Exceção do contrato não cumprido art 476 CC

Lei 10406 / 2002

Código Civil (CC)


SITUAÇÃO

Não consta revogação expressa VIGENTE

DATA

10/01/2002

EMENTA

INSTITUI O CÓDIGO CIVIL.

REFERENDA

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - MJ

ASSUNTO

CÓDIGO CIVIL. CÓDIGO CIVIL (2002), CIVIL

CLASSIFICAÇÃO

DIREITO CIVIL

OBSERVAÇÕES

ESTE CÓDIGO ENTRARÁ EM VIGOR UM ANO APÓS A SUA PUBLICAÇÃO, FICANDO REVOGADA A LEI 3.071, DE 01/01/1916, QUE INSTITUI O CÓDIGO CIVIL E A PARTE PRIMEIRA DO CÓDIGO COMERCIAL INSTITUÍDO PELA LEI DO IMPÉRIO - LIM 556, DE 25/06/1850.

CHEFE DE GOVERNO

Fernando Henrique Cardoso


Publicistas

Possibilidade ante a inadimplência do concedente, desde que a concessionária assegure a continuidade do serviço

Exceção do contrato não cumprido art 476 CC
Crédito: Unsplash

Numa relação contratual, o que acontece se uma das partes não cumprir a obrigação contratualmente assumida? A outra está liberada do cumprimento da respectiva contraprestação. É o que dispõe o art. 476 do Código Civil (“nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”). E […]

Da constitucionalização do instituto da

exceção do contrato não cumprido no direito de família

Raphael Maia Rangel

Professor da Faceli, Mestre e Doutorando em Direito pela UERJ e Defensor Público do Estado - ES

Resumo

O instituto civilista exceção do contrato não cumprido possui larga aplicação nos contratos bilaterais, mecanismo de defesa da boa-fé contratual que visa proteger os contratantes através da suspensão do cumprimento de uma prestação quando a contraprestação não é realizada. Bem difundido no direito contratual este instituto não é admitido e sequer ventilado junto ao direito de família. Entretanto com a constitucionalização do direito de família houve uma revolução dos seus princípios e isso possibilitou esta construção que visa aplicar o instituto da exceção do contrato não cumprido junto às relações familiares, em especial a correlação do dever de pagar alimentos com o direito de visitação dos filhos.  

Palavras Chave: Exceção Contrato Não Cumprido Direito Família

Abstract

The civilist institute, exception unfulfilled contract, has wide application in bilateral contracts, a mechanism of defense of good faith in the contract that aims to protect the contractors through the possible suspension of the performance of a benefit when the consideration is not made. Widespread in contract law this institute is not admitted and not even ventilated with family law. However, with the constitutionalization of family law, there was a revolution in its principles and thus enabled this construction that aims to apply institute exceptio non adimpleti contractus in family relationships, especially the correlation of the duty to pay food with the right of visitation of children

Keywords: Exception Unfulfilled Contract Family Law 

Introdução

            O instituto da exceção do contrato não cumprido ou inexecução contratual está positivado no artigo 476 do Código Civil. Este instituto basicamente dispõe que nos contratos bilaterais os contratantes não podem exigir o cumprimento da obrigação da contraparte antes de implementarem a sua obrigação[1].

Para a maioria dos juristas trata-se de um mecanismo de defesa da boa-fé que faz com que um contratante não possa reclamar a execução do que lhe é devido pelo outro contratante sem antes pagar o que deve[2].

            Ou seja, em uma contratação bilateral uma parte só pode exigir que a contraparte cumpra a obrigação dele se ele cumpriu a sua.

            Apesar de ser bem difundido no direito contratual esse instituto não é aplicado no direito de família, sob o argumento de que as relações familiares possuem peculiaridades diversas de um simples contrato bilateral.

Sem discutir a argumentação acima, isto é, de que as relações familiares possuem características que as diferem das obrigações contratuais este ensaio buscará demonstram que com a constitucionalização do direito de família isso se tornou possível.

Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 o direito de família sofreu uma releitura dos seus principais institutos e em razão dessa releitura o direito de família começou a ser observado através de outra ótica pela nossa sociedade.

Nesse sentido se tornou possível à aplicação do instituto da exceção do contrato não cumprido nas relações familiares, em especial na análise conjunta da obrigação de pagar alimentos com o seu direito de visitação.

