Alice no País das Maravilhas 1951

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Hoje em dia, quando muitas pessoas pensam em Alice no País das Maravilhas, a mente delas vai imediatamente para o filme de 1951, da Disney. Mas, como todos nós sabemos, Alice no País das Maravilhas começou como um livro, As Aventuras de Alice no País das Maravilhas, escrito por Lewis Carroll e publicado em 1865.

Lewis Carroll, na realidade, é o pseudônimo usado pelo inglês Charles Lutwidge Dodgson. Dodgson era um matemático e professor da Universidade de Oxford, com um dom para o aspecto lógico das coisas, o que pode parecer irônico, considerando que em sua obra mais famosa, Alice no País das Maravilhas, e em sua continuação, Através do Espelho, Dodgson, ou Carroll, não fez nada além de desconstruir qualquer senso de lógica e de racionalidade, e nos passou uma história ditada pela falta de qualquer sentido racional e desprendida, justamente, de qualquer senso lógico, onde tudo pode acontecer, literalmente. Mas foi justamente por Dodgson ser versado em matemática e compreender logística que ele conseguiu desconstruir estes conceitos em seus livros, e Alice no País das Maravilhas é considerado um dos melhores exemplos da literatura nonsense, marcada pela subversão de convenções linguísticas ou do raciocínio lógico.

Em sua vida pessoal, segundo muitos biógrafos, Dodgson era uma pessoa infeliz. Ele diminuía suas conquistas e feitos, tanto acadêmicos quanto literários, segundo trechos de seus diários atestam, e parecia ser muito inseguro em relação à sua aparência física, que era descrita como “assimétrica” pelas pessoas que o conheciam. Carroll era surdo de um ouvido, fui vítima de tosse convulsa na adolescência, de cuja qual seu peito nunca se recuperou, e possuía um andar peculiar devido à um problema no joelho, mas seu mais notável “defeito” diz respeito à sua gagueira, que carregou consigo por toda sua vida. Há muita especulação ao redor do personagem do Dodô em Alice, que muitos acreditam ser uma representação do próprio Carroll, refletindo a maneira como ele mesmo se via graças a todos esses problemas. Sua insegurança em relação à sua aparência fez do autor uma pessoa reclusa e insegura, sem muitos amigos entre as pessoas de sua própria idade e entre seus alunos da faculdade. No entanto, algo notório em relação à Carroll, ou Dodgson, era como ele era popular e amigável entre as crianças, mas três crianças em específico se destacam.

Da esquerda pra direita: Edith, Lorina e Alice Liddel

As irmãs Liddel eram filhas do reitor da Christ Church, a faculdade constituinte da Universidade de Oxford onde Dodgson trabalhava. O autor logo ficou amigo da família, mas desenvolveu um laço especial com as três meninas. No entanto, uma em específico se destacava. Lorina e Edith, a mais velha e a mais nova, eram queridas por Carroll, sim, mas era Alice, a irmã do meio, que mais encantava o escritor e professor. Como o nome dela dá a entender, Alice Liddel foi a musa inspiradora por trás da maior obra de Lewis Carroll.

A ideia de Alice no País das Maravilhas surgiu em uma viagem de barco que Carroll fez com as três irmãs. Lewis começou a contar a elas uma história sobre uma menina chamada Alice que vai procurar uma aventura. As meninas amaram, e Alice pediu para Carroll escrevê-la em um livro. E assim Lewis fez, e assim surgiu As Aventuras de Alice no País das Maravilhas, primeiro como um manuscrito dado de presente à garota Liddel, e, mais tarde, como um livro publicado formalmente, que veio a ser adorado e celebrado por séculos por vir.

Há muita especulação e rumores voltados à relação de Lewis Carroll com Alice Liddel. Diversos biógrafos e fãs debatem sobre a amizade formada por entre o professor e a menina, se Carroll possuía algum interesse sexual ou romântico em Alice, ou se era apenas uma amizade inocente, ainda que inusitada. Livros foram publicados examinando o assunto, documentários foram lançados e, honestamente, essas obras e pessoas são muito mais capazes de falar com propriedade sobre Lewis Carroll e sua amizade com Alice Liddel do que eu. O que importa aqui é apenas o contexto por trás de uma obra literária celebrada que, oitenta e um anos após o seu lançamento, inspiraria um filme igualmente querido e adorado por pessoas ao redor do globo.

Como muitas pessoas, Walt Disney cresceu com os livros de Carroll e com o mundo de Alice, tendo lido Através do Espelho para a escola quando ainda era garoto. Disney levou esses livros com ele à medida que cresceu, e quando começou a se consolidar na indústria da animação, um de seus sonhos era adaptar esses livros para o formato. À medida que formos avançando pela filmografia da Disney, veremos filmes que ficaram anos em produção, ou engavetados, até que finalmente fossem lançados, e Alice no País das Maravilhas é um dos exemplos mais notórios. Para se ter uma noção, Disney cogitou lançar Alice como seu primeiro longa animado, no lugar de Branca de Neve e os Sete Anões.

A primeira tentativa de adaptar a obra de Carroll, no entanto, veio em 1923, quando Walt tinha apenas 21 anos. Seu primeiro estúdio, o Laugh-O-Gram Studios, produziu um curta chamado Alice’s Wonderland, onde uma menina em live-action interagia com diversos personagens animados, em um mundo em animação. Apesar de nunca ver a luz do dia, o curta serviu como catalizador para a carreira de Disney em Hollywood. Após seu primeiro estúdio, o Laugh-O-Gram, falir, Disney e seu irmão, Roy, vieram para a Califórnia e fundaram o estúdio que viria a se tornar a Disney como nós a conhecemos hoje, e usaram o curta como um piloto para mostrar à distribuidores em potencial que estivessem dispostos em transformar Alice’s Wonderland em uma série. Foi exatamente isso que aconteceu, e Alice Comedies foi lançada em 1923, durando por toda a década de vinte, sendo a primeira vez que Disney chamou alguma atenção para si e para seu trabalho.

