Quais são os mecanismos de participação da sociedade nas políticas públicas?

Quais são os mecanismos de participação da sociedade nas políticas públicas?

Quais são os mecanismos de participação da sociedade nas políticas públicas?

Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), o projeto de lei (PL) 504/2020, que “proíbe a publicidade, através de qualquer veículo de comunicação e mídia de material que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças no Estado”, de autoria da deputada estadual Marta Costa (PSB), repercutiu intensamente, principalmente nas redes sociais, e mobilizou a sociedade civil e empresas do segundo e terceiro setor contra a aprovação de seu texto.

Essa movimentação, no geral, não é comum. Isso porque a população se sente distante da política e não se sente representada pelos políticos que ocupam os espaços de poder da política institucional, como demonstra uma pesquisa do Instituto Ipsos (2017), em que apenas 6% dos eleitores estão satisfeitos com a atuação dos políticos que elegeram.

Nesse texto, o Politize! discorre sobre a participação social no poder público e a sua potência e necessidade. Mas, antes, vamos relembrar o significado do termo.

O que é participação social?

A Constituição Federal (CF) de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, garante o controle social, em que a participação da sociedade nas políticas públicas é promovida por diferentes meios. O Ministério da Cidadania determina como essa participação pode ocorrer dentro das esferas de poder:

  • Legislativo: os cidadãos atuam pelo voto direto, elegendo aqueles os quais eles querem ser representados. Vale lembrar que, no Brasil, a democracia é representativa. Por isso, o voto é uma das principais metodologias para demonstrar a vontade do povo.
  • Judiciário: participação em um júri popular para julgar crimes dolosos contra a vida.
  • Executivo: ingresso em conselhos e comitês de políticas públicas. Os conselhos podem ser populares – como as associações de bairro – e institucionais. Eles ainda podem ser consultivos (poder público é consultado a fim de obter opiniões para aprimorar a organização da administração pública), participativo (maior envolvimento e participação na tomada de decisão, com medidas de monitoramento do Estado) e deliberativo (trabalho conjunto com o poder público, com decisões de aprovação ou veto nas tomadas de decisões e participação ativa em políticas públicas).

Qual a importância da participação social no poder público?

O artigo “Movimentos Sociais na Contemporaneidade”, de Maria da Glória Gohn, ressalta que, mesmo após 20 anos de promulgação da CF/88, hoje habitualmente se fala em participação social, o que abre portas para um discurso e ação de democracia participativa, em que há uma maior presença da sociedade civil dentro dos espaços da política institucional. 

A autora ainda menciona que a representação está enfrentando um período de crise, com mudanças em vários países. Existe uma contradição entre legislações apresentadas por parlamentares, por exemplo, e seus eleitores. Assim como o voto de políticos dado sob propostas legislativas que contradiz a vontade daqueles que os elegeram. 

A cidadania, que é um dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil, determinados no artigo 1º da CF/88, compreende os direitos e deveres do indivíduo que vão muito além do exercício do voto e da possibilidade de ser votado

Lucas Kogut, Diretor de Planejamento e Vigilância Social da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Rio Branco do Sul/PR, comentou ao Politize! sobre a importância da sociedade civil exercer sua cidadania, se fazendo presente no poder público, o que fortalece o controle social e as políticas públicas:

“Em decorrência da natureza complexa das problemáticas sociais, cada vez mais tais problemáticas têm exigido soluções pautadas na governança e cooperação global, inclusive uma premissa da ONU para atingimento da Agenda 2030. Logo, todos os atores sociais possuem especificidades que, associados aos demais, potencializam e maximizam o seu impacto. Portanto, o trabalho da sociedade civil organizado junto ao poder público é imprescindível, visto que, em decorrência de sua fluidez e dinamismo, possui a capacidade de capilarizar a política pública e levá-la a espaços em que o poder público, em função de sua dimensão e burocracia, não conseguem chegar”.

Participação social dentro de movimentos e organizações

Nos últimos anos, algumas organizações da sociedade civil (OSC) surgiram para aumentar essa participação. O artigo de Gohn, “Movimentos Sociais na Contemporaneidade”, mencionado anteriormente, discorre para além da OSC e fala também sobre os movimentos sociais e o associativismo. 

A formalidade desses movimentos é algo que vem se consolidando cada vez mais, inclusive a preocupação com a formação dos militantes. A comunicação e a informação são imprescindíveis para a ocorrência desta formalização, fazendo com que a mídia tenha a sua devida importância e seja uma grande associativista. Os sindicatos e o ambiente acadêmico também são figuras reconhecidas no associativismo de maneira fragmentada, ou seja, movimentos que possuem a mesma bandeira podem articular com diferentes setores e o seu funcionamento possuir formas distintas de organização.