Tenhamos como exemplo um pai que é condenado judicialmente a pagar mensalmente alimentos para o seu filho. Entretanto ele voluntariamente deixa de honrar essa obrigação. De acordo com o ordenamento jurídico nacional esse pai poderá ter como pena por ter deixado de honrar a obrigação de alimentos ao seu filho o protesto do pronunciamento judicial, a inclusão do seu nome em cadastros de inadimplentes, a penhora dos seus bens, a condenação em honorários advocatícios da cobrança judicial e até a prisão cível[3].

Contudo, o devedor voluntário de alimentos não poderá ser condenado a deixar de exercer o direito de visitação ao seu filho.

Sobre esse delicado tema que este ensaio irá se debruçar, a fim de pavimentar um caminho que demonstre a viabilidade de fazer a conexão entre a obrigação de pagar alimentos com o direito de visitação.

É claro que este ensaio não tem a intenção de esgotar o tema, tampouco de apresentar um posicionamento enfático sobre este assunto. Entretanto, se busca contribuir para que exista mais uma “penalidade” ao devedor de alimentos que voluntariamente descumpre esta obrigação.

Da constitucionalização do Direito de Família

No período anterior a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 existia um entendimento consolidado que o centro do ordenamento jurídico nacional não era a Constituição Federal então em vigor, mas sim do Código Civil de 1916[4]. 

O Código de Beviláqua, como ficou conhecido o Código Civil de 1916, foi elaborado com forte influência dos ideais da revolução francesa e por isso possuía uma concepção individual de cunho liberal. Assim, esta concepção ecoou sobre o direito de família fazendo com que suas principais bandeiras reverberassem uma visão machista e patriarcal de seus institutos.

Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 ocorreu uma revolução desses conceitos, primeiramente porque o centro do ordenamento jurídico deixou de ser o Código Civil de 1916 e passou a ser a Constituição Federal de 1988, posteriormente porque houve uma forte efetividade das normas constitucionais[5].

 Barroso, que na época era advogado e procurador do estado do Rio de Janeiro, foi um dos pioneiros a defender que a efetividade das normas constitucionais iria acarretar uma grande releitura dos principais institutos do nosso ordenamento jurídico[6].   

Essa releitura ocorreu muito em razão da Constituição Federal de 1988 ter sido idealizada com um viés igualitário e coletivo, ou seja, algo totalmente diferente do viés que ecoava do Código de Beviláqua.

Inspirada na chegada do Estado Social e Democrático de Direito, a Constituição de 88 agregou novos valores ao nosso ordenamento jurídico, como os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da cidadania[7].

Além disso, positivou implícita ou explicitamente princípios específicos ao direito de família, como o princípio da liberdade do planejamento familiar, da igualdade e do respeito à diferença, da solidariedade familiar, do pluralismo das relações familiares, da proibição do retrocesso social, da afetividade e da paternidade responsável[8].

Esses princípios fundamentais positivados na Constituição Federal de 1988, assim como os princípios específicos aplicados ao direito de família fizeram com que houvesse uma revolução no campo do direito de família através da criação de uma nova compreensão da finalidade e dos objetivos desse direito.

Do tripé dignidade humana, igualdade e solidariedade familiar

Este ensaio se utiliza da análise conjunta dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade familiar e da solidariedade familiar para construir uma linha de argumentação que viabilize a aplicação do instituto da exceção do contrato não comprido junto ao direito de família.

Positivado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 o princípio da dignidade da pessoa humana é considerado como o mais importante e fundamental princípio do nosso ordenamento jurídico[9].

            Ele também foi positivado no § 7º do artigo 226 da Constituição Federal, fato que atrelou este princípio de forma direta e específica aos institutos do direito de família[10].

            A dignidade humana é basilar para o direito de família, pois toda e qualquer transformação social que reverbere para o direito de família deve ser analisada sob sua ótica, ou seja, a análise a ser construída deve levar em consideração que o Estado não tem apenas o dever de abandonar qualquer prática que venha a colidir com a dignidade da pessoa humana, mas também tem a obrigação de impulsionar essa dignidade, a fim de que ela venha a ecoar para toda a sociedade.

