Qual é a importância do intérprete para as pessoas com deficiência auditiva que assistem ao programa?

suuhgetsu, intérprete de Libras nos eSports — Foto: Reprodução

Maior audiência, mas sem acessibilidade

Segundo a Newzoo, a audiência dos jogos eletrônicos em 2019 foi de 453,8 milhões de pessoas no mundo todo. No Brasil, no ano passado, o número chegou a 24 milhões de espectadores. Os eSports se tornaram um fenômeno mundial rapidamente, mas para que o acesso às competições, transmissões e informações alcancem um número maior de pessoas, é preciso chegar em espaços que já são excluídos diariamente na sociedade.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 900 milhões de pessoas podem desenvolver surdez até 2050. Atualmente, existem 500 milhões de pessoas com deficiência auditiva no mundo, que ainda sofrem com a falta de acesso a serviços básicos. Existem diferentes graus de deficiência auditiva; no Brasil, a maior parte desse grupo é composta por surdos oralizados, que utilizam da língua oral para se comunicarem ou usam aparelhos auditivos.

Os eSports ainda não são inclusivos para pessoas surdas — Foto: Leo Sang/CBCS

A pandemia do coronavírus (Covid-19) atingiu o mundo inteiro e vem obrigando as pessoas à ficarem em casa desde março de 2020. Com o cancelamento de eventos presenciais de eSports, os campeonatos via internet - no caso, o "estádio virtual" - foram a maneira de recorrer ao entretenimento. Em meio a essa alta demanda por streaming, jogadores e entusiastas surdos ainda esbarram no mesmo problema em diversas áreas: não tem acessibilidade. Em entrevista ao ge, Mila Ayleen, streamer com surdez severa, contou sobre a sua experiência em eventos presenciais de LoL.

- Comecei a jogar League of Legends em 2015. Logo depois que eu comecei, em Goiânia teve o All-Stars e eu fui. A partir daí eu comecei a acompanhar o CBLoL. Todo fim de semana eu estava lá esperando eles abrirem a transmissão e ficava assistindo do começo até o final. Quando eu fui no evento em Goiânia, eu fiquei arrepiada sabe? Com a emoção do público, com a energia.

- Eu já fui no CBLoL também. Eu entendia [transmissão] um pouquinho só, mas com muita dificuldade. Por eu estar em um evento presencial, dava para perceber a energia, a vibração e eu meio que conseguia entender o que estava acontecendo. Eu entendia um pouco o que eles estavam narrando, mas eu me guiava mais pelo telão e pela reação da torcida.

Mila Ayleen, streamer da INTZ — Foto: Arquivo pessoal

A criadora de conteúdo explicou como é acompanhar uma transmissão de campeonato sem legenda ou com intérprete de Libras. Com surdez severa, a streamer não consegue entender os casters se não estiver com o seu aparelho auditivo.

- É complicado, porque não tem legendas não tem intérprete de Libras... Para mim é melhor a legenda, eu sei Libras, mas bem pouquinho. E também não é sempre que eu estou usando o aparelho auditivo.

- Então os campeonatos sem recurso de acessibilidade são complicados.

A comunidade surda nos eSports passa a ganhar cada vez mais espaço com os incentivos dos projetos de inclusão, streamers grandes usando recursos de acessibilidade e com o interesse das organizações. Dessa forma, mais jogadores são atraídos pela paixão nos eSports. Assim, a necessidade das transmissões de campeonatos regionais e mundiais contar com legendas e intérprete de língua dos sinais se faz obrigação tendo em vista a popularidade do eSports - logo, o quanto de pessoas com deficiência auditiva que não podem viver 100% essa experiência.

No Brasil, os números falam por si, a final do CBLoL no ano passado atingiu o pico de quase 400 mil espectadores simultâneos, nas plataformas de Twitch e Youtube. Um dos maiores nomes do Counter-Strike no mundo, Alexandre "Gaules" também atingiu um pico de 270 mil espectadores em seu canal no ano passado, na partida MIBR e EG pela BLAST Premier Spring norte-americana. Nesse ano, o campeonato Brasileiro de Rainbow Six, BR6, também bateu recorde de audiência. No primeiro final de semana do campeonato, a partida entre Faze Clan e Team Liquid teve pico de 76 mil espectadores simultâneos, um número muito maior comparado a final do BR6 de 2020 entre Liquid e MIBR.

