Qual o principal diferencial das escolas sociais da América Latina?

O presente artigo analisa o complexo processo de produção social da exclusão e seus efeitos no direito à educação. O autor descreve e interpreta três dinâmicas que interferem na realização desse direito nos países da América Latina e no Caribe: a pobreza e a desigualdade estruturais; a segmentação e a diferenciação dos sistemas nacionais de educação; e os sentidos que assume o direito à educação, numa cultura política marcada pelo desprezo aos direitos humanos e pela redução do valor da escolaridade aos efeitos que ela tem na concorrência pelos melhores postos no mercado de trabalho. O texto propõe redefinir a radicalidade do direito à educação como um direito humano fundamental, base para a construção de sociedades mais justas e igualitárias.

Direito à educação; Exclusão social e educação; Direitos humanos e educação; Política educacional na América Latina; Sistemas nacionais de educação


This paper analyses the complex process of the social production of exclusion and its effects on the right to education. The author describes and interprets three dynamics that interfere in the enforcement of this right in Latin American and the Caribbean: structural poverty and inequity; sectorization and differentiation of the national systems of education; and the meaning of the right to education in a political culture that disdains human rights and reduces the value of schooling to its effects on the competition for the best positions in the labor market. The text aims to redefine the radicality of the right to education as a fundamental human right, as the bedrock on which fairer and more equal societies can be built.

Right to education; Social and educational exclusion; Human rights and education; Educational policy in Latin America; National educational systems


ARTIGOS

O direito à educação e as dinâmicas de exclusão na América Latina

The right to education and exclusion dynamics in Latin America

Pablo Gentili

Doutor em Ciências da Educação, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e secretário executivo adjunto do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO). E-mail: [email protected]

RESUMO

O presente artigo analisa o complexo processo de produção social da exclusão e seus efeitos no direito à educação. O autor descreve e interpreta três dinâmicas que interferem na realização desse direito nos países da América Latina e no Caribe: a pobreza e a desigualdade estruturais; a segmentação e a diferenciação dos sistemas nacionais de educação; e os sentidos que assume o direito à educação, numa cultura política marcada pelo desprezo aos direitos humanos e pela redução do valor da escolaridade aos efeitos que ela tem na concorrência pelos melhores postos no mercado de trabalho. O texto propõe redefinir a radicalidade do direito à educação como um direito humano fundamental, base para a construção de sociedades mais justas e igualitárias.

Palavras-chave: Direito à educação. Exclusão social e educação. Direitos humanos e educação. Política educacional na América Latina. Sistemas nacionais de educação.

ABSTRACT

This paper analyses the complex process of the social production of exclusion and its effects on the right to education. The author describes and interprets three dynamics that interfere in the enforcement of this right in Latin American and the Caribbean: structural poverty and inequity; sectorization and differentiation of the national systems of education; and the meaning of the right to education in a political culture that disdains human rights and reduces the value of schooling to its effects on the competition for the best positions in the labor market. The text aims to redefine the radicality of the right to education as a fundamental human right, as the bedrock on which fairer and more equal societies can be built.

Key words: Right to education. Social and educational exclusion. Human rights and education. Educational policy in Latin America. National educational systems.

No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamava a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A ONU havia sido constituída apenas três anos antes, e esta seria, talvez, uma de suas resoluções mais ambiciosas. Ela também se transformaria em um dos exemplos mais eloquentes de que, apesar dos avanços alcançados, as aspirações igualitárias, que desde então fundamentaram acordos, declarações e tratados internacionais sobre os direitos humanos, estão marcadas pela assimetria abismal que separa os princípios que os fundamentam das ações e práticas que deveriam consagrá-los. Assim, a Declaração que estabeleceu a universalidade dos direitos humanos com base em um contundente arsenal de valores e normas democráticas completa 60 anos, ao passo que no Norte assim como no Sul, nas sociedades chamadas "avançadas" assim como nas que aspiram a sê-lo, esses direitos desfrutam uma potência declarativa bem mais contundente que sua eficácia política para contribuir com a organização da vida dos povos, suas relações e conflitos.

