O que é o princípio da colaboração?

O que é o princípio da colaboração?

(Imagem: Arte Migalhas)

INTRODUÇÃO

A ideia de que o processo constitui uma "comunidade de trabalho" (Arbeitsgemeinschaft), onde todos devem cooperar com o objetivo de obter a melhor solução para o litígio no menor espaço de tempo surgiu na Alemanha1, inspirando o legislador português, que introduziu o princípio da cooperação no artigo 266º do seu Código de Processo Civil por ocasião das profundas reformas levadas a efeito nos anos de 1995 e 1996.

O Código de Processo Civil Português de 2013 atualmente em vigor, na esteira do anterior, também consagra, com redação semelhante, a cooperação como um dos princípios fundamentais da estrutura processual civil lusitana, ao dispor em seu art. 7º:

Artigo 7.º Princípio da cooperação 1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. 2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. 3 - As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º. 4 - Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo2.

 O Código de Processo Civil brasileiro de 2015, seguindo a tendência dos modernos ordenamentos processuais, traz o elenco axiológico de princípios que o informam, sob o rótulo de "normas fundamentais", logo em seu pórtico, como a marcar a sua importância e aplicação a todo o disciplinamento normativo, estabelecendo em seu art. 6º que "Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva".

Ora, ao se referir a "todos os sujeitos do processo", a norma processual deixa extreme de dúvidas que o princípio da cooperação obriga não apenas às partes do litígio, o membro do ministério público e os terceiros interessados, mas também o magistrado que dirige o processo.

Em sentido mais amplo, poderíamos dizer que o princípio da cooperação ou da colaboração, como também é conhecido, estende seus efeitos aos auxiliares da justiça e a todos aqueles cuja atuação, de alguma forma, repercuta sobre na celeridade e eficácia do processo, na medida em que "Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade" (art. 378 do CPC/2015).

Há casos, ainda em que a participação de determinado sujeito no processo tem como único fundamento o dever de cooperação, na medida em que sua atuação se limita a colaborar com a justiça. Citem-se como exemplos o amicus curiae e determinadas pessoas que, sem relação alguma com o processo, são convidadas a participar de audiências públicas em razão do elevado conhecimento que possuem sobre o tema em julgamento3.

Este artigo, no entanto, tem por objetivo apenas o estudo dos deveres do magistrado como destinatário do princípio da cooperação, sob o enfoque sobre as limitações impostas pelo dever de imparcialidade inerente à função jurisdicional.

Nesse estudo, além dos deveres gerais de lealdade, de proteção e de garantir o livre exercício do contraditório e a ampla defesa, são abordados deveres específicos que decorrem diretamente do princípio da cooperação, notadamente os deveres de esclarecimento, de diálogo, de prevenção e de auxílio às partes, que, se traduzem no dever geral de engajamento no modelo processual cooperativo e dialogado.

O princípio da cooperação reflete a postura dialogal que o magistrado deve assumir diante do caso concreto, estimulando sempre que possível todos aqueles que participam do processo a fazerem o mesmo em busca da solução de mérito rápida e eficaz, concretizando, assim, entre outros, o princípio da razoável duração do processo previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal4.

Não se pode perder de vista, todavia, que o magistrado, a fim de manter a imparcialidade indissociável da função jurisdicional, não pode ultrapassar certos limites a propósito de pôr em prática o princípio da cooperação, evitando adotar medidas que terminem desequilibrando a disputa em favor de qualquer uma das partes. Isso não significa que o juiz responsável pela condução do processo deva figurar como mero expectador, renunciando a sua função de dirigir o processo em busca da solução justa e eficaz.

Através do método dedutivo, e mediante pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, o presente artigo visa perquirir se: a) a tradicional dualidade entre os processos inquisitorial e adversarial estaria cedendo com o advento de um modelo cooperativo; b) identificar se, além da cláusula geral constante do art. 6º do CPC/2015, quais outras regras processuais imporiam deveres de colaboração aos magistrados e quais seriam esses deveres; e c) até onde pode ir o juiz ao colaborar com as partes, sem comprometer o seu dever de imparcialidade, indissociável ao exercício da jurisdição.

Na seção 1, abordam-se os modelos tradicionais de direito processual (adversarial e inquisitorial) e o possível surgimento de um novo modelo (cooperativo) na busca pela rápida e eficaz solução dos litígios. Nesta seção, examina-se o papel dos sujeitos processuais, em especial a atuação do magistrado, em cada um desses modelos, a relação entre o princípio da cooperação e os princípios do devido processo legal, da boa-fé processual, da instrumentalidade, do autorregramento pelas próprias partes, da vedação à decisão surpresa, e a existência ou não do dever de cooperação entre as partes no direito processual brasileiro.

A seção 2 é dedicada ao estudo do princípio cooperativo como cláusula geral e como categoria decorrente de regras específicas de cooperação, abordando o tema da eficácia normativa do dispositivo legal que introduziu o princípio da cooperação do direito processual brasileiro, a importância da jurisprudência para consolidação do princípio da cooperação na prática processual brasileira, contextualizando com a distinção entre o princípio da cooperação e os princípios da boa-fé e do devido processo legal.

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1 O termo comunidade de trabalho (Arbeitsgemeinschaft) associada ao processo civil é costumeiramente atribuída a Leo Rosenberg (1879-1963) que a teria usado pela primeira vez em 1927. Mas há quem relate a utilização da expressão, naquele mesmo ano, por Franz Klein e por Friedrich Engel. Sustenta-se, ainda, o seu emprego pela primeira vez em 1913 por Louis Levin. Na doutrina brasileira o primeiro a referir-se à comunidade processual de trabalho foi Álvaro de Oliveira, em seu Do Formalismo no Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 72, conforme precisas observações de Daniel Mitidiero em nota de rodapé às fls. 65 da obra  Colaboração no Processo Civil: do modelo ao princípio. São Paulo: Thomson Reuters, 2019.

2 PORTUGAL. Código de Processo Civil (Lei n. 41/2013). Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/124532393/202106122245/73790258/diploma/indice. Acesso em: 12 jun. 2021.

3 STF realiza audiência pública sobre descriminalização do aborto nos dias 3 e 6 de agosto. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=385093. Acesso em: 6 jul. 2021.

4 Sobre o tema, confira-se KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A razoável duração do processo, 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2013.

O que é princípio da colaboração?

O princípio da colaboração, previsto expressamente no artigo 6º do Código de Processo Civil de 2015, impõe a todos os sujeitos processuais o dever de cooperar entre si para obtenção, em tempo razoável, de uma decisão justa e efetiva.

O que é o princípio da colaboração no Processo Civil?

6º do CPC/2015 estabelece que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. O dever de cooperação, entretanto, encontra limites na natureza da atuação de cada uma das partes.

Quais são os princípios fundamentais do Processo Civil?

Os princípios do Direito Processual Civil são devido processo legal, dignidade da pessoa humana, legalidade, contraditório, ampla defesa, publicidade, duração razoável do processo, igualdade, eficiência, boa fé, efetividade, adequação, cooperação, respeito ao autorregramento da vontade no processo, primazia da decisão ...

O que é o princípio da primazia do mérito?

O princípio da primazia da decisão do mérito está voltado para a superação dos vícios processuais sanáveis, onde o julgador abre oportunidade para que as partes façam a sua correção, possibilitando a análise do mérito e a consequente solução do conflito por meio da decisão judicial.