Quais os problemas ambientais e as possíveis consequências da contaminação das águas subterrâneas?

Embora os aquíferos tenham, na maioria das vezes, uma camada de solo ou rocha, e até mesmo várias camadas de rocha para protegê-los, eles estão sujeitos aos impactos das atividades antropogênicas. Os principais impactos sobre as águas subterrâneas são: contaminação, mineração, perfuração indiscriminada e bombeamento intensivo.

A contaminação das águas subterrâneas tem como principais causas o aumento da produção industrial, o crescimento populacional, o aumento no consumo de bens e descartes relacionados. Isto tem levado ao esgotamento e degradação dos recursos ambientais.

A água contida nos meios poroso e fraturado tem velocidade de circulação reduzida, além do que a geometria dos aquíferos é muito complexa, tornando difícil ou mesmo impossível a descontaminação dos aquíferos.

Diante disso, os programas de proteção da qualidade devem ser norteados pela prevenção, muito mais eficiente do que a recuperação de aquíferos.

Podemos considerar como desafios para a gestão das águas subterrâneas:

         Disciplinamento do uso da água subterrânea, reconhecendo as áreas de maior demanda e avaliando os perigos de superexplotação.

         Proteção dos aquíferos e de suas captações quanto à contaminação antrópica.

         Estabelecimento de bases técnicas que permitam aproveitar, de forma integrada e sinérgica, os recursos hídricos superficiais e subterrâneos.

Diagnóstico das águas subterrâneas

Sabe-se que os impactos sobre as águas subterrâneas estão avolumando em número e complexidade. Entretanto, não existem estudos que permitam identificar e delimitar a extensão dos problemas que afetam os aquíferos brasileiros e seus usuários. A contaminação antropogênica e a superexplotação de aquíferos são descritos pontualmente.

O Estado de São Paulo é um dos pioneiros nesses estudos, mas falta uma atualização sistemática.

Contaminantes

O conhecimento disponível no país indica que os principais contaminantes são: nitrato, derivados de petróleo (em especial a gasolina e os solventes clorados), metais pesados, vírus e bactérias.

O nitrato é a substância contaminante individual de maior presença nos aquíferos brasileiros.

Nas áreas urbanizadas, ela é reflexo da falta de sistemas de esgotamento sanitário. Mais de 50 % da população não tem esgoto, mas, em áreas com tais redes de esgoto, há falta de manutenção. Alguns estudos em redes paulistas mostram que as perdas de esgoto superam 40 %, com um volume significativo recarregando os aquíferos.

Em áreas agrícolas, a contaminação por nitrato tem origem no excesso da aplicação de fertilizantes nitrogenados. Até o momento, são desconhecidos os estudos sobre essa matéria no Brasil.

Outros contaminantes, em áreas urbanas são:

  

  Combustíveis líquidos derivados do petróleo (vazamentos de combustíveis dos tanques de armazenamento, de suas linhas ou da própria operação).

    Metais pesados e solventes clorados são produtos bastante comuns na indústria e são jogados nos efluentes, responsáveis pelas maiores e mais complexas plumas de contaminação em aquíferos.

      Metais pesados e solventes clorados diversos também estão presentes em muitos aquíferos pela deposição inadequada de resíduos sólidos em lixões. Acredita-se que essa atividade deva ser a causa do segundo maior grupo de contaminadores de solos e aquíferos no país, proporcionalmente ao número de atividades em operação ou abandonadas.

Águas subterrâneas e mineração

A explotação mineral altera a configuração natural do terreno, interfere na circulação hídrica ou é afetada pela presença das águas superficiais ou subterrâneas.

A mineração pode alterar direta ou indiretamente um grande volume de água, tanto em relação a sua quantidade como a qualidade.

Ela pode influir no escoamento superficial, no fluxo subterrâneo, no rebaixamento de níveis d’água subterrânea, na poluição de águas e outros. Além disso, nas áreas escavadas, ela pode aumentar a vulnerabilidade dos aquíferos pela retirada da zona não saturada e das camadas protetoras do solo.