Alice’s WonderlandAlice Comedies

Disney revisitou o mundo de Lewis Carroll uma década depois, já estabelecido e com a Disney tendo se tornado um dos grandes nomes do mercado do cinema animado, com seu mascote, Mickey, em um curta chamado “Através do Espelho”, onde Mickey é transportado para o País das Maravilhas após, adivinhem só, atravessar um espelho.

Então não foi nenhuma surpresa que, quando Disney decidiu se aventurar pelo mercado inexplorado dos longas-metragens animados, sua primeira ideia para um filme foi adaptar Alice no País das Maravilhas. O filme, caso tivesse sido lançado e mantivesse a ideia original de Disney até o fim de sua produção, seria uma combinação de live-action com animação, e seria, essencialmente, uma versão em longa dos seus curtas, Alice Comedies. A Disney chegou a comprar os direitos para as ilustrações de John Tenniel, presentes na versão original de Alice. No entanto, essa ideia foi devidamente abandonada com o tempo, em grande parte graças ao fracasso do filme Alice no País das Maravilhas, de 1933, que assustou Disney e seu estúdio, e os desencorajaram a adaptar a obra de Carroll para o cinema. Grande parte do fracasso do filme de 1933 foi atribuído, à época, à dificuldade de se recriar um mundo de fantasia para a tela de cinema, o que muitos acreditavam ser impossível, até um certo filme chamado O Mágico de Oz estrear nos cinemas seis anos depois.

No entanto, com o sucesso de Branca de Neve, Disney se sentiu confiante em reviver o projeto, e inclusive adquiriu os direitos para o título “Alice no País das Maravilhas” em 1939. Al Perkins foi contratado pela Disney para trabalhar no roteiro, e David Hall para desenvolver a arte que serviria de base para a animação do filme. No entanto, Walt estava insatisfeito com o trabalho de ambos, acreditando que tanto a arte quanto o texto eram muito obscuros e mórbidos para um filme da Disney, se prendendo à uma atmosfera mais sombria e menos fantasiosa. Com esses problemas no desenvolvimento da obra, e com a Segunda Guerra Mundial, que, como sabemos, colocou um basta em diversas produções do estúdio durante os anos quarenta, Alice foi engavetado.

Esboços feitos por David Hall para Alice no País das Maravilhas. Como podemos ver, sua versão do mundo de Carroll é muito mais tensa e macabra do que o que esperamos de um filme da Disney.

Com o fim da guerra, em 1945, a Disney mais uma vez tirou o projeto da gaveta, com Walt determinado em fazer o filme funcionar e transformar uma de suas histórias favoritas da infância em um filme animado. Em uma parceria inusitada, Aldous Huxley, autor do romance Admirável Mundo Novo, foi contratado pela Disney para trabalhar no roteiro do filme e reformulá-lo, mas Walt achou que a versão de Huxley era muito literal como uma adaptação, e o autor saiu do projeto. Foi outra pessoa que se envolveu no projeto de Alice que se provou essencial para a realização deste filme, a artista Mary Blair, que estava trabalhando na Disney desde 1940. Blair desenvolveu alguns desenhos mostrando sua visão do País das Maravilhas, e foi a visão de Blair que encantou Walt Disney. Ao contrário de outras versões, Mary Blair se focou na faceta fantástica e fantasiosa do mundo de Alice, deixando de lado as partes mais obscuras da obra de Carroll, e trazendo à vida o que fazia de seu mundo divertido e lúdico. Suas pinturas e desenhos eram lotados de cores vivas e vibrantes, e formas geométricas exageradas, que capturavam exatamente o que Walt Disney queria que seu filme fosse: lúdico, divertido, maluco e atrativo para as crianças. Foi apenas com o envolvimento de Blair que Alice no País das Maravilhas desempacou e finalmente avançou em sua produção.

A arte de Blair faz uma leitura muito mais lúdica e fantasiosa, e menos mórbida do País das Maravilhas, que era exatamente o que Disney estava procurando para seu filme.

Blair é uma das figuras mais influentes do mundo das animações até os dias de hoje. Muitos dos filmes da década de cinquenta da Disney, como Cinderela, Alice no País das Maravilhas e Peter Pan possuem o toque dela em suas produções. O estilo dos desenhos e pinturas de Blair, coloridos, geométricos e absurdos, serviram de grande influência para as artes conceituais de diversos filmes animados até os dias de hoje, ela meio que definiu o que uma arte conceitual para um filme de animação é. Em um meio, até hoje, muito ditado pela presença masculina, com poucas mulheres conseguindo um espaço no mercado animado, Mary Blair segue sendo uma das figuras mais importantes desse meio, como um símbolo para mulheres animadoras no mundo todo, de que se é possível conquistar um espaço, e superar o machismo enraizado por entre o mercado do cinema animado.

Blair também foi imprescindível para a realização de Alice no País das Maravilhas em específico. O grande empecilho para que o filme saísse do papel e ganhasse corpo era o direcionamento que o filme queria tomar. A obra de Carroll é tão vasta e cheia de possibilidades, que haviam um milhão de direções que o filme poderia ir. Ele podia ser macabro, ele podia ser grotesco, ele podia ser absurdo, ele podia ser lúdico, ele podia ser aventureiro, não haviam limites para onde Alice poderia ir, e era isso que fazia com que o filme se tornasse tão difícil de se desenvolver, ninguém sabia muito bem para onde ele estava indo, que direção ele estava tomando, e também, que direção esses animadores queriam que o filme tomasse. Foi graças a arte de Blair, que capturou justamente o espírito lúdico e fantasioso do País das Maravilhas que os animadores conseguiram um norte e uma inspiração para o que fazer desse filme. E, assim, após vinte anos em produção, Alice no País das Maravilhas finalmente estreava nos cinemas em 26 de julho de 1951.

