O aquecimento do planeta ameaça as espécies das Galápagos que inspiraram a teoria da selecção natural de Darwin. Show O aquecimento do planeta ameaça as espécies das Galápagos que inspiraram a teoria da selecção natural de Darwin. Texto Christopher Solomon Fotografia Thomas P. Peschak
Duas iguanas marinhas não parecem importar-se com uma parente sua mumificada, provavelmente morta de fome, na ilha Fernandina. Endémicos das Galápagos, estes lagartos alimentam-se de algas junto da costa. Os machos de maior porte mergulham no oceano. As algas que as iguanas consomem morrem em águas quentes, tornando os “demónios da escuridão” de Darwin susceptíveis às alterações climáticas. Jon Witman verifica o manómetro, ajusta as barbatanas e deixa-se cair para trás, mergulhando no oceano Pacífico. Ali
perto, o mar projecta-se contra a ilha Beagle, um entre centenas de rochedos, pináculos e ilhéus que compõem o arquipélago das Galápagos, uma província do Equador que atravessa a linha com o mesmo nome. Travado nos seus avanços, o mar recua, desfraldando uma bandeira branca de espuma.
De repente, Jon vem à superfície. “Está a começar”, diz, com uma careta. Um tubarão-martelo-recortado nada junto de um cardume de plombetas, espécie endémica das ilhas do Pacífico Oriental tropical. Flutuações na temperatura da água promovem o crescimento de cracas nas rochas e facilitam o aparecimento de infecções na pele, visíveis nas manchas brancas neste tubarão. As Galápagos são uma extensão de 13 grandes ilhas que existem tanto nos mitos como nos mapas, um paraíso repleto de tentilhões onde Darwin chegou em 1835 e fez observações que acabariam por revelar-lhe (e a nós) a maneira como a vida evolui na Terra. A sua Origem das Espécies viria a figurar em “quase todas as componentes do sistema de crenças do homem contemporâneo”, escreveu o especialista em biologia evolutiva Ernst Mayr. Depois de caçar, um patola regressa ao ninho, junto de uma figueira-da-índia na ilha Wolf. Os cientistas estudam as aves noutros pontos das ilhas de modo a avaliar como as alterações a longo prazo na sua dieta podem prejudicar a reprodução e reduzir as populações. Antes de serem Galápagos, chamavam-se Las Encantadas, ilhas semelhantes a
protuberâncias cobertas por espuma, correntes de lava e animais estranhos. “Nunca pertenceram a homens nem a lobos”, escreveu Herman Melville. “O som da vida que aqui mais se ouve é o assobio.”
Há outras mudanças em curso neste instante e não apenas do tipo evolutivo. Poucos locais à face da Terra
proporcionam aos cientistas lugares privilegiados para observação de ecossistemas abalados de maneira tão drástica, por vezes repetidamente, num período de tempo tão curto. Os tubarões-luzidios, as duas formas pálidas visíveis na imagem, são maiores do que os seres humanos, mas parecem anões comparados com um tubarão-baleia enquanto se esfregam nele para remover parasitas da sua pele. A ilha Darwin é um dos poucos locais onde os tubarões-baleia adultos, frequentemente fêmeas prenhes, aparecem sazonalmente com regularidade. Os modelos projectam igualmente que o oceano junto do Equador aquecerá ligeiramente mais depressa do que o resto do Pacífico tropical, segundo Andrew Wittenberg, especialista em ciência física da Agência Nacional dos Oceanos e da Atmosfera dos EUA. Prevê-se uma subida dos níveis do mar de 55 a 76 centímetros até 2100, segundo algumas previsões. Os cientistas entendem também que o aquecimento das águas durante a estação fria poderá reduzir o garúa, o denso nevoeiro que cobre as terras altas cobertas por floresta das Galápagos há cerca de 48 mil anos. Isso seria catastrófico para as formas de vida que dependem da humidade do nevoeiro. Além disso, à medida que os oceanos continuam a absorver o dióxido de carbono produzido pelos seres humanos, as Galápagos serão um local particularmente afectado pela acidificação dos oceanos, que pode dissolver os esqueletos de carbonato de corais e moluscos, afectando possivelmente a cadeia alimentar do oceano. A mensagem das Galápagos - As ilhas que