Por outro lado, o aproveitamento dos grandes volumes de água produzidos é realizado em diversas minas, sendo utilizado para abastecimento público, irrigação, indústrias etc.

Drenagem ácida de mina (DAM)

A DAM é um fenômeno comum às atividades de lavra, beneficiamento e descarga de rejeito de minério sulfetado. É uma reação química produzida pela oxidação de minerais sulfetados quando são expostos ao ar e à água, seja por processos naturais ou pelas atividades associadas a desmontes de rocha, especialmente nas áreas de mineração.

Como se forma a DAM?

Ela se forma pela exposição dos sulfetos à água, ao ar e a certos tipos de bactérias, que atuam sobre eles, oxidando-os. Os sulfetos são minerais formadores de ácidos porque reagem quimicamente com o ar e a água, liberando íon hidrogênio, íons sulfato e íons metálicos solúveis.

Uma vez que a drenagem ácida é criada, os metais e metaloides são liberados, tais como cobre, ferro, alumínio, chumbo e arsênio.

Quais sulfetos podem provocar a DAM?

Os minerais pirita e marcassita, ambos bissulfetos de ferro (FeS2), são os principais geradores da drenagem ácida, sendo também os minerais mais abundantes e ocorrem em uma vasta gama de diferentes tipos de rochas.

A oxidação de outros sulfetos de ferro, como pirrotita (FeS), arsenopirita (AsFeS) e calcopirita (CuFeS2 ), também pode gerar soluções ácidas.

Quais sulfetos não provocam a DAM?

Nem todos os minerais sulfetados sofrem hidrólise ácida. Sulfetos como a galena (PbS), a esfalerita (ZnS) e a calcocita (CuS) não sofrem oxidação ácida.

Como se dá a oxidação da pirita?

Quais os problemas ambientais e as possíveis consequências da contaminação das águas subterrâneas?

Como se dá a oxidação da arsenopirita?

Quais os problemas ambientais e as possíveis consequências da contaminação das águas subterrâneas?

Em locais onde as condições de Eh e pH são favoráveis, típico de drenagem ácida de mineração, a solubilidade de metais pode ser muito ampliada.

A zona imediatamente abaixo da barragem de rejeito que gera a drenagem ácida apresenta pH muito baixo e ambiente altamente redutor que favorecem a solubilização de metais e compostos com grande demanda química de oxigênio.

A frente desta pluma de contaminação está em contato com a água subterrânea, que apresenta um ambiente de pH mais elevado e mais oxidante.

Na faixa de transição, os compostos em solução precipitam sob a forma de minerais e são redissolvidos a medida que fluidos mais ácidos fluem no sentido da água subterrânea.

Quais os problemas ambientais e as possíveis consequências da contaminação das águas subterrâneas?
Pluma de contaminação em barragem de rejeitos de mineração.

Os metais tóxicos dissolvidos nos rejeitos podem alcançar o aquífero profundo, e migrar para bacias vizinhas. O bombeamento da água dos poços tubulares em torno da mina pode gerar um fluxo subterrâneo de água contaminada a partir dos reservatórios de rejeitos da mineração.

Sempre que se abre um poço, este se torna um ponto de alívio de pressão para onde migra a água que satura as rochas e percola as fendas subterrâneas.

A liberação de elementos tóxicos para o ambiente do entorno pode atingir córregos, rios e lagos e, na medida em que os elementos são lixiviados para o subsolo, e atingir as águas subterrâneas.

Na água, quando os peixes são expostos diretamente aos metais e hidrogênio iônico através de suas guelras, a dificuldade respiratória pode resultar em toxidade crônica e aguda.