Encenação em live-action do filme para os animadores, como de prache

Para se falar de Alice no País das Maravilhas, se tem que ressaltar a animação. Os cenários são tão distintos e criativos que eles são quase como que um personagem autônomo dentro da própria história. Os animadores da Disney conseguiram se manter fiéis o suficiente às ilustrações de John Tenniel, mas ainda conseguiram colocar nelas charme e personalidade o suficiente para diferenciá-las e dar a ela a essência da Disney. Por mais que as ilustrações de Alice no País das Maravilhas sejam realmente maravilhosas — eu, particularmente, as considero a melhor parte do livro — dar vida a elas através da animação seria de fato muito difícil. Elas têm um certo quê de seriedade e impessoalidade que torna difícil fazê-las se moverem e fazê-las atraentes o suficiente para sustentar um filme de uma hora. Nesse sentido, a animação desta obra funciona muito melhor, tomando como base a animação colorida e lúdica dos desenhos de Mary Blair, e extraindo dela toda a vida e criatividade necessária para se contar esta história.

A animação de Alice é uma das mais criativas e singulares de toda a filmografia da Disney. É refrescante ver o estúdio retornando para suas raízes experimentais e imaginativas após terem que seguir todo um passo à passo para fazer de Cinderela, ainda que um bom filme, um filme seguro, onde um retorno financeiro seria mais certeiro. Em Alice podemos perceber o quão ousados todos os envolvidos no projeto estavam, até porque é mais difícil seguir um passo à passo adaptando uma obra como Alice no País das Maravilhas já que, como citado, há um milhão de maneiras com que este filme poderia se desenrolar, e há um milhão de direções que ele poderia seguir. A obra de Lewis Carroll é tão absurda, tão única e tão não-convencional que a única maneira de fazê-la justiça seria pular de cabeça no mundo do absurdo e do lúdico, e, daí, seguir com seus instintos, e foi isso que os responsáveis pelo projeto fizeram. Por Alice seguir um modelo episódico, sem uma narrativa de começo, meio e fim, e ao invés ser formada por diversas situações e momentos isolados, cada animador chefe, os ditos Nove Anciões, ficou responsável por um segmento da história para desenvolvê-lo como quisessem, e isso deu autonomia à eles para que pudessem se experimentar e se aventurar, o que fez com que o filme se tornasse tão único no final das contas. O fato de cada animador estar competindo um com o outro, tentando se superarem à cada curva, os motivou para entregarem tudo de si em suas respectivas partes do filme, e não descansarem até tudo estar sob os conformes e elevado à máxima potência.

O mundo do País das Maravilhas é um dos universos mais criativos que a Disney já nos entregou, e diferente de tudo o que já vimos. A obra de Carroll é tão viva, tão criativa e única, que ela pede para ser animada, ela pede para ser adaptada pelos olhos de artistas, que recriam seu mundo sobre folhas de papel e depois dão vida a ela. A animação, diferentemente do live-action, não tem limites, ela pode ser tudo o que quem estiver à criando quer que ela seja, ela pode ultrapassar qualquer limite, e isto torna a animação o meio perfeito para adaptar o mundo de Lewis Carroll, já que ele, também, não possui limites, e vai para qualquer lugar que quiser ir. E, nesse sentido, os animadores da Disney cumpriram as expectativas caídas sobre eles, e deram vida ao País das Maravilhas de uma das maneiras mais criativas que já vimos vindas da casa do Mickey. O próprio Walt Disney percebeu, ainda quando sonhava em fazer uma adaptação de Alice que seria híbrida entre a animação e o live-action, que a única maneira de fazer justiça ao mundo idealizado por Carroll seria em uma obra totalmente animada, e podemos ver, no resultado final, que ele estava completamente certo.

E assim, Alice no País das Maravilhas é um dos filmes menos convencionais já entregues a nós pelas mãos da Disney, especialmente no que tange a animação. Ao invés de se manter na esfera doce e fofa da maioria das outras obras do estúdio, como citado, Alice não se limita, e vai para todos os lugares, do real para o surreal, em questão de segundos. E é aí que eu digo que os cenários de Alice são quase que um personagem próprio, pois eles têm tanta personalidade, eles jogam tanta coisa para nós em tão pouco tempo, que eles demandam que uma atenção especial seja aderida a eles. O mundo do País das Maravilhas não se limita nunca, e está sempre jogando novas coisas para nós. Quando nós pensamos que já vimos de tudo, eles nos surpreendem novamente, e vão sempre dando novos detalhes para a atmosfera desta obra. Nós temos desde borboletas em formato de pão, libélulas em formato de carrossel e corujas em formato de sanfona, os animadores realmente se esforçaram para capturar a essência ilógica e sem pé nem cabeça que é realmente a alma da obra de Carroll. A graça desta história está em ver um mundo onde o impossível ganha vida, e os animadores conseguiram trazer exatamente isso, esbanjando criatividade em cada cena, e mostrando que eles não se deram limites ao capturar a atmosfera de um mundo ditado pelo nonsense. Nesse sentido, as cores também fazem um excelente trabalho, pois elas são tão vivas e brilhantes que, mais uma vez, demandam uma atenção especial. O mundo de Alice está idealizado exatamente como Mary Blair o imaginou, um ambiente lúdico e fantástico, onde a criatividade não possui limites, e as cores nos dão essa impressão, pois elas são tão vibrantes, quase como se estivessem saindo da tela e entrando no nosso mundo.

Mas, com isso dito, os animadores também conseguiram dar diversas caras a este mundo, não se prendendo a uma nota só, e não sendo cem porcento lúdicos e alegres o tempo todo. O País das Maravilhas também pode ser tenso, também pode ser sombrio e intimidador, e há diversas cenas onde a paleta de cores vibrantes e coloridas saem e ficamos com um maior breu. Isso se dá muito porque estamos vendo tudo pelos olhos de Alice. Para ela o País das Maravilhas pode ser tanto um lugar mágico e divertido, como pode virar um ambiente assustador e grotesco em questão de segundos. Não há muito uma definição para o que é o País das Maravilhas, ele, assim como tudo o que acontece, não faz nenhum sentido lógico, e a animação capta isso muito bem. Ela acerta ao não tentar definir o País das Maravilhas como um ambiente só, ele pode ser diversas coisas ao mesmo tempo, assim como o mundo de Carroll, e a história de Alice, não podem ser definidos em poucas palavras, eles são um organismo vivo, que não se limitam, e estão, cada vez mais, jogando mais e mais coisas para nós, o público, deixando que o papel de interpretar e de decidir o que está acontecendo caia sob nós enquanto as coisas simplesmente acontecem, sem necessariamente estarem exercendo algum significado, ou algum papel narrativo, e a animação sabe captar esse espírito ambivalente do mundo de Carroll como ninguém.`