            Caminhando sob esta compreensão é razoável construir o entendimento de que o devedor de alimentos que voluntariamente não honra com sua obrigação viola o principio da dignidade da pessoa humana e por isso merece ser punido.

            A punição como disposta acima é largamente aceita e inclui diversas sanções como a inclusão do nome do devedor no cadastro de inadimplentes até a prisão civil. Entretanto, o entendimento atual da doutrina e da jurisprudência desvincula o direito de visitação da obrigação de pagar alimentos[11].

Quanto a este entendimento esse ensaio entende de forma diversa, pois não existe razão para essa desvinculação. Grande parte da doutrina defende que o direito de visitação é um direito da prole e por isso não pode ser afetado. Entretanto essa justificativa é falha, pois caso o devedor de alimentos seja preso civilmente por não pagar alimentos ele necessariamente deixará de exercer o direito de visitação normal à prole por motivos óbvios. Logo se o ordenamento jurídico admitiu a prisão cível para o devedor de alimentos, que atualmente é a única permitida em nossa legislação, não existe razão para não mitigar o direito de visitação em situações semelhantes.

            Com relação aos princípios específicos positivados implícita ou explicitamente pela Constituição Federal de 1988 no direito de família é imperioso fazer essa digressão em conjunto com o advento do Código Civil de 2002.

            Como já foi exposto, o Código Civil de 1916 foi considerado pela doutrina como o centro do ordenamento jurídico nacional até a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 e tinha como especificidades um viés individual de cunho liberal, porém com a entrada em vigor da atual carta magna esses valores foram modificados e isso teve efeito direito na elaboração do Código Civil de 2002.

            Assim, o Código Civil de 2002 já nasceu inspirado pelos novos ditames da nossa atual carta política e por esta razão que a análise dos princípios específicos do direito de família deve ser feita em conjunto com o Código Civil de 2002.

            A Constituição Federal positivou de forma explícita que é vedado que qualquer dos cônjuges tenha, previamente, um tratamento mais favorecido do que o outro, ou seja, que não se estabeleça nenhuma forma de vantagem de uns sobre outros, salvo com a finalidade de prevalecer à igualdade material[12].

Assim, é forçoso que ocorra a igualdade na própria lei, não sendo satisfatório que a mesma seja aplicada igualmente a todos, mas que esteja dentro de um contexto de proteção social com intuito de se estender a todos, uma vez que ligada à ideia de justiça.

O tratamento dado para o homem e para a mulher pelo direito vem se aproximando e é nesse cenário que conseguimos visualizar como este princípio constitucional conseguiu ecoar para o Direito de Família, a fim de que homem e a mulher sejam tratados de maneira isonômica e sem preconcepções odiosas.    

Ou seja, deve ser reconhecida as diferenças de cada gênero sem arrogar uma altivez que comprometa a sua identidade, a fim de não favoreça a prevalência de um gênero sobre o outro, salvo quanto a características peculiares a cada um deles.

            Desta forma, esta igualdade, que é crescente nas relações familiares, também servirá de pano de fundo para a efetividade do que sustenta esse ensaio. Ou seja, o devedor de alimentos que deixa voluntariamente de honrar sua obrigação alimentar, mas que exerce o direito de visitação a prole ele viola diretamente o princípio da igualdade nas relações familiares.

            Não há como negar que a regra é que a guarda da prole seja conferida a genitora e o genitor seja obrigado a efetuar o pagamento da obrigação alimentícia e exercer o direito de visitação. Logo, quando o genitor e devedor de alimentos deixa voluntariamente de exercer sua obrigação ele está afetando a igualdade na relação familiar, pois mesmo inadimplente ele manterá seu direito de visitação à prole.

            A genitora será altamente prejudicada, pois terá que custear sozinha as despesas com a prole, no período que o devedor está inadimplente, mas mesmo assim terá que permitir o direito de visitação do inadimplente, o que na visão deste ensaio viola diretamente o princípio da igualdade das relações familiares.

            Deve ser destacado que antes da constituição de 1988 as relações familiares eram conduzidas por um viés machista e patriarcal, mas com a entrada em vigor da nossa atual carta magna e com a efetividade de suas normas o princípio da igualdade nas relações familiares floresceu. Logo, o entendimento atual ainda reflete valores anteriores à constituição de 88 e assim possui um viés ultrapassado por não atrelar a obrigação de prestar alimentos com o direito de visitação, nesse sentido esse tema merece ser revisitado pela doutrina e reformado pela jurisprudência e pelo legislador.