Drenagem ácida na Mina Morro do Ouro

Quais os problemas ambientais e as possíveis consequências da contaminação das águas subterrâneas?
Mina a céu aberto situada ao lado da zona urbana de Paracatu – MG. Observe, na parte esquerda da imagem, os tanques de drenagem ácida.
Quais os problemas ambientais e as possíveis consequências da contaminação das águas subterrâneas?
Com um maciço de terra de 4 km de extensão e mais de 400 milhões de m3 de rejeito, esta barragem situada em Paracatu – MG é um gigantesco gerador de drenagem ácida para as águas subterrâneas.

Fonte de contaminação

A fonte de contaminação deve ser eliminada ou atenuada de forma que ela cesse sua atividade de geração de contaminação para as águas subterrâneas.

Sua remoção ou impermeabilização são formas comumente utilizadas.

A impermeabilização apresenta as seguintes vantagens:  menor custo; evita o contato do rejeito com a atmosfera, evitando assim sua oxidação e geração de drenagem ácida; evita que o material disposto seja lixiviado e levado para a água subterrânea.

Há que considerar que os contaminantes em questão não são voláteis e, portanto, a água subterrânea é o único vetor que pode transportar o contaminante para longe da fonte.

Quais os problemas ambientais e as possíveis consequências da contaminação das águas subterrâneas?
Impermeabilização com geomembrana

Pluma de contaminação

Os contaminantes que já atingiram as águas subterrâneas podem ser recuperados por métodos passivos de remediação, uma vez que a hidrogeologia local favoreça este tipo de solução, quando o nível d’água for bastante raso.

Esta metodologia, denominada no Brasil de barreiras reativas (originalmente (funnel and gate), consiste de uma barreira impermeável que direciona o fluxo (funnel = funil) para uma trincheira de material de permeabilidade mais elevada (gate = passagem).

A barreira impermeável pode ser instalada através de cortinas de concreto, estacas-prancha de aço etc. A barreira reativa consiste de módulos removíveis de material reativo (determinado de acordo com o tipo de contaminante, ambiente redox etc.), que são substituídos à medida que sua capacidade reativa diminui.

Tratamento passivo da drenagem ácida.

Quais os problemas ambientais e as possíveis consequências da contaminação das águas subterrâneas?

Quais os problemas ambientais e as possíveis consequências da contaminação das águas subterrâneas?

Quais os problemas ambientais e as possíveis consequências da contaminação das águas subterrâneas?

A avaliação de risco que uma determinada rocha apresenta para a geração de drenagem ácida é de fundamental importância para planejar e mitigar o seu impacto no meio ambiente. Por isso, conhecer a composição dos minerais, com ênfase nos minerais sulfetados e o seu potencial para gerar drenagem ácida, é essencial.

Relação água subterrânea/mineração

A relação água subterrânea e mineração é muito próxima; deve ser encarada como uma grande possibilidade de trabalho para técnicos ligados á área. Atualmente grande parte dos problemas de produção de água e contaminação de água subterrânea já são abordados por soluções de baixo custo e tecnologias acessíveis.

Perfuração indiscriminada de aquíferos

A Lei 9.433/97 (Lei das Águas) estabelece que:

 “Art. 49. Constitui infração das normas de utilização de recursos hídricos superficiais ou subterrâneos: I - derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade, sem a respectiva outorga de direito de uso; V - perfurar poços para extração de água subterrânea ou operá-los sem a devida autorização;”.

Contudo, não localizamos qualquer condenação criminal pela prática desse ilícito penal, apesar de a perfuração de poços ser das atividades mais corriqueiras e ilegalmente praticadas. 

A construção de poços fora do padrão recomendado pela ABNT é uma regra pelo país, o que propicia que a maioria seja um vetor de contaminação do aquífero pela conexão criada entre a superfície e a zona saturada ou, também, entre as porções mais rasas do aquífero e as mais profundas.

Em áreas periféricas de cidades, onde a falta de rede pública de água coloca poços de abastecimento familiar junto a fossas negras, perfuração indiscriminada de poços expõe a população a doenças de veiculação hídrica.

Exemplo de Recife

Um dos principais problemas dos poços privados é que muitos se tornam salinizados e são perdidos e abandonados.