Quantas pessoas surdas não puderam acompanhar todos os momentos acima citados só por falta de acessibilidade?

Troféu do CBLoL exposto — Foto: Bruno Alvares/Riot Games

Legenda automática/descritiva e intérprete de Libras

Na plataforma da Twitch, site de streaming que transmite campeonatos de grande relevância, é fornecida a ferramenta closed captions - que são as legendas automáticas feitas por um computador e servem para auxiliar os espectadores com deficiência auditiva. O recurso foi incorporado na Twitch em 2016, porém, não é explorada nas transmissões de torneios oficiais.

A tradução simultânea com o closed captions não é totalmente eficaz e ainda contém alguns erros, mas é um recurso que a Twitch se atentou a colocar para melhor acessibilidade do público surdo. Além das legendas, a plataforma de streaming conta com as extensões para gerenciar os canais. Uma delas é o Stream Closed Captioner: a extensão é semelhante a ferramenta original da plataforma, com o diferencial de ser mais fácil de ser gerenciada e ajustada.

Um dos maiores streamers de LoL no Brasil, Felipe "YoDa" conta com o recurso em suas lives e também contratou interpretes de Libras para o evento Yoprêmio Esports no final do ano passado. Algumas organizações também trabalham com esses recursos de acessibilidade, como é o caso de Vorax, Cruzeiro e Rensga Esports. A organização de Goiânia, inclusive, usou a intérprete de Libras suuhgetsu no vídeo de anúncio dos times para CBLoL e Academy. Nos vídeos restantes, a Rensga tem as legendas descritivas - incluindo até mesmo os vídeos de memes postados nas redes sociais.

Nesse sentido, criadores de conteúdo de diversas plataformas estão em busca da acessibilidade para o seu público, como a apresentadora Nyvi Estephan e o streamer Daniel "danielslol". Em conversa com o ge, suuhgetsu - que soma trabalhos por Rensga Esports, Rise Academia, Sakuras Esports e Wakanda Stramers, e ainda é criadora do Dicionário de Libras dos eSports - explicou a importância de ter um tradutor e intérprete de Libras nos torneios de eSports.

- É muito importante porque todo mundo tem direito a lazer. Porque parece que o surdo só tem direito a estudar. O surdo não pode fazer outra coisa que seja estudar.

- O surdo não pode ir no cinema porque não tem acessibilidade, aí o surdo não pode vir aqui jogar LoL, não pode ver o CBLoL ou ele não pode acompanhar uma live. Todo mundo tem direito a lazer e assim tem direito a informação. Olha quantas pessoas assistem uma transmissão de jogo e quantas pessoas jogam. Então é muito importante que tenha acessibilidade no geral e acessibilidade em Libras também.

- Porque existem diversas acessibilidades, uma é a estrutural que depende da estrutura física do local e a linguística, que seria o intérprete de Libras e também as legendas.

Suuhgetsu explicou sobre os recursos existentes de acessibilidade nas plataformas de streaming e as funções que elas exercem em diferentes camadas do público de eSports.

- Legenda e intérprete de Libras são dois recursos de acessibilidades diferentes. Muitas pessoas acham que quando tem legenda, não precisa de intérprete de Libras e não é assim que funciona. Porque a interpretação de Libras é para surdos usuários de Libras, a legenda abrange uma acessibilidade muito maior.

- Porque ela funciona para pessoas com baixa visão, pode funcionar para surdos que são usuários de português, surdos oralizados, pode ser com pessoas para dislexia. Então tem uma gama muito maior de pessoas que podem ser utilizado o recurso da legenda.

Vídeo de anúncio da line-up da Rensga Esports para o CBLoL e Academy — Foto: Reprodução

A tradutora e intérprete de Libras defendeu o uso diário das legendas automáticas em streams, mesmo que as legendas contenham erros. Suuhgetsu também explicou a diferença entre legendas descritivas, automáticas e closed captions e reforçou: qualquer pessoa pode usar as legendas automáticas nas lives da Twitch.

- Tem a legenda para surdos e ensurdecidos que é a legenda descritiva. Ela descreve o ambiente também, descreve os sons. Não é uma áudio-descrição porque não descreve totalmente o ambiente. Aparece por exemplo, "barulho de carro freando", "barulho de pássaros cantando". Isso é uma legenda descritiva. A legenda que estamos acostumados é só a transcrição dos diálogos para outro idioma. O closed captions, ele é uma legenda automática então ele nunca vai ser 100%, porque é um computador que está fazendo, não um ser humano - completou.