ajudaram a desvendar os segredos da evolução podem vir a enfrentar episódios de El Niño intensos com maior frequência à medida que o clima mudar. O aumento das temperaturas e da pluviosidade, acompanhado pela subida do nível do mar, criaria novas pressões. Conseguirão as espécies adaptar-se? Gráfico Matthew W. Chwastyk, Ryan T. Williams. Manyun Zou. Arte: Matthew Twombly. Fontes: Fundação Charles Darwin; Mandy Trueman, Universidade Charles Darwin, Austrália. Em relação ao mapa, identifiquem-se, no slideshow, os ecossistemas em condições normais: Entretanto, Jon Witman e a sua equipa esperam que o branqueamento dos corais a que têm assistido em redor das ilhas se intensifique devido à elevada temperatura da água provocada pelos El Niños. Com o desaparecimento de alguns habitats, os peixes e outros organismos marinhos que dependem dos corais ficam com menos abrigo e fontes de alimentação. Um ecossistema rico empobrece e não resiste tão bem aos choques climáticos, incluindo choques adicionais provocados pelas alterações de clima. Para agravar a situação, as ilhas estão sob pressão de uma demografia crescente – cerca de 25 mil residentes e uma multidão de cerca de 220 mil turistas por ano. Neste slideshow, os exemplos de alterações em anos de El Niños intensos: Até agora, os animais e as plantas das Galápagos têm sobrevivido a este equilíbrio precário, mas as agressões talvez estejam a acontecer com demasiada
rapidez e a partir de demasiadas frentes para que lhes seja possível adaptarem-se. Os tubarões-luzidios, as duas formas pálidas visíveis na imagem, são maiores do que os seres humanos, mas parecem anões comparados com um tubarão-baleia enquanto se esfregam nele para remover parasitas da sua pele. A ilha Darwin é um dos poucos locais onde os tubarões-baleia adultos, frequentemente fêmeas prenhes, aparecem sazonalmente com regularidade. Nos últimos 18 anos, Jon visitou consistentemente uma dúzia de locais, uma vez a cada dois anos, para estudar as interacções entre comunidades que habitam o leito marinho e as redondezas – esponjas, corais, cracas, peixes. As Galápagos possuem dos sistemas marinhos tropicais mais saudáveis do mundo. “É como uma mata em terra firme”, diz. Em vez de aves, os corais acolhem caranguejos e búzios simbióticos, bem como peixes.
As Galápagos são particularmente singulares e diversificadas. O motivo é simples: as ilhas são banhadas por quatro das principais correntes oceânicas, com temperaturas variáveis. A fria e profunda contracorrente equatorial, que percorre cerca de 13 mil quilómetros no Pacífico, atinge as ilhas, sobe e gira em seu redor, trazendo à superfície nutrientes que fertilizam o fitoplâncton. Por sua vez, este alimenta a restante cadeia alimentar marinha. Tudo se baseia nesta correia transportadora. Caranguejos-fidalgo agarram-se a um rochedo banhado pela maré na produtiva zona intertidal da ilha Fernandina. Conhecidos em inglês como sally lightfoot devido à sua agilidade (deslocam-se velozmente para a frente, para trás e de lado), estes caranguejos têm uma dieta diversificada, mantendo a costa limpa de detritos orgânicos. Não se sabe como a subida do nível dos mares afectará estes omnívoros. Nos El Niños, os ventos alísios abrandam, o que enfraquece a subida da água fria e dos nutrientes provenientes das profundezas. A massa de água quente do
Pacífico Ocidental expande--se na direcção das Galápagos. A correia transportadora pára praticamente de funcionar. A mesa cheia de iguarias deixa de estar disponível. A vida marinha sofre dramaticamente. Algumas criaturas podem deixar de se reproduzir. Algumas até morrem de fome.
La Niña vira tudo ao contrário. A vida marinha prospera enquanto a vida terrestre apodrece. Jon Witman compara o ciclo natural e consecutivo com uma montanha-russa: privação; recuperação; abundância; repetição. No decorrer
das suas observações, as Galápagos sofreram três grandes episódios de El Niño. Em 2016, as águas quentes provocaram uma redução na quantidade das algas que as iguanas marinhas de maior porte consomem no mar.