A animação de Alice, como eu havia dito, é uma das menos convencionais, e há diversas influências surrealistas nela, onde tudo acontece à mil por hora, e os animadores estão cada vez mais jogando coisas para nós sem dar tempo para nós respirarmos. É uma das animações mais singulares da Disney nesse sentido, porque não segue nenhuma convenção ou nenhum modelo, podendo se dar liberdade de ir para onde quiser ir. Ao invés de se permear pelo campo dócil e fofo, apesar de essa faceta também aparecer em certos momentos, sobretudo na sequência inicial, a arte de Alice não tem medo de ser estranha, bizarra e surreal, trazendo o lado excêntrico e lunático da Disney à tona, algo que, infelizmente, não vemos tanto, com o estúdio se preocupando mais em se adequar à uma imagem familiar e amigável, mas quando aparece, como aqui, e na sequência dos Elefantes-Cor-de-Rosa, em Dumbo, sempre é bem-feita, sempre é divertida e sempre é envolvente.

Um problema que muitos têm com o filme, no entanto, é a história, ou a falta de uma, para ser mais exato. Como citado, Alice no País das Maravilhas não possui uma narrativa corpórea de começo, meio e fim. O filme é composto por uma série de momentos que se intercalam entre si, e nós seguimos Alice enquanto ela vai de encontro a encontro com os seres peculiares e bizarros que habitam o dito País das Maravilhas. Mas a história de Alice no País das Maravilhas é muito mais baseada na jornada do que em seguir um arco narrativo. A graça desse conto é ver como Alice interage com este mundo ilógico, e tudo o que ela encontra ali. Alice no País das Maravilhas inspirou diversas outras obras que seguem mais ou menos a mesma premissa; temos uma menina que é transportada para um mundo fantástico e maluco. Seguindo como base esta sinopse, além de Alice nós temos O Mágico de Oz, A Viagem de Chihiro e Coraline. Mas enquanto essas obras posteriores têm mais um arco narrativo de começo, meio e fim, e um conflito a ser resolvido até o final da história, Alice no País das Maravilhas não. Tanto o filme quanto o livro são mais sobre capturar os momentos da jornada da protagonista enquanto ela se aventura por entre um mundo completamente lunático, onde ela é a única que carrega consigo um senso de lógica. Nesse sentido, Alice funciona como os nossos olhos por entre o País das Maravilhas. A graça não está nela, e sim nas coisas que ela encontra, ela meio que funciona como a pessoa comum, que é a nossa porta de entrada para um mundo incomum. E, seguindo esta lógica, eu acho que o filme funciona muito bem. Não há porque haver um maior conflito, quando apenas encontrar esses personagens bizarros e essas situações absurdas é interessante e instigante o suficiente para manter um filme. Não há muita lógica em como a história se conta; nós apenas seguimos Alice enquanto ela vai de encontro a encontro, até o filme acabar, e, no caminho, vamos conhecendo personagens icônicos, como o Gato, o Chapeleiro Maluco, a Lagarta, a Rainha de Copas, e o Coelho. O Coelho, aliás, é o pretexto usado pelo filme para que a história se desenrole, enquanto vemos Alice sendo motivada por seguir o Coelho, e é isso que faz com que a história se conte. Não faz muito sentido, mas a graça dos livros de Carroll era justamente a falta de sentido, então por que o filme teria que ser diferente? O que faz de Alice no País das Maravilhas especial, tanto o filme quanto o livro, é a atmosfera que se é criada, a essência desse mundo bizarro onde nada faz sentido, e das pessoas que lá habitam. É, como eu disse, a jornada que faz com que nós nos encantemos por esse mundo, e não para onde a história nos leva.

Alice no País das Maravilhas, nesse sentido, funciona bem como uma adaptação, pois consegue carregar consigo o espírito da história de Carroll; uma história ilógica e absurda onde a diversão da coisa está em ver como um mundo onde nada faz sentido funciona, e como as pessoas que habitam nele interagem. Obviamente, há diferenças entre este filme e o material original, mas eu acredito que o que faz do filme de 1951 uma boa adaptação, como citado, é conseguir se manter fiel ao espírito da obra, algo que outras adaptações não conseguiram (oi, Tim Burton). O que Alice, o filme, faz é pegar uma série de momentos de ambos os livros; tanto País das Maravilhas quanto Através do Espelho, e os interconectá-los, para fazer a transição da obra literária para a obra cinematográfica. Os animadores não estão preocupados em traduzir passo por passo o livro de Carroll para o cinema, e eu acho que isto foi para o melhor. Exige uma certa sabedoria em saber reconhecer que a literatura e o cinema são meios diferentes e que, muitas vezes, coisas que funcionam nas páginas de um livro, não são bem traduzidas para as telas grandes, ainda mais se formos considerar que o filme da Disney tinha a intenção de ser um filme que apetecesse, também, às crianças, e As Aventuras de Alice no País das Maravilhas, apesar de ser um livro infantil, é um material difícil de se pegar e de se transformar em um filme, e ainda fazer dele atrativo para o público infantil. Então, a maneira que a Disney arranjou de fazer da história atrativa foi brincar com o absurdo e a falta de lógica do mundo de Alice, em cenas isoladas, ao invés de se preocupar com colocar essas cenas para funcionarem dentro de uma narrativa corpórea. O charme de Alice está nas interações e não na história, como citado, e para que essas interações funcionassem, os responsáveis pelo filme escolheram à dedo quais seriam os melhores momentos, de ambos os livros, para capturar esse espírito absurdista da história. Assim, diversos momentos do País nas Maravilhas foram omitidos, como a Duquesa, a Cozinheira, e o bebê que se transforma em porco e o grifo e a tartaruga, assim como momentos de Através do Espelho foram mesclados com o primeiro livro, como as flores falantes e Tweedledee e Tweedledum, tudo para fazer da história o mais atrativa possível para as telas de cinema, enquanto ainda se mantém fiel ao espírito louco e ilógico da obra de Carroll que, como citado, eu acredito ser mais importante do que tentar recriar literalmente tudo o que acontece nos livros, porque o cinema e a literatura são meios diferentes e Alice é um livro difícil de se adaptar. Assim, eu acho que conseguir manter a essência dessas obras é mais importante do que tentar recriá-las identicamente ao material original, pois, talvez, o brilho e a graça de Alice se perdessem, e ficaríamos com um filme enfadonho e que não funciona como uma obra isolada.