            Por fim, com intuito de encerrar o tripé da constitucionalização das relações de família que darão sustentação a aplicação do instituto da exceção do contrato não cumprido no direito de família foi positivada pela atual constituição o princípio da solidariedade familiar. Positivado no seu artigo 229, este princípio determinou o dever dos pais em assistir, criar e educar seus filhos menores, assim como prescreveu que os filhos maiores possuem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade[13].

            Assim, essa responsabilidade mútua, dependendo do caso concreto, é uma inovação da Constituição Federal e mais uma vez enfatiza a igualdade entre as partes nas relações familiares. 

            Deve ser destacado que este princípio possui como finalidade a superação do individualismo jurídico para o coletivismo estabelecido, ou seja, que a forma de viver e de pensar em sociedade não seja enraizada apenas em interesses individuais, mas sim predominantemente em uma análise coletiva.

            A evolução desses direitos está intimamente relacionada ao desenvolvimento da concepção dos direitos humanos, isto é, de uma análise pautada em direitos puramente individuais para uma reflexão elaborada sob o viés de direitos sociais, ou seja, do desenvolvimento dos direitos humanos de primeira dimensão para a afirmação dos direitos humanos de terceira dimensão[14].

A positivação deste princípio efetivou uma visão coletiva das relações familiares e assim ajudou a agregar valor ao presente ensaio, pois as obrigações e os direitos familiares devem ser analisados conjuntamente para se obter uma relação mais justa, completa e solidária.

            Desta forma, ao compreender o alcance dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da solidariedade nas relações familiares este ensaio entende viável aplicar o instituto da exceção do contrato não cumprido junto às suas relações, em especial, na correlação entre a obrigação de pagar alimentos com o direito de exercer a visitação da prole.   

Do instituto da exceção do contrato não cumprido

Para Monteiro o instituto da exceptio non adimpleti contractus autoriza o contratante prejudicado a suspender o cumprimento da sua prestação até que a outra parte realize a contraprestação, fazendo com que esse instituto seja um poderoso recurso a serviço dos contratantes[15].

No direito contratual este instituto é bastante difundido e não gera grandes controvérsias.

Normalmente, a exceptio non adimpleti contractus corresponde a um mecanismo de defesa, a favor do contratante honesto, que age de boa-fé na busca da realização do fim que visou ao assinar aquele determinado contrato.

Ou seja, o contratante que atua de acordo com o pactuado possui um mecanismo de defesa para se proteger do mal pagador que não honra com suas obrigações.

Exatamente desse modo que este instituto deve ser utilizado no direito de família, ou seja, o devedor de alimentos que deixa de efetivar sua obrigação atua como um mal contratante e dessa forma o credor de alimentos poderá se utilizar desse mecanismo para se proteger desse inadimplemento.

Logo, juntamente com todas as penalidades que o ordenamento jurídico aplica ao devedor de alimentos deverá ser acrescentada a mitigação do direito de visitas no período da inadimplência.

Ademais, não merecer prosperar a provável alegação da doutrina de que ao mitigar o direito de visitação como punição a inadimplência dos alimentos a prole estará sendo punida, uma vez que essa punição já existe de forma indireta através da prisão cível do devedor.

O direito de visitação visa principalmente a proteção da prole para que tenha convívio com seus pais entretanto, caso o devedor de alimentos deixe de pagar a pensão alimentícia ele poderá ser preso e consequentemente deixará de ter, naquele período, o convívio com a prole.

Dessa forma, se o ordenamento jurídico permite que o devedor de alimentos seja preso, que em tese é ó último ratio, não existe razão para não mitigar o direito de visitação do seu filho, que certamente é uma penalidade mais branda.

             Cabe ressaltar que nos contratos bilaterais existe a possibilidade do contratante renunciar ao instituto da exceção do contrato não cumprido, isto é, o contratante abrir mão desse direito de defesa. Essa renúncia é conhecida na doutrina como cláusula solve et repete.