Portanto, a heterogeneidade é parte dos movimentos e de seus militantes e/ou ativistas, assim como diferentes movimentos cooperam entre si e tornam-se dependentes desta intersecção e união.

O associativismo fortaleceu organizações da sociedade civil e não governamentais que, advindas dos movimentos sociais populares, ganharam mais notoriedade, enquanto os próprios movimentos se enfraqueciam, em consequência da transição brasileira: do regime ditatorial para o democrático. As organizações não governamentais (ONGs) passaram a criar sua própria estrutura e foram se distanciando cada vez mais dos movimentos sociais. Novos conceitos e ações surgiram e, a partir disso, há uma institucionalização das práticas e organizações populares.

Em entrevista ao Politize!, Larissa Ferracine, voluntária do Elas no Poder, ONG que apoia campanhas femininas, ao preparar e ajudar mulheres a ocupar os espaços de poder políticos, comentou sobre a importância da participação social e o que esta significa para ela:

“A participação social é uma das ferramentas de acesso à democracia, em que nós podemos atuar nas causas que mais acreditamos. Para mim, fazer parte desses movimentos é atuar na construção de um país melhor, ver mudanças na ponta e ainda exercer o meu papel de cidadã muito além de dois em dois anos, nas eleições. Na minha vivência, que me traz em espaços de privilégios, mas também em recortes minoritários, vejo que a participação social é o meu caminho para lutar por mais direitos e me tornar mais consciente pelo direito de todos”.

Como a participação social é incentivada pelo poder público?

Algumas leis corroboram para que a participação social seja estimulada e garantida. A Lei Federal nº 8.142/1990 dispõe sobre a atuação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e dá outras providências. Em 2009, as audiências públicas foram regulamentadas, através da emenda regimental 29/09, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Desde a sua aprovação naquele ano até 2013 foram realizadas 9 audiências do tipo.

Entre tantas outras legislações, devemos destacar a LAI (Lei de Acesso à Informação), Lei nº 12.527, sancionada durante o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff. Ela regulamenta o acesso por parte dos cidadãos às informações públicas, visando uma maior transparência e fiscalização, sendo um grande passo e conquista para a participação social e para o regime democrático.

Ainda durante o mandato da ex-presidenta, foi sancionada a Lei nº 12.965/2014, mais conhecida como “Marco Civil da Internet”, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Haja vista que o mundo virtual é um espaço em crescimento, onde há uma articulação entre organizações, políticos e sociedade, leis que o formalizam impactam o seu uso e a forma que o cidadão se dispõe dele. Além disso, vale mencionar que o Marco Civil foi aprovado para que a liberdade de expressão seja compreendida como um exercício democrático e de cidadania, em que todos devem ter o direito de uso.

Ainda, em canais de contato de órgãos fiscalizadores, como do Ministério Público, existem ouvidorias públicas, que possibilitam o envio de denúncias, reclamações, sugestões, para o cidadão exercer seu direito e cidadania, além de poder sanar dúvidas e obter informações sobre o serviço público. 

Muitos desses projetos tiveram sua redação final e elaboração realizados e pensados junto da sociedade civil, como em audiências públicas promovidas por casas legislativas.

Alguns mandatários e iniciativas populares procuram métodos para facilitar a participação da sociedade civil dentro dos mandatos e nas casas legislativas. É o caso do aplicativo “Tem Meu Voto”, em que o cidadão pode selecionar uma figura política de seu interesse e acompanhar a sua jornada na política institucional, além de se posicionar contra ou a favor de um projeto legislativo. A empresa se define como suprapartidária e objetiva o voto consciente e o aumento de interesse pela política.

Outros utilizam canais de comunicação para incentivar a participação, além de ser um meio de possibilidade de accountability (prestação de contas), para o eleito divulgar suas proposições protocoladas, fazer seu lobby (defesa de interesse) e obter movimentações estratégicas para acúmulo de capital político e eleitoral.

Marcas se unem contra o PL 504/2020

Retomando o PL (projeto de lei) 504/2020, apresentado no início do texto, que “proíbe a publicidade, através de qualquer veículo de comunicação e mídia de material que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças no Estado de São Paulo”, de autoria da deputada estadual Marta Costa (PSD), ele é um exemplo de projeto que movimentou a internet – ou seja, de participação social na política.

Grandes marcas, como Ambev e Coca-Cola, se posicionaram contra o PL 504/2020, usando hashtags como #NãoAoPL504 e #LGBTNãoÉMáInfluência

As maiores agências de publicidade e propaganda do Brasil também se reuniram contra o projeto, como Africa e AlmapBBDO, que usaram suas redes sociais para marcar sua oposição, assim como diretores executivos destas agências e empresas que usaram contas pessoais para colocar seu ponto de vista sobre o PL. 