Por Alice ter diversos momentos icônicos e marcantes, muitos momentos foram desenvolvidos e depois cortados do projeto final. Toda a sequência na casa da Duquesa, com o bebê que vira porco e a cozinheira foi cogitada, mas depois descartada, o Jaguardarte, de Através do Espelho também faria uma aparição, e o Cavaleiro Branco, também de Através do Espelho, iria aparecer. O Cavaleiro seria uma caricatura do próprio Walt Disney, e ele seria o responsável por ajudar Alice no final da história, mas ele foi cortado do filme quando os animadores decidiram que seria melhor que Alice aprendesse sua lição por conta própria. Como citado, havia um milhão de direções com que os animadores poderiam ir com este filme, e por mais que parte de mim gostaria de ver como todos os momentos cortados teriam ficado no material final, há de se notar que os animadores conseguiram fazer um ótimo trabalho mantendo a coesão dentro de uma obra tão vasta, e conseguindo transformar ela em um ótimo filme.

Além disso, o filme conseguiu manter muito do charme e da graça da obra original em si, o que não é algo tão fácil assim. O livro de Carroll é cheio de trocadilhos e piadas linguísticas, além de ser lotado de poemas e poesias por toda a sua duração. Muito do humor da obra está justamente em suas palavras, e Carroll brinca o tempo todo com a língua, através de, como citado, diversos trocadilhos, e isto, apesar de se tornar claro quando estamos lendo as palavras em nossa frente, pode perder seu charme quando vemos elas serem ditas, ao invés de as lermos. E, ainda assim, os dubladores conseguiram nos passar esse texto, que é bastante difícil de recitar e de, ao mesmo tempo, conseguir passá-lo de maneira casual e informal, de forma crível e divertida, conseguindo recriar todos os momentos divertidos das páginas do livro para as telas, sem que esses momentos se perdessem durante a tradução de um meio para o outro. Mais uma vez, ao escolher, sabiamente, se manter fiel ao espírito do livro mais do que ao conteúdo literal, o filme conseguiu funcionar melhor, recriando o humor de difícil digestão sem precisar se esforçar, e ele flui naturalmente.

Eu realmente acredito que Alice é um dos filmes mais divertidos da Disney. Muito do humor, aqui, está em como essas situações inusitadas se desenrolam. Carroll conseguia tirar a comicidade desses momentos sem sentido, e das interações de Alice, a representação da lógica, com os personagens do País das Maravilhas, que são tudo menos criaturas lógicas. O choque entre esses dois campos; a formalidade e a racionalidade de Alice, com o lunatismo e a excentricidade dessas criaturas é que trazia o humor para aquele livro, com a menina tentando não perder a cabeça ao interagir com os loucos que encontra, e isso é perfeitamente recriado no filme. Todos os personagens são hilários por conta própria, e as suas loucuras e particularidades já são perfeitas em trazer o humor à vida, mas são suas interações com Alice que fazem com seus trejeitos sejam ainda mais realçados e a comicidade venha ainda mais forte, e o filme consegue captar tudo isso com perfeição, fazendo de Alice um filme hilário, com diversos momentos que farão qualquer um dar boas risadas.

Aliás, já que chegamos na questão dos personagens, eles são o que realmente dão vida à obra. Como não há uma história corpórea em Alice, e a obra é toda sobre a jornada da menina por esse mundo, enquanto ela vai encontrando diversas criaturas bizarras, e se deparando com diversas situações estranhas, a falta de história dá espaço para que os personagens realmente brilharem, e são eles que fazem a obra. Cada um com seu trejeito particular, com sua mania e com suas loucuras, todos tem um espaço e um momento onde podem brilhar. A maioria dos personagens de Alice no País das Maravilhas se tornaram imortalizados hoje em dia, e são eles o principal atrativo da história. E não só a Disney conseguiu recriá-los de maneira bem-feita, como conseguiu dar uma cara nova a eles, os repaginar e, hoje, quando pensamos em muitas dessas criaturas, são suas versões de 1951 que vem a cabeça. Esses personagens são todos divertidos e memoráveis, especialmente por serem tão únicos. A única função deles na história é serem bizarros e loucos, e apenas isso os dá espaço o suficiente para roubarem os holofotes para si, e todos eles têm pelo menos algum momento que se destaca. Eles são tão envolventes justamente por não terem amarras, não tem nada que os limite, eles podem fazer de tudo e serem tão loucos e excêntricos quanto Lewis Carroll queria que eles fossem. Desde o Coelho, tenso e nervoso, gritando que está atrasado, passando pelo Gato e pela Rainha de Copas, até chegar no Chapeleiro Maluco, que dispensa comentários, todos esses personagens são divertidíssimos de se acompanhar, e são eles que dão vigor à obra.