A cláusula solve et repete basicamente significa pague e depois reclame. Logo ao aderir a esta cláusula o contratante está renunciando à defesa, nesse sentido ele poderá ser compelido a pagar sua obrigação independentemente do cumprimento da prestação da contraparte. Essa cláusula é comum na lei de licitações nos contratos administrativos, em que se tem as cláusulas de exorbitância que visam proteger a Administração Pública, e, por conseguinte, a coletividade.

Entretanto, a cláusula solve et repete é inaplicável nas relações familiares, ou seja, não poderá o credor de alimentos de antemão renunciar ao instituto da exceção do contrato não cumprido.

Dos alimentos

Apesar de não ser o cerne deste ensaio entendo adequado apresentar ao leitor as características principais dos alimentos para que seja possível fazer sua construção com o direito de visitação e assim pavimentar a aplicação do instituto da exceção do contrato não cumprido nas relações familiares.

  Alimentos são prestações periódicas que objetivam a satisfação das necessidades vitais de uma determinada pessoa que não possa prover-se. Abrange o necessário ao sustento, vestuário, habitação, assistência médica e educação.

É importante ressaltar que entre pais e filhos menores existe o dever de sustento decorrente do poder familiar.

A obrigação alimentar é um direito personalíssimo[16], incessível[17], impenhorável[18], incompensável[19], imprescritível, não transacionável, atual[20], não repetível e irrenunciável.

Dentre essas características destaco quatro (imprescritível, não transacionável, não repetível e irrenunciável) que ajudarão a demonstrar ao leitor a importância dos alimentos, a fim de que seja possível correlaciona-los com o direito de visitação.

O direito de postular em juízo o pagamento de alimentos é imprescritibilidade, entretanto, o direito de cobrar os alimentos vencidos prescreve em dois anos, conforme disposto no parágrafo 2º do artigo 206 do Código Civil. Deve ser ressaltado que a prescrição não corre contra os absolutamente incapazes (art. 198, I, CC). Assim, por exemplo, a prestação alimentar devida ao filho menor, mesmo vencida a mais de dois anos, não estará prescrita, pois só vai começar a correr quando ele fizer 16 anos e consequentemente deixar de ser absolutamente incapaz.   

Com relação à característica de ser não transacionável é porque a parte não poderá acordar em abrir mão dos alimentos. Entretanto, o valor das parcelas vencidas pode ser fruto de um acordo entre as partes.

Os alimentos são não repetíveis, pois são destinados a serem consumidos. Assim, uma vez pagos a qualquer título (provisórios, provisionais ou definitivos) não são restituíveis, justamente porque o alimentando já os consumiu.

            A irrenunciabilidade dos alimentos é um consectário lógico do direito à vida. Trata-se de uma forma de garantir o direito à vida. Dessa forma, é protegido com normas de ordem pública, que não podem ser renunciadas. Assim, o direito aos alimentos é irrenunciável. O art. 1707 admite que o credor não exerça o direito de pedir os alimentos, mas impossibilita a renúncia aos mesmos.

 A irrenunciabilidade é reforçada pela súmula 379 do STF que reza que “no acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais”[21].

            Desta forma, a análise dessas características reforça o entendimento de que os alimentos apesar de terem o cunho protetivo, na prática eles podem ser mitigados em certas situações, como na aplicação da prescrição aos maiores de 16 anos e na viabilidade de acordo entre as partes sobre prestações vencidas. Logo, a mitigação de direitos nas relações familiares já existe, assim estender esta mitigação ao direito de visitação, como defende este ensaio, não seria propriamente uma inovação das relações familiares.     

Da Visitação

O Código Civil dispõe que o cônjuge que não ficou com a guarda dos filhos tem o direito de visitas. Além disso, prescreve que o cônjuge que não tem a guarda fica obrigado a supervisionar os interesses dos filhos, podendo solicitar informações e prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos[22].

O Código Civil dispõe que o direito de visitas poderá ser restringido e até mesmo suspenso temporariamente se ficar provado que as visitas estão sendo prejudiciais aos filhos[23].

            Assim, o ordenamento jurídico nacional já prescreve mitigação do direito de visitas da prole, mas restringe a situações em que a visitação é prejudicial aos filhos.