A deputada estadual Erica Malunguinho (PSol), primeira transsexual a ocupar um cargo na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), foi a figura principal de oposição a proposta. A parlamentar fez uma série de publicações em suas redes sociais sobre o projeto e informou seus seguidores sobre a tramitação do mesmo, como um passo-a-passo em que comenta o que acontece após a volta da proposta às Comissões da Alesp, determinada posterior aprovação de emenda de autoria da própria Erica. A emenda contou com o apoio de 32 deputados que receberam e-mails da sociedade civil para se oporem ao PL.

Algumas instituições se juntaram e, através de um formulário, disponibilizaram os e-mails dos mandatários da casa legislativa para que, juntos, fizessem uma maior pressão sob os mesmos. 

A aceitação da emenda reforça o poder que a participação social, presencial e virtual, tem no poder público, além de evidenciar a potência da comunicação, que possibilitou a ampliação da discussão por diferentes lugares do país, tomando uma grande proporção. 

“Toda a campanha que iniciamos no meu gabinete na Alesp contra o PL 504/2020, que associa a população LGBTI+ como “influência inadequada” para crianças, está sendo realizada não só em articulação com muitas figuras públicas, parlamentares, empresas, mas também e essencialmente com muitas organizações e movimentos sociais. Estamos todes com um objetivo em comum: derrubar o PL 504, pois ele representa uma desagregação para a humanidade. A repercussão deste projeto só foi possível porque temos COTIDIANAMENTE denunciado juntes a LGBTfobia da Alesp”, destacou Erica em suas redes sociais.

Erica Malunguinho é um exemplo de como os políticos podem utilizar diferentes canais para educar, organizar e estimular os cidadãos a se interessarem e participarem ativamente da política.

Leia também: LGBTfobia e os desafios da população LGBTQIAP+

Como participar e ser um cidadão mais ativo no poder público?

  1. Acompanhe parlamentares os quais você se identifica e os envie sugestões de proposições legislativas e de melhorias no mandato, críticas e como você gostaria que ele se posicionasse diante de votações;
  2. Participe da elaboração de políticas públicas e fiscalize sua execução. Você pode enviar os resultados obtidos na fiscalização para órgãos fiscalizadores, como o Ministério Público, e para seus representantes eleitos;
  3. Compareça em audiências públicas;
  4. Ingresse em movimentos sociais, conselhos e organizações que atuam sob um tema de seu interesse e o qual você gostaria de colaborar com o seu desenvolvimento;
  5. Doe para instituições que defendem uma bandeira a qual você se identifica e apoie esse projeto, o divulgando em suas redes sociais e meios de contato;
  6. A filiação partidária é uma oportunidade de atuar dentro de um partido e colaborar com a sua organização, tendo a possibilidade de participar de votações para decidir quem irá se candidatar a cargos eletivos.

REFERÊNCIAS

Alesp: PL 504/2020

Época e Negócios: Grandes Marcas contra o PL 504/2020 

CLP: Participação social e gestão pública

Gazeta do Povo: Crise da democracia

Instagram: Erica Malunguinho

Instagram: Publicação de Erica Malunguinho

Ministério da Cidadania: Informe 13

Pensador: Platão

Pensando o Direito: Marco Civil – participação social

Planalto: Constituição Federal 1988

Planalto: Lei nº 12.527/2011

Planalto: Lei nº 12.965/2014

Planalto: Lei nº 8.142/1990

Propmark: Alesp aprova emenda para o PL 504/2020

Scielo: Movimentos Sociais na Contemporaneidade

Senado Federal: Processo Legislativo – Participação Popular 

STF: Audiências Públicas

Tem Meu Voto


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Quais as formas de participação social nas políticas públicas?

Participação social é direito. Está na Constituição. Essa participação pode ocorrer por meio de diversos canais. Os mais comuns são os conselhos gestores de políticas públicas que atuam nos estados e municípios (Conselhos de Assistência Social, de Saúde, de Educação).

Quais os mecanismos de participação social?

Existem na Constituição brasileira mecanismos de participação a disposição do cidadão que lhe permitem intervir nas decisões governamentais tais como, plebiscito, referendo, iniciativa legislativa popular.

Quais são as principais formas de participação política da população?

Além do voto, a Constituição prevê outras formas de participação popular. Nos plebiscitos, a população opina, por meio de voto, sobre temas de uma medida que ainda não foi elaborada. Após a votação, a legislação é construída pelos parlamentares de acordo com o desejo da maioria.
i) participação ou “controle social” mediante ações judiciais (ação popular, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, ação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, entre outras);