Não há como negar que, parafraseando Paulo Sérgio Pinheiro, toda celebração de um tratado ou declaração pelos direitos humanos costuma ser um "exercício de frustração". De fato, diversas tendências têm caracterizado a história contemporânea da educação latino-americana, colocando em evidência os sérios limites que são e serão enfrentados pela possibilidade de consolidar e ampliar as fronteiras do direito à educação no sentido que a Declaração Universal dos Direitos Humanos já proclamava em 1948. A combinação de alguns fatores define aquilo que, em outros trabalhos, identificamos como um processo de escolarização marcado por uma dinâmica de exclusão includente; isto é, um processo mediante o qual os mecanismos de exclusão educacional se recriam e assumem novas fisionomias, no contexto de dinâmicas de inclusão e inserção institucional que acabam sendo insuficientes ou, em alguns casos, inócuas para reverter os processos de isolamento, marginalização e negação de direitos que estão envolvidos em todo processo de segregação social, dentro e fora das instituições educacionais (Gentili, 1998; Gentili & Alencar, 2001; Gentili, 2007). O conceito de exclusão includente pretende chamar a atenção sobre a necessidade de pensar o conjunto de dimensões que estão presentes em todo processo de discriminação, alertando para o fato de que, a partir desta multidimensionalidade, a necessária construção de processos sociais de inclusão (associados à realização efetiva dos direitos humanos e cidadãos e à consolidação de relações igualitárias sobre as quais se constroem as bases institucionais e culturais de uma democracia substantiva) sempre depende de um conjunto de decisões políticas orientadas a reverter as múltiplas causas da exclusão, e não somente algumas delas, particularmente as mais visíveis.