Novamente é razoável concluir que o que se defende neste ensaio não foge tanto do que já está positivado e consolidado em nossa legislação. Isto porque, o devedor quando deixa de efetuar voluntariamente sua obrigação alimentícia prejudica diretamente sua prole, logo incluir a mitigação do direito de visitas ao devedor que voluntariamente deixou de adimplir com sua obrigação é apenas um ato interpretativo não necessitando sequer de mudança legislativa.

            Desta forma, seja por meio de interpretação extensiva da mitigação ao direito de visita, seja por meio de aplicação analógica das hipóteses de restrição a visitação é razoável defender que este direito pode ser mitigado em razão do não cumprimento voluntário da obrigação de alimentos.   

Da viável correlação entre a obrigação de pagar alimentos com o direito de visitação

            Na esteira da prática como operador de direito, atuando por mais de uma década junto a relações de família, é corriqueiro se deparar com credores de alimentos que procuram a justiça para cobrar a pensão alimentícia atrasada dos devedores da prole.

            Nessas situações os credores e guardiães da prole entendem como correto à proibição do devedor visitar a prole, uma vez que eles não estão cumprindo com a obrigação deles.

            Ou seja, é comum se deparar com a seguinte construção: Se ele não paga a pensão não terá o direito de visitar o filho. Será que esta construção está errada? Será que o pai que voluntariamente deixa de cumprir com sua obrigação perante seu filho mantém o direito de visitar seu filho?

            Os tradicionais e consagrados autores do direito de família entendem que a obrigação de pagar alimentos não possui correlação com o direito de visitação[24].

            Entretanto, ouso discordar do entendimento consolidado acima e afirmar que a obrigação de pagar alimentos possui correlação com o direito de visitação.

            Ora, um genitor que voluntariamente deixa de efetivar sua obrigação de alimentos ao seu filho de forma direta está demonstrando que não se importa com ele. Logo, o seu direito de visitação deve ser mitigado até que ele comprove que deixou de pagar os alimentos por imperiosa impossibilidade ou até o pagamento dos alimentos devidos.

            Logicamente por se tratar de um direito atual deve ser aplicado a essa correlação de forma análoga a súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça[25]. Assim, apenas a dívida alimentícia dos últimos 3 meses pode acarretar a mitigação do direito de visitação. Logo, a dívida antiga, isto é, a de mais de 3 meses não teria o condão de impedir ou limitar a visitação.

            Dessa forma o instituto da exceção do contrato não cumprido seria efetivado no direito de família, através da correlação entre a obrigação de pagar alimentos com o direito de exercer a visitação à prole. Logo, seriam considerados como prestações bilaterais em que o não cumprimento da primeira impediria ou restringiria o exercício do direito da segunda.

Conclusão

            Este breve ensaio navegou totalmente contra a maré, pois defende a aplicação de um instituto de direito contratual nas relações de família. Entretanto, a doutrina como mola propulsora do ordenamento jurídico tem o poder de caminhar sobre temas  pouco visitados e até esquecidos e assim lançar luz sobre construções improváveis.

            A ideia deste ensaio surgiu da rotineira situação vivenciada como operador jurídico em que o credor de alimentos se nega a permitir o direito de visitação do devedor voluntário de alimentos.

            Se essa correlação é tida como justa pelas pessoas da nossa sociedade, por que o direito não protege essa situação?

            Desse questionamento surgiu a intenção de escrever este artigo e pavimentar constitucionalmente uma resposta para essa possível correlação.

            A constitucionalização do direito de família permitiu que houvesse uma revolução dos conceitos e institutos das relações familiares e assim por esta razão é viável a aplicação do instituto da exceção do contrato não cumprido nas relações familiares.

O tripé principiológico da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da solidariedade que floresceu da Constituição de 88 e reformou a compressão do direito de família permitiu que as relações fossem mais igualitárias e justas e dessa forma pavimentou a viabilidade de se atrelar a obrigação de pagar alimentos com o direito de exercer a visitação da prole.

Bibliografia

BARROSO. Luiz Roberto. Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Editora Renovar. 8ª edição. 2006

_________. A efetividade das Normas Constitucionais Revisitada. Revista de Direito Administrativo. Jul/set 1994. Pág. 59.

BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. LEI Nº 11.340 de 7 de agosto de 2006.