E, como citado, a Disney foi a responsável por os imortalizar e dar uma cara nova a eles, fazendo com que eles fossem uma constante ainda maior não só no imaginário do público, como também na cultura popular, e hoje em dia todos conhecem essas figuras, todos sabem quem eles são, e se lembram pelo menos de algum momento com eles, nem que seja a Rainha de Copas gritando “cortem-lhes as cabeças”, o Coelho cantando que estava atrasado ou o Chapeleiro Maluco e a Lebre de Março cantando “Feliz Desaniversário”. A Rainha de Copas é mais uma vilã icônica da Disney, ela consegue ser aterradora e hilária ao mesmo tempo, é muito difícil não conseguir achar graça da mesma gritando e berrando sempre que alguma coisa não vai como o planejado, e de como o Rei é tão insignificante e patético se comparado a ela. O Chapeleiro Maluco é um personagem importante para a história da Disney. Em sua versão original ele foi dublado pelo comediante Ed Wynn. Acontece que quando Wynn improvisou suas falas, os animadores chegaram à conclusão que ele foi muito mais engraçado do que quando ele leu o texto para dublar o personagem de fato, e a ele foi dada autonomia para improvisar o quanto quisesse. Esta foi a primeira vez que a Disney se colocou aberta à improvisos, o que pavimentou o caminho para muitos outros personagens cômicos dublados por personalidades famosas que se seguiriam. No entanto, o meu personagem favorito é o Gato. Para mim, é ele que realmente faz este filme. Ver o quanto ele se diverte enganando Alice e criando armadilhas para ela, ver o quanto ele sempre se safa com tudo o que faz, ver o quanto ele aparece e desaparece sempre que lhe é conveniente e o seu sorriso de diversão com tudo o que apronta, tudo isso é um dos melhores aspectos do filme, e, para mim, o personagem está imortalizado com suas listras e sua cor roxa que foi aderida a ele pela Disney. Quando eu li a obra original pela primeira vez eu fiquei decepcionado com o fato de que ele é muito menos cômico e muito mais neutro no livro do que no filme, e, para mim, sua versão cinematográfica segue sendo como a absoluta. E é isso o que eu quero dizer quando digo que a Disney deu outra cara a esses personagens e ajudou a imortalizá-los. Quando pensamos neles, imediatamente pensando em suas versões de 1951, seja fisicamente, ou em seus trejeitos e personalidades. Alice é um daqueles filmes em que se é impossível terminar de vê-lo sem pelo menos um personagem favorito, ou um que tenha lhe chamado mais a atenção. Tanto Carroll quanto Disney sabiam que criar personagens envolventes e excêntricos eram essenciais para fazer a história funcionar, e ambos realizaram isto com maestria.

Assim, era de se esperar que a protagonista, Alice, fosse engolida por personagens tão únicos e particulares, ainda mais quando não há tanto um personagem nela, e ela funciona mais apenas como a personificação da ordem em meio ao caos. Ela funciona, como citado, mais como os olhos do público, e nossa porta de entrada para o mundo fantástico do País das Maravilhas, não há muito mais nela além disso, ou então era esta a ideia original. No entanto, apesar de muitas pessoas concordarem que Alice é meio sem graça, e a parte mais fraca da obra, para mim, a versão da Disney em específico fez um bom trabalho a adaptando. Eu sinto que os animadores da Disney conseguiram colocar muito mais personalidade na versão deles da personagem, do que Carroll em seu livro. A Alice do filme soa mais como uma garota real, ela chora, ela se frustra, ela reclama, ela se desespera. Nós conseguimos sentir empatia por ela enquanto a vemos tentar manter alguma ordem em sua vida ao passo em que é constantemente confrontada pelas bizarrices do lugar onde está. Em suma: ela é uma personagem com quem o público desenvolve um laço e uma conexão, mais do que apenas um artifício de roteiro para que nós possamos acompanhar a história dos outros personagens. Quando Alice se desespera no final do filme, e começa a chorar dizendo que nunca consegue seguir os seus próprios conselhos, nós realmente sentimos por ela, porque parte do filme trabalhou o desenvolvimento de um laço que nós sentimos para com a garota. Sua animação também é ótima ao capturar toda a normalidade desse personagem. Ao contrário do resto do filme, Alice é uma figura com os dois pés na realidade, e os animadores conseguem captar isso. Ela, de fato, parece uma pessoa real. Até seus movimentos parecem realistas, e essa realidade é captada de forma perfeita — um longo passo de distância da primeira tentativa do estúdio de tentar animar humanos realisticamente, em Branca de Neve. Já a Alice do livro me frustrou um pouco porque ela sempre parecia calma demais, ela não parecia nunca se frustrar ou agir como uma criança normal agiria caso se visse em um meio estranho. Ela parece sempre ter a resposta para tudo, e parece sempre pronta para seguir qualquer caminho que o País das Maravilhas a levasse, sem reclamar ou se frustrar. Nesse sentido, a Alice do filme parece muito mais como uma garota, e uma pessoa, real, e, portanto, fica mais fácil para o público gostar dela e sentir por ela.

Acho que, já que eu estou comparando tanto o livro com o filme, cabe a resposta para a pergunta: qual deles eu gosto mais? Para responder isso, precisamos primeiro entender que ambas as obras são diferentes em suas propostas. Alice no País das Maravilhas, o filme, é uma versão muito mais simplificada do livro. O livro de Carroll é uma obra complexa, que traz à tona uma série de temas, que ainda são motivos de debate até hoje. No entanto, o principal tema que todos parecem acordar em suas análises, é que Alice representa a jornada da infância para a vida adulta. Tal conclusão não é tão difícil de se chegar, ainda mais quando chegamos no final do livro, e lemos sobre como a irmã de Alice deseja que sua irmã nunca cresça, mas a imagina com seus filhos, depois de adulta, contando para eles sobre o País das Maravilhas, e se lembrando de todas as simples alegrias da infância. Assim, o livro trata sobre a inevitável perda da infância e das alegrias e da inocência que temos em nós quando ainda somos crianças. Quando Alice cai na toca do coelho e é transportada para o País das Maravilhas, todas as suas aventuras naquele local estranho onde nada faz sentido estão simbolizando a vida adulta, onde nossas expectativas são constantemente frustradas, e nem sempre as coisas acontecem da maneira que nós queremos ou acontecem por algum motivo específico — em suma, a vida adulta é representada como um quebra-cabeças incompleto e vazio de sentido. O fato de Alice continuar mudando de tamanho por toda a história, crescendo e diminuindo a torto e a direito, é muito mais presente no livro do que no filme, e representa as mudanças que o corpo enfrenta durante a puberdade. No livro, ao invés de suas ações serem motivadas por simplesmente querer seguir o Coelho, muito do que Alice faz é motivado por querer chegar no jardim da Rainha, que aparece no final do filme. Alice vê o jardim pela primeira vez pela fechadura da porta que a leva ao País das Maravilhas (que não fala), e a partir daí é motivada por sua vontade de chegar nele, o que representa o desejo, que é o que muitas vezes o que nos move, enquanto nós tentamos nos segurar à coisas e motivações supérfluas para conseguir manter alguma noção de ordem e manter algum objetivo para nossas vidas, mesmo que frágil e falso. Além disso, o jardim também simboliza o Jardim de Éden, um lugar que representa a beleza e a inocência, onde Alice quer muito chegar, mas que não lhe é permitido acesso. No fim, ambos esses significados para o jardim podem se mesclar para que, juntos, simbolizem que o que Alice quer se agarrar, mas não consegue, é a beleza e a inocência da infância, que ela saber que perderá um dia — lembrando que todos esses simbolismos são constantemente debatidos e levantados, com milhões de artigos sobre os mesmos, e eu não cheguei em nenhum deles por conta própria.