Diferente do recurso que existe nas televisões, a legenda oculta também serve para auxiliar as pessoas com deficiência auditiva. No caso, elas exercem a função da descritiva, ela indica palavras e sons que são de importância para compreender o contexto das cenas e diálogos.

Significados e tradução para Libras dentro dos jogos

O intérprete de Libras faz a mesma função que um narrador, mas ele traduz todas as falas, comentários e acontecimentos da partida para o público surdo. Há quem diga que é fácil reproduzir as falas, mas diferente do que pensam, o intérprete precisa de conhecimento prévio do game e também saber se adaptar.

O cenário de eSports ainda é novo em relação a língua de sinais. Não são todas as palavras e expressões dentro dos jogos competitivos que tem um sinal, mas todas elas têm um significado. A suuhgetsu revelou uma das estratégias que exerce quando está trabalhando como intérprete e quando não existe o sinal para a palavra específica.

- A gente usa diversas estratégias e escolhas tradutórias também. Por exemplo, você pode explicar o conceito. Isso a gente também utiliza para as palavras que têm o sinal.

- Se eu não sei o sinal, mas aquela palavra foi falada, aquela informação tem que ser dada.

- Eu trago o conceito, eu explico o que é da forma que seja entendível. Então, os sinais dentro do eSports que não existem, por exemplo, o Valorant, ainda não tem um sinalário.

- Então, você pega características dos personagens e traz em classificador que seria uma reprodução visual. Por exemplo, é o cara de capuz roxo que mexe com as sombras, então eu incorporo ele, coloco o capuz em mim, digo que é roxo [para o público] e faço um movimento característico dele.

Aulão de League of Legends em Libras, idealizado por Jessyka "suuhgetsu" — Foto: Reprodução

Jessyka também comparou a diferença entre Libras e o português, pois a língua dos sinais é muito visual - ao contrário do português que tem diversas palavras para o mesmo significado. O intérprete pode traduzir toda a situação do jogo ou da narração sem ter que repetir os mesmos sinais. Ela também explicou que o usual é que haja tradução da narração do que interpretação já que os surdos preferem que não se tenha intérprete durante os jogos.

O intérprete de Libras precisa ter conhecimento na área. No LoL, as narrações dos combates são rápidas iguais as narrações de futebol de rádio, por exemplo. Assim, para que o tradutor consiga entregar todas as informações para o público, ele terá que usar do próprio entendimento do jogo para dar essas informações completas e não pela metade.

- Caster tem muita jogadinha de fazer piada e ás vezes na Libras aquilo não faz sentido nenhum porque é da cultura ouvinte.

- Assim como os narradores tem um estudo antes, a gente como intérprete também tem esse estudo - revelou suuhgetsu.

Acessibilidade em transmissões de torneios e eventos

Os principais torneios de eSports são transmitidos por meio de YouTube e Twitch. Um dos recursos mais básicos, as legendas automáticas - que existem há anos nos sites de streaming - não são usados. Com exceção do Facebook Gaming que, anunciou a adição da ferramenta apenas em março de 2020.

Raramente o closed captions na Twitch é explorado nas transmissões ao vivo, seja pelo próprio torneio ou empresas detentoras dos direitos do campeonato. Apenas algumas modalidades de jogos ou empresas entram no grupo seleto das quais já usaram as ferramentas para acessibilidade.

Com o relatório divulgado pela Newzoo, o mercado de eSports deve ultrapassar a marca de 6 bilhões de reais em 2021. Um crescimento de 14,5% em relação ao ano de 2020. Com a alta do mercado de streams, o Brasil tem diversas ligas importantes em várias modalidades. CBLoL, BR6, Valorant Champions, Gamers Club Masters, entre outros. Mesmo com o crescimento dos eSports e das ligas internacionais em diversas modalidades, as respectivas empresas não alcançaram todas as camadas dos seus espectadores - principalmente o público com deficiência auditiva, tendo em vista que um dos maiores pedidos são os recursos para acompanhar as streams.

FaZe Clan na Pro League do Rio de Janeiro — Foto: Rainbow Six Esports/Gui Caielli

Em conversa com Douglas Dubal, CEO da Arena On - maior plataforma de campeonatos de Call of Duty: Warzone e CoD Mobile da América Latina - , ele citou a adição dos recursos de acessibilidade para a plataforma de streaming da Arena e que os vídeos no canal do YouTube já contam com as legendas automáticas.