CONGRESSO NACIONAL. SENADO FEDERAL https://www12.senado.leg.br/ril/ edicoes/51/204/ril_v51_n204_p269.pdf Acesso 19.11.18

MONTEIRO. Marina Stella de Barros. A causa dos contratos e a exceptio non adimpleti contractus. Revista dos Tribunais. Vol. 958. Agosto 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 70.

ZANETTI, Robson. Artigo: A Exceção do Contrato não Cumprido. Disponível em: < http://www.arcos.org.br/artigos/a-excecao-de-contrato-nao-cumprido/> Acesso: 14.08.2019

STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp 1178233/RJ, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, DJe 09/12/2014.

SITE AMBITO JURÍDICO Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br /site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9356. Acesso 20.08.2019

SITE JUS BRASIL. Disponível: <https://jus.com.br/artigos/60547/principios-constitucionais-da-familia>. Acesso 20.08.19

SITE DIREITO NET. Disponível <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir /5787/A-dignidade-da-pessoa-humana-como-princip io-absoluto> Acesso 19.08.19


[1] Código Civil. Art. 476. “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.

[3] Código de Processo Civil

[4] O Código Civil de 1916 tinha uma concepção individualista, representando os ideários do Estado Liberal.  Na época em que o Código Civil entrou em vigor, a Constituição ainda não ocupava papel central em nosso ordenamento jurídico, papel este ocupado na época pelo próprio Código Civil. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link= revista_artigos_leitura&artigo _id=9356. Acesso 20.08.2019

[5] BARROSO. Luiz Roberto. Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Editora Renovar. 8ª edição. 2006.

[6]  A efetividade dos preceitos da Constituição identifica a concretização dos direitos e garantias por eles assegurados. o desfrute real dos interesses e bens jurídicos tutelados.

BARROSO. Luiz Roberto. A efetividade das Normas Constitucionais Revisitada. Revista de Direito Administrativo. Jul/set 1994. Pág. 59.

[10] Art. 226 § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

[11] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2015.

[12] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2015

[13] Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

[14] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 70.

[15] Monteiro. Marina Stella de Barros. A causa dos contratos e a exceptio non adimpleti contractus. Revista dos Tribunais. Vol. 958. Agosto 2015.

[16] Característica principal entre alimentante e alimentado.

[17] Não pode ser alvo de cessão de crédito.

[18] Não pode ser objeto de penhora.

[19] Não pode ser compensável.

[20] Só é exigível no presente e futuro, mas não no passado.

[21] Há polêmica sobre a superação dessa Súmula, porém, no âmbito do STJ vêm prevalecendo entendimento diverso: “São irrenunciáveis os alimentos devidos na constância do vínculo familiar (art. 1.707 do CC/2002). Não obstante considere-se válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião de acordo de separação judicial ou de divórcio, nos termos da reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não pode ser admitida enquanto perdurar a união estável. (REsp 1178233/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2014, DJe 09/12/2014)”. O professor Márcio do Dizer o Direito entende que a Súmula 379 do STF encontra-se superada.

[22] Código Civil. Artigo 1583, § 5º.

[23] A lei 11.340/06 denominada Lei Maria da Penha prevê a suspensão do direito de visitas como medida protetiva de urgência.

[24] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2015.

[25] O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.

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O que diz o artigo 476 do Código Civil?

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

O que se entende pelo princípio da exceção do contrato não cumprido?

O instituto da exceção do contrato não cumprido ou inexecução contratual está positivado no artigo 476 do Código Civil. Este instituto basicamente dispõe que nos contratos bilaterais os contratantes não podem exigir o cumprimento da obrigação da contraparte antes de implementarem a sua obrigação[1].

Quanto à exceção de contrato não cumprido Pode

A exceção de contrato não cumprido não poderá ser argumento se houver renúncia, impossibilidade de prestação ou se o contrato dispuser da cláusula “solve et repete”, que nada mais é do que a cláusula que torne a exigibilidade da prestação imune a qualquer pretensão contrária ao devedor.

O que fazer quando um contrato não é cumprido?

A melhor forma de obrigar alguém a pagar uma dívida é pela ação de execução de título executivo extrajudicial. Para isso, o seu contrato precisa de: Cláusulas que definam claramente a obrigação de pagamento – preço, prazo, forma etc.; e. Assinaturas de duas testemunhas.