Entretanto, salemas e peixes-boquinhas, em tempos consumidores abundantes de plâncton, “tornaram-se invulgarmente escassos durante este intenso El Niño”, diz Robert Lamb. A cadeia alimentar das Galápagos já está a ser transformada por um conjunto de factores, a ponto de alguns animais terem dificuldade em adaptar-se. A população de patolas-de-pés-azuis do arquipélago diminuiu para cerca de metade desde 1997. Os cientistas acreditam que as sardinhas das Galápagos começaram a rarear nas dietas de vários predadores na mesma altura. Os patolas passaram a comer principalmente peixes voadores, mais difíceis de capturar e menos nutritivos. É como passar de uma dieta à base de bife abundante para rações de combate, diz o docente universitário Dave Anderson. Os patolas-de-pés-azuis não costumam criar juvenis quando não se alimentam correctamente. Pequenos grupos de leões-marinhos endémicos das Galápagos na costa oriental da ilha Isabela caçam atum-albacora, abundante no local, conduzindo os peixes até baías e atirando-os contra as rochas ou matando-os com uma dentada na cabeça. Prevê-se que o número de leões-marinhos diminua com as alterações climáticas. Poderá a perda da diversidade das espécies conduzir a uma espiral ecológica negativa?
“Com menos espécies, teremos menos capacidade de adaptação às ameaças”, resume Jon Witman.
Mais abaixo, junto das terras áridas, Fredy desvia-se do trilho, levanta uma grelha de arame rijo do solo e começa a escavar. Vinte e cinco centímetros abaixo, toca numa bola de bilhar enterrada. “Há aqui um ovo estragado”, diz em espanhol. Escava meticulosamente o ninho. Uma barricada de protecção de arame contra predadores não foi suficiente para salvar
estes ovos. “Seis dos oito estão partidos”, diz Fredy, que colabora como investigador no Programa Ecológico Movimento das Tartarugas das Galápagos. “Não é invulgar, tendo em conta as chuvas.” Em Janeiro de 2016, pouco depois de começar o El Niño, chuvas fortes atingiram o arquipélago e alagaram esta área da floresta, apodrecendo e partindo muitos ovos. Alguns tentilhões de Darwin foram dispostos em redor de um sortido de sementes locais no Posto de Investigação Charles Darwin. Os extremos climáticos são habituais nas Galápagos. O tamanho, largura e formato dos bicos das aves que aqui prosperam adaptaram-se de modo a aproveitar as sementes disponíveis para consumo. Se não conseguirmos aliviar a pressão exercida sobre a fauna e a flora das Galápagos, o patola-de-pés-azuis que pôs aquele ovo poderá morrer: prevê-se que os sete animais que os turistas consideram mais importantes observar na sua visita – tartarugas-gigantes, tartarugas marinhas, iguanas marinhas e terrestres, pinguins, patolas-de-pés-azuis e leões-marinhos – entrem em declínio devido às alterações climáticas, segundo uma avaliação sobre a vulnerabilidade efectuada pelas organizações Conservation International e WWF.
Noutra manhã quente nas terras altas, cerca de seiscentos metros acima do nível do mar, Heinke Jäger acompanha um grupo de turistas que se dirige a um bosque. Ao olhar dos turistas nada parece faltar. Heinke, porém, repara em inúmeras feridas. Trata-se de uma ecologista da Fundação Charles Darwin, especializada em restauro, e que supervisiona as espécies
invasoras de fauna e flora terrestres. Desde a descoberta das ilhas, em 1535, várias espécies exóticas foram para aqui trazidas – algumas intencionalmente, como cabras, porcos, gatos e plantas alimentares e ornamentais, para mencionar apenas algumas. Outras, como roedores, insectos e ervas daninhas, foram introduzidas acidentalmente. Algumas, como as silvas, tornaram-se invasoras.