- A gente quer expandir para as outras áreas como Twitch. Dentro da nossa plataforma, a gente quer expandir essa inclusão para outros meios. Estamos trabalhando desde fevereiro para trazer isso para a Twitch. As legendas automáticas às vezes ela fica engessada e coloca uma palavra que o narrador não falou, então nos nossos vídeos de Twitter ou Instagram a gente quer começar a legendar eles para atender o público surdo - comentou.

Douglas também comentou sobre a possibilidade de ter um intérprete de Libras em um campeonato futuramente. O diretor citou que é algo que está nos planos da equipe para o evento presencial em setembro, que vai ocorrer juntamente com a Beyond The Summit e a Max Arena. Além de contratar alguém para fazer a tradução de torneios, Douglas citou que a Arena On quer trabalhar em cima da conscientização para melhorar os eventos e transmissões para o público que é excluído por falta de acessibilidade.

- A gente quer engajar a comunidade para entender que essa é uma necessidade porque aí gente faz muito mais. Além de contratar um intérprete de Libras, por exemplo, a gente conscientiza a nossa comunidade. É nessa vertente que a gente quer trabalhar, de conscientização, de entender o problema e partir disso, se engajar para melhorar as transmissões e eventos para essas pessoas, porque aí a gente muda a cultura elitista de uma comunidade que às vezes não olha para esse lado. Então queremos ser a vertente de modificação de pensamento, de melhoria do cenário através da comunidade.

Casteres durante a transmissão do campeonato de CoD da Arena On junto à BTS — Foto: Divulgação/ArenaOn

Estúdios, empresas e desenvolvedoras estão investindo no mercado, mas esses investimentos não chegam para os surdos. A reportagem encontrou em contato com a Riot Games Brasil, Ubisoft Brasil e Gamers Club sobre as questões de acessibilidade para as transmissões de torneios e planos para trazer mais recursos para o público, mas o ge não obteve respostas. Também foi contatada a BBL, holding especializada em torneios e transmissões de eSports, mas a empresa não quis se pronunciar sobre.

Embora o público brasileiro seja fiel ao esporte eletrônico, os surdos continuam sendo excluídos. Uma maneira - não tão viável - para os fãs com deficiência auditiva assistirem a um torneio com alguma acessibilidade, mesmo que não seja 100%, é por meio das partidas gravadas. No caso de CBLOL e Brasileirão de R6, os espectadores podem assistir aos vídeos dos jogos com as legendas automáticas, com a ferramenta habilitada do próprio YouTube. Vale lembrar que não são todas as pessoas surdas que conhecem o português e, mesmo aquelas que ainda sabem ou conseguem fazer leitura labial, vão ter um grau de dificuldade para assistir.

Partida gravada entre INTZ e Pain pelo CBLoL com legenda automática — Foto: Reprodução

Em um passo dado em direção a acessibilidade, o Prêmio eSports Brasil tem um intérprete de Libras na transmissão desde 2019. Foi a primeira premiação desse gabarito a ter uma tradução para a língua dos sinais.

Por outro lado, na modalidade do Valorant, o campeonato feminino da Women’s Community Festival (WCF) que ocorreu em fevereiro, contou com a participação de uma intérprete de Libras, mas apenas em uma parte do torneio. Recentemente, a Gamers Club usou as legendas automáticas no Protocolo Gêneses, campeonato feminino de Valorant pelo VCT Game Changers.

As principais ligas mundiais, nas transmissões ao vivo, também não disponibilizam o closed captions. Semelhante ao que acontece no Brasil, não se tem recursos de acesso à informação dos surdos. As legendas automáticas nas partidas gravadas já é algo comum - principalmente que o recurso ajuda outras pessoas além do público com deficiência auditiva. Para o público brasileiro, nos vídeos de canais internacionais, como é o caso do Dota 2, a ferramenta disponibiliza tradução automática para o português, mas contém uma grande margem de erros.

Overwatch League — Foto: Divulgação/Blizzard

Mesmo não tendo a mesma repercussão como o The International ou o Worlds, a Overwatch League teve um marco nos eSports. Lançado em 2016, o FPS da Blizzard foi uma das primeiras modalidades a usarem legendas automáticas em campeonatos oficiais transmitidos. Nas finais da OWL 2018, a transmissão oficial na Twitch disponibilizou o closed captions. A ação não passou batido pelo público, que logo comemorou nas redes sociais o uso da ferramenta.