Já no filme, todo esse peso e significado é deixado de lado, e nós vemos a jornada de Alice ao pé da letra, sem que ela esteja simbolizando algo mais significativo ou filosófico. A lição de Alice no País das Maravilhas acaba sendo mais básica — cuidado com o que você deseja, além de a obra nos passar que a ordem e as regras existem por um motivo. No início do filme, Alice está reclamando com sua irmã, que está lhe dando uma aula de história, lendo um livro didático para ela, um livro sem figuras, o que chateia Alice. Quando sua irmã a diz que muitos bons livros não têm figuras, Alice fantasia um mundo próprio, onde todos os livros terão figuras, as flores e animais falarão, e tudo será lúdico e divertido. Qual não é a surpresa de Alice quando ela é transportada para o mundo que imaginou — o País das Maravilhas — e descobre que ele não é nada como tinha sonhado, sendo um mundo inóspito, onde todos são malucos e incapazes de uma interação normal. Aliás, a motivação de Alice muda no final do filme. Enquanto que, sim, por quase toda a sua duração, o filme se manter fiel ao livro no sentido em que não há uma narrativa corpórea, e nada que empurre a história para frente, e tudo não passar de uma coletânea de momentos, com Alice indo de encontro a encontro, se mantendo em um formato episódico, no final do filme ele não resiste ao abraçar uma motivação narrativa — a vontade de Alice de ir para casa, e tudo a partir de então deixa de ser encontros descompromissados, como no livro, e é motivado pela vontade de Alice de voltar para casa. Isto foi feito porque os animadores compreenderam que o filme poderia ficar monótono e chato, sobretudo para as crianças, se não fosse motivado por nada, e resolveu abraçar um objetivo em seus últimos momentos. Assim, no fim, a lição que Alice aprende e a que o filme nos passa é clara; cuidado com o que deseja e não há lugar como nosso lar — irônico que esta segunda moral ele pega emprestado de O Mágico de Oz, que já havia pegado muito emprestado de Alice.

Assim, o livro parece ser mais robusto que o filme. Ele possui uma alta dose de simbolismos e uma mensagem final mais significativa e original. No entanto, primeiro nós temos que considerar que ambas as obras não são apenas reminiscentes de diferentes meios — o literário e o cinematográfico — como são de diferentes épocas. Pelo filme ser mais recente, ele foi lançado em um período em que havia uma maior preocupação com como ele seria recebido pelas crianças, e os animadores acreditaram que seguir a história ao pé da letra seria arriscado, por talvez ela ser monótona demais, e filosófica demais para os pequenos, e assim, tentaram a modernizar, a deixando mais dinâmica e menos simbólica. Tudo isso é só a minha maneira de enrolar o suficiente até eu conseguir ter coragem para dizer que prefiro o filme ao livro. Minto, não é apenas isso. O que eu quero dizer é que, por mais que o livro possa ter mais a oferecer nas entrelinhas, lê-lo não é algo tão divertido assim. Ele pode se tornar muito monótono e de difícil acesso com os constantes poemas recitados, além das piadas linguísticas, que fazem com que ele seja um material complicado de se ler. Já o filme, por mais que seja mais direto e sem a faceta mais filosófica do livro, é mais divertido e funciona melhor como entretenimento, sendo bonito, encantador e engraçado, e apetecendo tanto aos adultos quanto as crianças. E eu sei que Alice no País das Maravilhas é um livro infantil, mas o material da obra é tudo menos isso. As crianças se encantam com a história pelos elementos fantasiosos e absurdos, mas dificilmente entenderão tudo o que a obra quer passar ou terão paciência para lê-la à fundo, para elas é só uma diversão descompromissada. Parte de mim gostaria de ter lido Alice quando ainda era menor, talvez eu pudesse me distrair apenas com a parte lúdica independente da parte mais complicada, e desenvolver um carinho grande o suficiente para com a obra para voltar a ela depois de mais velho e disposto a compreendê-la a fundo. Por ora, eu aprecio mais o livro na teoria, mas gosto mais do filme na prática. Independente disso, ambos são melhores do que a versão do Tim Burton.

A parte mais fraca do filme é a parte musical. Alice no País das Maravilhas é o filme animado com mais músicas de toda a história da Disney, mas nós não conseguimos lembrar de nenhuma, de tão imemoráveis que elas são. Isto tem muito a ver com a maneira com que elas foram inseridas na história. Ao invés de tratar Alice como um musical, e reservar sequências do filme para se contarem com as músicas, estas canções são tocadas de maneira mais informal, enquanto a história se desenrola, ou enquanto os personagens fazem alguma ação, não demandando atenção para si. Além disso, muitas dessas músicas são bastante curtas, algumas tendo apenas segundos de duração. Isso porque essas músicas são adaptações dos poemas que Carroll escreveu para o livro. Os animadores queriam adicionar esses poemas na história, mas não sabiam como inseri-los no texto, e a maneira que arranjaram para tal foi através das músicas, o que fez com que elas fossem apenas tais poemas em forma musical, sendo curtas e pouco marcantes ou envolventes.