Uma das prováveis causas da salinização é a intrusão de águas salinas do mar induzida pela perfuração indiscriminada de poços.

Análises feitas em um laboratório de engenharia química da Universidade Federal de Pernambuco constataram a contaminação da água por altos níveis de manganês e ferro em oito dos onze condomínios pesquisados.

Exemplo de São Paulo

Shoppings, condomínios, hospitais e indústrias estão perfurando, em média, 900 poços por ano. Já existem 12 mil. Desses, calcula-se que 5 mil sejam clandestinos - a estimativa está baseada na venda de bombas hidráulicas.

A perfuração indiscriminada e sem a técnica adequada coloca em risco a saúde da população e reduz o nível dos aquíferos.

Bombeamento intensivo de água subterrânea

Até 2050, a superexploração para atender a indústria e a agricultura poderá esgotar reservas inteiras em várias partes do mundo. As áreas mais ameaçadas são aquelas fortemente irrigadas em climas mais secos.

Superexplotação de aquíferos é a extração de água subterrânea que ultrapassa os limites de produção das reservas reguladoras ou ativas do aquífero.

Inicia-se com o rebaixamento do nível potenciométrico, o que provoca danos ao meio ambiente, além da exaustão do aquífero.

A água subterrânea pode ser retirada de forma permanente e em volumes constantes, por muitos anos, desde que esteja condicionada a estudos prévios do volume armazenado no subsolo e das condições climáticas e geológicas de reposição.

Problemas adicionais da exaustão do aquífero

      Indução de água contaminada causada pelo deslocamento da pluma de poluição para locais do aquífero;

      Subsidência de solos, definida como "movimento para baixo ou afundamento do solo causado pela perda de suporte subjacente", provocando uma compactação diferenciada do terreno que leva ao colapso das construções civis;

      Avanço da cunha salina definida como o avanço da água do mar em subsuperfície sobre a água doce, salinizando o aquífero, em áreas litorâneas.

No Brasil e em várias partes do mundo, existem diversos exemplos de esgotamento de aquíferos por superexplotação para uso em irrigação. Outro fator que está provocando o comprometimento da qualidade e disponibilidade hídrica dos aquíferos reside na ocupação inadequada de suas áreas de recarga.

Os cientistas consideram que o limite de uma reserva foi ultrapassado quando os níveis de água subterrânea ficam dois anos consecutivos abaixo do limite de bombeamento.

A compatibilização do uso dos aquíferos com as leis naturais que governam a sua ocorrência e reposição, além de proteger as áreas de recarga de possíveis contaminações, poderá garantir a sua preservação e uso potencial pelas gerações futuras.

São condições para o disciplinamento do uso da água subterrânea:

      tem que ser parte dos planos diretores de uso e ocupação dos solos dos municípios;

      existência de programa efetivo de licença de perfuração e outorga;

      eficiente programa de comunicação social envolvendo os usuários;

      controle do uso e ocupação do solo, por meio da restrição e da fiscalização das atividades antrópicas.

      efetiva proteção dos aquíferos:

      proteção geral de um aquífero, identificando áreas mais vulneráveis à contaminação e

      proteção pontual, voltada à captação de água subterrânea;

      educação ambiental voltada para recursos hídricos e, em especial, à água subterrânea.

Material extraído e modificado de:

      MARTINS, C.M. et al. Estudo microbiológico relacionado à geração de drenagem ácida em antigas minas de pirita no município de Ouro Preto, MG. Geochim. Brasil., 18(2)077-085, 2004.

      MELLO, J.W.V; DUARTE, H.A. e LADEIRA, A.C.Q. Origem e Controle do Fenômeno Drenagem Ácida de Mina. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola. N° 8, p. 24-29, MAIO 2014.

      ZOBY, J.L.G. & MATOS, B. Águas subterrâneas no Brasil e sua inserção na Política Nacional de Recursos Hídricos. XII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas, Florianópolis – SC, 2002.