Nas finais do ano seguinte, a OWL manteve o recurso disponível. Embora a OWL seja transmitida em outra plataforma atualmente, o campeonato não abriu mão da ferramenta nos jogos ao vivo. No canal do Overwatch, os vídeos mais recentes também tem as legendas descritivas, que detalham o ambiente, músicas e indicam quem está falando. Para os brasileiros, ainda existe a questão da linguagem disponível nas legendas, mas para o público surdo ao redor do mundo, é um avanço.

No caso de eventos de jogos ou esportes eletrônicos, é comum ter mais acessibilidade na estrutura do lugar para pessoas com deficiência física, auditiva ou visual. A Playstation Experience sediou em 2018 a Capcom Cup finals de Street Fighter V. O evento presencial teve a participação de uma intérprete de língua de sinais para o público surdo. Nas redes sociais, o jogador de SFV da Gamers Origin, Olivier Hay, comentou que essa era a primeira vez que tinha visto algo parecido em um campeonato. Por outro lado, a PSX contou com um intérprete em cada painel do evento que foi providenciado pela Sony.

Intérprete na Capcom Cup Finals — Foto: Reprodução

Os "mega" eventos internacionais que acontecem todos os anos, como é a Comic Con, E3 ou Playstation Experience, é normal que tenha mais recursos de acessibilidade para o público, levando em consideração o meio de transporte e localização do evento.

Projetos, organizações e campeonatos de inclusão

Não muito diferente dos esportes tradicionais, os eSports contam diversos projetos de inclusão para o público surdo. Criado em 2016, a Deaf e-Sports League foi fundada por Vanderley "vaneov". A liga voltada para o público surdo teve torneios de Dota 2, CS:GO e League of Legends. Além das modalidades, a liga também contou com participantes de outros países da América do Sul, como Chile e o Peru. As ligas chamaram atenção do público, principalmente por se tratar de torneios com premiações em dinheiro. Um dos pioneiros para a inclusão de jogadores surdos, a Deaf e-Sports fechou as portas no início de 2018, mas abriu caminho para outros projetos de inclusão.

Em julho de 2019, André "Nerd Surdo" e Philipe "Lipex9O" criaram a Liga dos Surdos. A dupla é surda oralizada; Lipex9O é fluente em Libras, enquanto Nerd Surdo ainda está aprendendo a língua uma vez que não nasceu surdo e foi alfabetizado em português.

Os antigos membros da Deaf, inclusive, fazem parte desse coletivo hoje. Atualmente, a Liga conta com um quadro de interpretes de Libras - e que será expandindo para permitir que novas interpretes de libras entrem e ajudem para a inclusão de Libras no cenário. A Liga conta com três intérpretes de Libras: a já citada suuhgetsu, além de Ana Paula Perez e ArienTradutora.

O coletivo promove campeonatos para os jogadores surdos, já tendo produzido torneios de Fortnite e CS:GO - este em parceria com a Gamers Club, no final de 2019. O mais recente foi o Press Start, realizado em fevereiro deste ano.

Torneio da Liga dos Surdos em março, com Arien, Suuhgetsu e Ana como intérpretes — Foto: Divulgação/Liga dos Surdos

A Liga dos Surdos contempla Lol, CS:GO, Fortnite, Valorant, Teamfight Tatics e, em breve, Wild Rift. Na semana passada, como informou o próprio Nerd Surdo à reportagem, um treino ao vivo com os jogadores surdos foi realizado.

Outro detalhe é que, no Lol, o coletivo conta com o apoio da própria Riot Games nas premiações em RP. A Liga dos Surdos também se destaca nas redes sociais da publisher quanto no próprio lobby do jogo como forma de apoio. Ainda sobre o MOBA, a Liga foi responsável por criar o sinalário de League of Legends.

André se destaca também por ser streamer e apresentador de eSports com foco em público surdo e ouvinte. Nerd investe em outros projetos, sendo o mais recentemente a Carteirinha da Liga dos Surdos.

- Atualmente, pra conhecer melhor o público surdo, estamos testando e realizando um sistema de carteirinhas para os jogadores surdos para ampliar nosso conhecimento sobre os nosso jogadores e entender as melhores formas de ampliar as necessidades de nossos jogadores - como explicou à reportagem.