Este último aspecto é fundamental, especialmente quando analisamos os processos de exclusão e inclusão no campo educacional. De fato, uma das dimensões mediante a qual historicamente se produziu a negação do direito à educação dos mais pobres foi o não reconhecimento desse direito na legislação nacional, ou reconhecê-lo de forma fraca, indireta ou restrita, assim como o impedimento ao acesso de grandes setores da população aos níveis mais básicos da escolaridade, mesmo quando a legislação nacional assim o exigia. Excluídos de fato e de direito, os pobres viram suas oportunidades educacionais se diluírem em um arsenal de dispositivos e argumentações mediante os quais se justifica sua baixa ou nula presença nos âmbitos educacionais. No início do século XXI, esta situação havia mudado de maneira notável. Hoje, "a probabilidade de que os meninos e as meninas com menos de 5 anos terminem seus estudos primários em 2015 é igual ou superior a 95% na Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México, Panamá, Peru e Uruguai, e se situa entre 90% e 95% no Brasil, Costa Rica e Venezuela" (UNICEF, 2006, p. 44). É no mínimo curioso o fato de que países que enfrentaram (ou ainda enfrentam) o rigor de políticas neoliberais de ajuste e privatização, principalmente durante os anos de 1990, tenham alcançado níveis de universalização nas oportunidades de acesso à educação básica iguais ou muito semelhantes aos de Cuba, cuja reforma educacional foi resultado de um processo revolucionário que já dura cinco décadas. Uma análise mais detalhada, contudo, revela que o problema é bem mais complexo, e é possível chegar a essa conclusão quando se estuda o conjunto de fatores que socialmente produzem a exclusão educacional nas sociedades latino-americanas.1 1 . Ver a esse respeito os diversos estudos sobre o direito à educação na América Latina promovidos pelo Fórum Latino-Americano de Políticas Educacionais (FLAPE): www.foro-latino.org 2 . Duas importantes compilações que contribuem para uma compreensão dialética dos processos de exclusão podem ser encontradas em Karsz (2004) e Paugan (1996). 3 . Sobre os efeitos da fome na aprendizagem, ver o relevante estudo do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (2006). Também, sobre o impacto que as péssimas condições de saúde e as fracas políticas públicas do setor geram na população infantil e juvenil mais pobre, ver o último Relatório sobre a Saúde no Mundo (OMS, 2008), dedicado aos primeiros atendimentos na saúde. 4 . Embora tenha diminuído em termos relativos, o número de pobres aumentou em termos quantitativos em relação a 1980, quando estes chegavam a 140 milhões de habitantes em toda a região. 5 . Em alguns países, a redução dos níveis de pobreza e indigência foi muito significativa. Entre 2002 e 2006, por exemplo, a Argentina reduziu seus índices de pobreza em 18% e de indigência em 22%. Na Venezuela, entre 2002 e 2007, a redução foi de 12% e 17%, respectivamente. Em quase todos os países, com exceção do Uruguai, onde a pobreza cresceu 3% e a indigência 4% entre 2002 e 2007, a diminuição desses índices foi superior a 5% (CEPAL, 2008). 6 . Em países como Uruguai, Argentina, Venezuela, Panamá, Brasil, México, Equador, Colômbia, El Salvador, Bolívia, Chile, Guatemala, Paraguai, Nicarágua e Honduras, os índices de pobreza entre a população de 0 a 18 anos chegam a ser quase o dobro que o da população com 19 a 64 anos (CEPAL, 2008). 7 . No Brasil, por exemplo, a taxa de alfabetização para a população branca urbana com mais de 25 anos é de 93,7%, ao passo que a da população negra é de 85,7%. No meio rural, os brancos com mais de 25 anos possuem uma taxa de alfabetização de 79,5% e os negros, de 62,2%. A média de anos de estudo no meio urbano para a população branca é de 8,1, ao passo que a da população negra é de 6,2; no âmbito rural, as taxas são de 4,3 e 2,9, respectivamente. No Equador, a taxa de analfabetismo da população branca é de 4,7%, dos afro-equatorianos é de 10,3% e dos indígenas é de 28,1% (Paixão & Carvano, 2008). Na Colômbia, de acordo com dados do Censo Geral de 2005, o índice de analfabetismo entre a população negra é de 10,92% e entre a população não negra é de 6,91%. Nos Departamentos de Nariño e Choco a diferença é ainda maior: 22,23% - 9,24% e 18,24% - 12,74%, respectivamente (Observatório da Discriminação Racial: http://odr.uniandes.edu.co/pdfs/Cifras/Analfabetismo.pdf ). Na Bolívia, a população indígena possui quase 4 anos a menos de escolaridade (5,9 anos) que a não indígena (9,6 anos). Um terço das crianças indígenas bolivianas entre 9 e 11 anos trabalha, proporção quatro vezes superior à das crianças não indígenas. Os guatemaltecos indígenas entre 15 e 31 anos apresentam uma média de 3,5 anos de escolaridade, ao passo que os não indígenas apresentam uma média de 6,3 anos. Apenas a metade da população indígena da Guatemala sabe ler e escrever, ao passo que pouco mais de 82% da população não indígena o faz. Quase 45% da população indígena guatemalteca abandona o primeiro ano de seu processo de escolarização. No México, a população indígena adulta possui menos de 4,6 anos, ao passo que entre a população não indígena esse índice é de 7,9. Um quarto da população indígena é analfabeta, ao passo que 6,4% dos não indígenas o são. No caso das mulheres indígenas, essa diferença é ainda maior: elas possuem quase 5 anos a menos de escolaridade que as mulheres não indígenas (Hall & Patrinos, 2006). 8 . Em nossos países é comum estudar muito mais a produção social da pobreza que a da riqueza. Dessa forma, costumam também ser muito mais frequentes estudos sobre as condições da educação dos excluídos que estudos os quais abordam as formas e oportunidades educacionais dos mais ricos. A ausência de estudos sobre a produção social da riqueza e da educação é um sério limite para uma análise rigorosa da exclusão educacional, à qual está associada. Não é possível compreender a produção social da miséria sem que se entendam os mecanismos de produção social da riqueza, aspectos que, no campo educacional, adquirem particular relevância. Uma exceção a esta observação pode ser encontrada nas pesquisas de Tiramonti e Ziegler (2008) e nas de Almeida e Nogueira (2002). 9 . Diversos estudos sobre os processos de discriminação racial no campo educacional podem ser encontrados no centro de documentação do Observatório Latino-Americano de Políticas Educacionais, do Laboratório de Políticas Públicas OLPED/LPP: www.olped.net 10 . Importantes contribuições nesta direção podem ser encontradas em Tedesco (2005), Azevedo (2008) e Tenti (2008).

Qual a principal diferença das escolas sociais na América Latina?

Resposta verificada por especialistas. A América Latina sofreu muita repressão no que tange ao seu desenvolvimento e emancipação. Nesse sentido, o principal diferencial das escolas sociais dessa região diz repeito ao estudo das segregações raciais, financeiras e as sequelas que a escravidão deixou.

Como é a educação na América Latina?

A educação na América Latina não registra progresso notável desde 2013. Mesmo um ano antes da pandemia de covid-19, em média, mais de 40% dos alunos da terceira série do ensino básico e mais de 60% dos alunos da sexta série não alcançavam o nível mínimo de habilidades fundamentais em leitura e matemática.

Qual foi a primeira Escola de Serviço Social da América Latina?

A primeira Escola de Serviço Social latino-americana foi fundada no Chile, em 1925, por Alejandro Del Rio tendo, como principal influência, a experiência católica belga.

Onde surgiu a segunda Escola de Serviço Social da América Latina?

ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1970., p. 19). No contexto latino-americano, as primeiras sinalizações do Serviço Social remetem a meados de 1925, quando "foi criada a primeira escola dessa especialidade em Santiago, no Chile".