Infelizmente, Alice no País das Maravilhas não foi bem recebido em sua estreia. Muitos críticos literários não gostaram do filme porque, segundo eles, ele “americanizava” uma clássica obra literária inglesa. Mas Walt Disney não se incomodou com tais críticas, porque ele tinha consciência de que não estaria adaptando a oba de Carroll de forma literal, e sim transformando ela em um produto que pudesse ser consumido por toda a família. O que decepcionou Walt Disney, no entanto, foi a apatia do público para com seu filme, e Alice teve um desempenho fraco nas bilheterias. Com o tempo, a Disney se distanciou do filme, e diferentemente de muitos outros filmes na época, Alice foi um dos únicos a nunca re-estrear nos cinemas durante o resto da vida de Disney. É uma pena pensar que um filme que ficou décadas sendo feito e que era um dos projetos mais queridos por Walt Disney durante sua vida foi recebido de maneira tão decepcionante. Muitos motivos foram atribuídos ao fraco desempenho de Alice; Walt culpou a protagonista, a quem ele considerava faltar carisma. Os animadores creditaram o fato de cada um deles ficarem responsáveis por um único segmento, o que fez com que eles competissem uns com os outros para ver quem fazia a melhor sequência do filme, o que enfraqueceu o produto final.

Eu, particularmente, não vi problema com nenhum desses aspectos. Como eu citei, eu não acho a personagem de Alice fraca e sem carisma, e nem acho o material final enfraquecido. Felizmente, este não era o fim de Alice no País das Maravilhas, e com o tempo mais pessoas começaram a pensar como eu. Mais especificamente começando no final da década de sessenta, quando o filme Yellow Submarine estreava nos cinemas, a sociedade americana começou a ficar mais aberta ao surrealismo e à psicodelia, não só o filme como a obra original de Lewis Carroll começaram a aumentar em popularidade. Isto, obviamente, estava intimamente ligado ao movimento hippie e a cultura das drogas das décadas de sessenta e setenta, e as pessoas começaram a retornar ao livro original, e ele começou a fazer parte cada vez mais crescente da cultura americana, com canções como White Rabbit, que foi lançada um ano antes de Yellow Submarine, pela banda de rock psicodélico Jefferson Airplane. Foi neste momento, quando a cultura das drogas começava a ficar cada vez mais crescentes, que as pessoas começaram à associar Alice no País das Maravilhas à elas, com diversas teorias de que Lewis Carroll escreveu o livro sob a influência de ópio, o que nunca foi comprovado — no entanto, se sabe que Carroll sofria severas dores de cabeça por sua vida, e combatia elas tomando altas doses de remédios para a tosse, se isso o influenciou a escrever Alice, nós não temos como saber.

Assim, com o crescimento de popularidade do livro de Carroll, o filme da Disney também começou a crescer com o público, e exibições do filme começaram a passar em faculdades durante os anos 60 e 70. No entanto, e isso é o meu pedaço da história da Disney favorito, a companhia ficou dividida entre relançar seu filme nos cinemas ou não, porque ela é uma empresa familiar e “de respeito” e não queria ficar associada aos hippies e às drogas, mas acabou cedendo às pressões e em 1974 relançou seu filme nos cinemas com um pôster particularmente psicodélico que vocês veem abaixo. A Disney essencialmente foi influenciada pelos hippies que usavam LSD a redistribuir Alice no País das Maravilhas para os cinemas, o quão fantástico é isso?

E esse foi um novo começo para Alice no País das Maravilhas. Com sua nova distribuição, vieram novas críticas, e o filme recebeu, finalmente, a aclamação que tanto merecia. Sim, talvez ele não seja uma adaptação literal dos livros de Lewis Carroll, mas uma adaptação é exatamente o que o nome diz ser: ela adapta um material de um determinado meio para outro, compreendendo que são veículos diferentes, e algo que funciona em um livro não necessariamente funcionará em um filme. Sendo assim, Alice, hoje, é justamente considerada uma das melhores adaptações das obras de Carroll para as telas de cinema, se mantendo fiel ao espírito e à essência de sua obra e escrita, e não é à toa que é a mais famosa entre elas, introduzindo milhares de pessoas para o mundo de Lewis e os impulsionando para lerem os livros originais de Alice e cia. Alice no País das Maravilhas foi de decepção crítica, para um filme de nicho, para uma das obras mais famosas e reconhecidas da Disney, com seus personagens sendo imortalizados pela cultura e imaginário popular.

No fim, ele termina como um filme extremamente refrescante e envolvente. É uma das obras mais singulares que o estúdio já nos entregou, fugindo da fórmula que acomete muito de seus filmes, e até hoje soa como algo extremamente peculiar e inusitado vindo da casa do Mickey. De todos os filmes da Disney que encantaram e marcaram gerações por todo o globo, Alice no País das Maravilhas é um dos mais estranhos, e por isso é tão especial. Não há absolutamente nada de errado com esta obra — tirando o fato de ter inspirado o filme do Tim Burton.

Amanhã: Peter Pan (1953)

Amanhã: Peter Pan (1953)

O que conta a história de Alice no País das Maravilhas?

O livro conta a história de Alice, uma menina curiosa que segue um Coelho Branco de colete e relógio, mergulhando sem pensar na sua toca. A protagonista é projetada para um novo mundo, repleto de animais e objetos antropomórficos, que falam e se comportam como seres humanos.

Qual Alice assistir primeiro?

Após pré-estreia nos cinemas na quarta-feira, 25 de maio, “Alice Através do Espelho”, dirigido por James Bobin, e sequência de “Alice no País das Maravilhas” (2010), de Tim Burton, filme entrou em cartaz oficialmente na quinta-feira, dia 26, feriado de Corpus Christi.

Em que século se passa Alice no País das Maravilhas?

O livro Alice no País das Maravilhas (1865) foi escrito não somente para o entretenimento das crianças, mas também para expor a real situação da sociedade durante a época do reinado da rainha Vitória, na Inglaterra.

Em que ano foi gravado o filme Alice no País das Maravilhas?

Alice in Wonderland (bra/prt: Alice no País das Maravilhas) é um filme de animação estadunidense de 1951, dos gêneros musical, fantasia e aventura, dirigido por Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske, com roteiro baseado nos romances Alice no País das Maravilhas (1865) e Through the Looking-Glass (1871), de ...