Guia turística amigável, embora
abordando um tema sério, Heinke aponta para as Cinchona pubescens, ou as árvores da quina, uma das cem espécies mais invasivas do mundo. Na zona mais alta de Santa Cruz, a Cinchona ensombra e reduz a presença de plantas nativas, alterando a estrutura da comunidade e causando danos a aves endémicas como o painho das Galápagos, uma ave marinha com o hábito invulgar de escavar tocas com quase dois metros de profundidade para nidificar.
Se o futuro for efectivamente mais húmido, toda a vegetação poderá ser beneficiada, “mas é provável que as espécies invasoras se disseminem”, resume Heinke, lembrando que estas são mais flexíveis do que as espécies altamente especializadas que sobrevivem nas Galápagos. Na ilha Wolf, os tentilhões têm mais dificuldade em conseguir uma refeição do que outras aves terrestres. Para sobreviverem quando as rações já de si escassas de sementes e insectos desaparecem completamente, alguns tentilhões tornam-se… vampiros: bicam as penas das patolas junto à base e bebem-lhes o sangue. Os famosos tentilhões das Galápagos, conhecidos como tentilhões de Darwin – existem 18 espécies reconhecidas (há estudos genéticos em curso e é provável que se identifiquem novas espécies) – ocupam um lugar valioso, embora erróneo, na imaginação popular como peça decisiva dos conhecimentos de Darwin sobre a evolução. Na verdade, Darwin não tomou nota das ilhas onde recolheu tentilhões e só se apercebeu da sua falha ao regressar a casa, em Shrewsbury
(Inglaterra).
A presença de larvas deste insecto nos ninhos aumenta nos anos de chuvas intensas segundo um estudo, o que pode sugerir mais problemas no futuro. Outro estudo recente concluiu que as chuvas intensas resultavam num decréscimo na sobrevivência dos pintos. Actualmente, restam menos de vinte casais reprodutores de tentilhão--dos-mangues
Em poucos minutos, há três pintos à borda do prato da comida, conversando de boca cheia. Nas seis semanas seguintes, a equipa de Francesca continuará a libertá-los gradualmente e a realizar outras investigações. Se não tivessem recolhido e alimentado os primeiros pintos e ovos da estação, as aves teriam provavelmente morrido e o projecto
estagnaria. Numa cena que poderia decorrer há dez mil anos, tartarugas-gigantes descansam numa poça de lama na cratera do vulcão Alcedo, na ilha Isabela. A temperatura da areia durante a incubação dos ovos determina o género destes répteis. A previsão de temperaturas mais quentes pode significar areia mais quente e um número mais elevado de fêmeas. Francesca continua preocupada. “Qualquer alteração ou aumento no nível do mar poderá potencialmente destruir esta floresta”, afirma. O tentilhão-dos-mangues prefere nidificar em mangues pretos e brancos ligeiramente protegidos do mar
aberto. Não sabemos ao certo como se adaptaria se estas florestas desaparecessem. Como Darwin interpretou a diversidade de bicos dos tentilhões da Galápagos?No arquipélago, Darwin observou pássaros com formatos de bico diferentes, que depois descobriu serem todos tentilhões. Olhando com atenção, notou que cada formato de bico ajudava em uma forma de alimentação: bicos largos e robustos para comer sementes duras, aqueles mais afilados para insetos e larvas…
Qual a relação entre Darwin e os tentilhões das ilhas Galápagos?Durante a sua expedição pelas ilhas, Darwin notou que diferentes tipos de tentilhões tinham bicos de tamanhos e formatos variados, adaptados a diferentes tipos de alimentação nos diferentes nichos ecológicos que ocupavam nas ilhas Galápagos.
Por que Darwin usou tentilhões para explicar a teoria da evolução?Esse grupo de espécies ficou conhecido como “Tentilhões de Darwin”. Em suas observações, Darwin viu que variação e seleção produziram adaptações não só na estrutura dos pés, mas também na forma e no tamanho dos bicos. Observou também que as sementes eram a principal dieta dos tentilhões que viviam no solo.
O que Darwin concluiu em relação a algumas espécies de aves encontradas em Galápagos?Darwin descobriu que espécies similares de tentilhões, mas não idênticas, habitavam ilhas próximas a Galápagos . Além disso, ele percebeu que cada espécie de tentilhão estava bem adaptada para seu ambiente e sua função.
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