Carteirinha Liga dos Surdos — Foto: Divulgação/Liga dos Surdos

Um dos projetos de inclusão mais recentes no cenário de eSports é a Rise Academia. Fundada oficialmente em dezembro do ano passado, o projeto surgiu internamente da Gamer Squad, organização de eSports que conta com times nas modalidades de LoL, CS:GO, Free Fire, Valorant, Wild Rift e também conta com um departamento de psicologia.

A Rise é um projeto que oferece gratuitamente aulas e cursos de Libras para jogadores e pessoas surdas entusiastas dos eSports. A Academia conta com uma equipe especializada com intérpretes de Libras, manager, social media e recentemente anunciado, um embaixador.

Rise Academia, um projeto para divulgar conteúdos sobre acessibilidade e Libras nos eSports — Foto: Divulgação/RiseAcademia

Em conversa com o ge, Guilherme Cepeda, CEO e co-fundador da Rise Academia, explicou os módulos de aulas que estão disponíveis para o público, não apenas nos eSports.

- A gente separou o curso em três ciclos. Tem o ciclo básico, que é onde a pessoa vai aprender Libras, alfabeto, números, expressões, noção de pronomes, tipo de comprimentos, hora, minutos e calendário. Passando por esse módulo, a pessoa chega no intermediário, onde a gente tem aulas sobre a cultura surda, conversação, terminologia surdo e mudo, parte do singular e plural, profissão, redes sociais, verbos e formação de frases. Depois desse módulo, chega no ciclo de eSports, que entra na parte de formação de novas ou novos intérpretes de Libras, para ingressar no cenário de esporte eletrônico - contou Guilherme.

Dono da Gamer Squad, Guilherme cita que a tendência deveria partir do interesse das organizações - principalmente das que participam do CBLoL - em criar um departamento de acessibilidade e inclusão. O CEO comparou a falta desse departamento com alguns times que também não contam com um profissional de psicologia dentro da organização, que são duas áreas necessárias para o eSports.

Guilherme Cepeda, CEO da Gamer Squad e co-fundador da Rise Academia — Foto: Arquivo pessoal

Cepeda revelou os planos futuros para a Rise Academia, sendo um deles conseguir uma parceria com uma organização para dar mais visibilidade e para ter mais inclusão no cenário competitivo.

- Além de levar o básico de acessibilidade para o cenário [de eSports], o cenário também começar a realmente se preocupar com isso. Também esperamos um aumento de alunos na própria Rise, quanto mais pessoas se interessando em aprender Libras, acredito que mais a palavra vai se espalhar - finalizou.

A ideia é que a Rise Academia se se torne uma referência em acessibilidade e em inclusão dos surdos no esporte eletrônico futuramente. Dessa forma, os coletivos de inclusão ganham destaques justamente por cumprirem papel também de desmascarar o senso comum de que não há necessidade para legendas ou intérpretes.

Adaptação é o ideal, principalmente quando citamos o cenário de eSports. E não é de se estranhar que as reais mudanças venham primeiro das pessoas que sempre estiveram marginalizadas

Qual a importância do intérprete de Libras para o surdo?

A sua principal atribuição é garantir a intermediação comunitária entre os usuários da Língua Brasileira de Sinais, por meio da interpretação da língua oral-auditiva para a língua visuoespacial, e vice-versa.

Qual a importância de um intérprete?

O intérprete atualmente exerce a função de auxiliar no processo de desenvolvimento educacional, é o canal comunicativo entre surdos e ouvintes em que na maioria das situações ele é o único que conhece a língua do ambiente escolar.

Qual a importância do tradutor intérprete de Libras no processo de inclusão de surdos?

Por isso, a inclusão deve ocorrer desde a educação infantil (FERNANDES, 2005). A presença do interprete de libras em sala de aula tem como meta tornar os conteúdos acessíveis ao aluno surdo, sendo assim a função do interprete a de traduzir conteúdos para que sejam compreensíveis e que tenham sentido para o aluno surdo.

Qual a importância de se ter um intérprete de Libras no contexto da Educação inclusiva?

A presença do intérprete de Libras para mediar a comunicação em sala de aula é suma importância. No entanto, não é possível incluir um(a) aluno(a) surdo(a) em uma sala de aula regular apenas com a presença do intérprete, sem que a comunidade escolar se envolva no processo, garantindo a efetividade do ato inclusivo.