomia, matemática). Entre suas principais obras no campo artístico destacam-se as telas A última ceia e Gioconda (Monalisa);
Leonardo da Vinci - Rafael Sanzio (1483-1520): um dos mais populares artistas da Renascença, deixou imensa produção, destacando-se os retratos e, sobretudo, as Madonas;
No século XVI, o maior expoente artístico renascentista foi Michelangelo Buonarroti (1475-1564), cuja produção foi rica e abundante. Destacam-se obras de pintura, como os afrescos da Capela Sistina, em Roma (A criação do homem, O Juízo Final), e escultura (Moisés, David, Pietá).
Capela Sistina
Nas letras e nas ciências, o Renascimento também conheceu grande desenvolvimento, o qual não se limitou à Itália, estendendo-se a várias partes do continente europeu. No campo literário, destacamos os seguintes autores:
- Nicolau Maquiavel (1469-1527): conhecido como o pai da Teoria Política, este pensador foi ferrenho defensor das formas absolutistas de poder, como demonstra em seu livro O Príncipe;
- Erasmo de Rotterdam (1466-1536): holandês que faz severas críticas ao clero e à religiosidade medieval; sua obra principal é Elogio da loucura;
- William Shakespeare (1564-1616): teatrólogo inglês de vasta produção; destacam-se as peças Romeu e Julieta, Hamlet, Othelo, Macbeth, Sonhos de uma noite de verão, Rei Lear, entre outras;
Shakespeare - Miguel de Cervantes (1547-1616): escritor espanhol em cuja principal obra, Dom Quixote, critica os valores medievais da nobreza e da cavalaria.
Miguel de Cervantes Saavedra
“A aspiração de D.Quixote à aventura, o seu desejo de renovar, no mundo povoado de injustiças, do seu tempo, a ação purificadora da andante cavalaria, e de operar essa ação pelo dom de si mesmo, é, em si, um dos mais altos anseios a que tendeu o espírito humano, e a provação a que se sujeitou para cumpri-lo, um drama de tipo messiânico. Mas D.Quixote não se limitou a aspirar à condição de um novo Amadis ou Felixmarte de Hircânia; pensou que efetivamente o fosse, e se aspirar a uma
superior missão entre os homens é sublime, acreditar que se possui essa missão é ridículo.
Cervantes, concebendo a novela do Ingenioso Hidalgo como uma farsa, ao mesmo tempo nos deu, do heroísmo, o exemplo mais grave e eficaz que encontramos no nosso patrimônio de ideias, e a mais aguda advertência contra o perigo da sua degenerescência. Querer salvar, é sublime; julgar-se um salvador, é ridículo. Eis por que nos servimos da expressão quixotismo, ora para
exaltar uma virtude, ora para denunciar uma fraqueza.
(...)
Na verdade, a meu ver, o que Cervantes pretendeu mostrar no seu livro, ou - se não pretendeu - o que mostrou efetivamente, foi que a Cavalaria como forma social, como aparato externo e também como tema literário, estava irremediavelmente ultrapassada e liquidada, mas que dela era possível desencarnar o sentido, transformando-a em mitologia.”
(DANTAS, San Tiago. D.Quixote: um apólogo da alma ocidental. In MARQUES, Adhemar, BERUTTI, Flávio e FARIA, Ricardo. História Moderna através de textos. 2a.ed, São Paulo, Contexto, 1990; pp.17-18)
Em decorrência do novo espírito que varria a Europa, em termos de crítica à visão estática e estagnada do mundo da Idade Média, o pensamento científico também se aprimorou, resultando em importantes descobertas. O novo espírito científico fundamentava-se no empirismo, ou seja, aliadas ao racionalismo, fonte exclusiva do conhecimento humano, a observação e a experimentação deveriam conduzir à formulação de leis universais. Reforçava-se, dessa maneira, tanto o individualismo quanto o naturalismo.
Dentre os principais cientistas da época renascentista, destacaram-se:
- Nicolau Copérnico (1473-1543), formulador da teoria heliocêntrica;
- Johann Kepler (1571-1630) que defendeu a teoria do movimento elíptico dos astros;
- Galileu Galilei (1564-1642), astrônomo inventor do telescópio;
- Miguel de Servet (1511-1553), descobridor do mecanismo da circulação sanguínea;
- André Vesálio (1514-1564) considerado o pai da moderna anatomia pelas investigações realizadas a partir de acuradas observações sobre o corpo humano.
Todas as descobertas científicas da Época Renascentista estavam, portanto, relacionadas ao novo espírito, ao mesmo tempo crítico e curioso do início dos Tempos Modernos, que questionava e negava os valores medievais (estáticos, conformistas). Não resta dúvida que, este espírito medieval, centrado na figura de Deus (teocentrismo), reforçava os poderes da Igreja. Não resta dúvida também que o abalo proporcionado pela mentalidade renascentista sobre o espírito humano resultou numa reformulação dos valores religiosos e no enfraquecimento do catolicismo: foi nesse contexto que ocorreu a Reforma Protestante.