Qual o recurso utilizado no soneto para simbolizar o estado em que se encontra o eu lírico justifique?

1 literatura Abaurre Pontara Cesila professor módulo 4 classicismo Coleção particular CAPÍTULOs Festa dos deuses, de Ticiano ( ). No Classicismo, são recorrentes imagens da cultura clássica, sobretudo as representações dos deuses pagãos. 1 Classicismo: noções gerais 2 Camões: poesia lírica e épica

2 Professor: Procure levar os alunos a perceber que há uma relação de continuidade entre o Humanismo, anteriormente estudado, e o Renascimento. Isso os ajudará a entender que a história é um processo e que suas mudanças interferem em todas as ações humanas, incluindo a produção literária. Imitar os Antigos supunha opor-se à linguagem rude, às formas indisciplinadas e ao cunho popular da poesia medieval. Supunha principalmente imitar a perfeição dos modelos, dos paradigmas, das formas, das imagens e dos processos clássicos. CUNHA, Maria Helena Ribeiro da. Preliminares. In: A literatura portuguesa em perspectiva; Classicismo/Barroco/Arcadismo. v. 2. São Paulo: Atlas, p. 19. (Fragmento.) Professor: Consulte o Plano de Aulas. As orientações pedagógicas e sugestões didáticas facilitarão seu trabalho com os alunos. em segundo plano O Deus todo-poderoso do período medieval é relegado a segundo plano, permitindo que o ser humano ocupe o centro dos acontecimentos. Essa mudança de mentalidade, que se iniciou com o Humanismo, chega ao apogeu com o Renascimento. Objetivos Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de: identificar o Renascimento; reconhecer as características do Classicismo português; identificar os principais temas e explicar os elementos mais marcantes da lírica e da épica camonianas. 2

3 Palas e o centauro, 1482, de Sandro Botticelli. Galeria degli Uffizi, Florença 3

4 Capítulo 1 Classicismo: noções gerais MoMA, Nova York Figura 1 Vênus e Marte unidos pelo Amor, c. 1570, de Paolo Veronese. Leitura da imagem 1 Descreva brevemente os elementos presentes no quadro. No primeiro plano há uma mulher e um homem e, logo abaixo, uma criança alada, que ata as pernas dos dois com uma espécie de tira de pano. A mulher parece tranquila, e o homem, cansado, extenuado. Ao fundo descortina-se uma paisagem, e é possível identificar outra criança alada, ao lado de um cavalo, com uma espada muito provavelmente pertencente ao homem da imagem, retratado como um guerreiro, um soldado. 4

5 2 Relacione o título do quadro Vênus e Marte unidos pelo Amor às três personagens nele representadas. O amor é representado pelo deus Cupido, a criança alada que une as duas personagens que aparecem no primeiro plano. A mulher representa Vênus, deusa do amor, e o homem, Marte, deus da guerra. 3 Pensando nas características dos deuses Vênus e Marte um representando o amor e o outro representando a guerra, podemos dizer que há, no quadro, uma união de elementos opostos por meio do deus Cupido. Explique essa afirmação. No quadro há uma união de opostos, porque amor e guerra envolvem sentimentos conflitantes: um pressupõe afinidade e o outro, desavença. Cupido, deus do amor, é o responsável pela união, sugerindo que, por meio do amor, é possível transformar a discórdia em afeto. Leitura do texto Agora leia um conhecido poema de Luís de Camões: Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor? CAMÕES, Luís Vaz de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, p Qual é o tema central do poema? O texto discute o amor e suas contradições: fogo que arde sem se ver, ferida que dói, e não se sente, contentamento descontente etc. Por meio de antíteses e paradoxos, o eu lírico tenta definir e entender o sentimento amoroso. 5

6 5 Que relação pode ser estabelecida entre o tema do poema e o quadro de Paolo Veronese? O quadro de Veronese também retrata o amor. Além disso, associa esse sentimento a uma relação de oposição: o amor foi capaz de aproximar Vênus (deusa do amor) de Marte (deus da guerra). Como no poema de Camões, portanto, Veronese sugere que o amor (representado pelo deus Cupido, no quadro) é um sentimento capaz de promover a aproximação de opostos, de conciliar o inconciliável. 1 O Renascimento na Europa O abandono da perspectiva teocêntrica medieval e a retomada dos ensinamentos e modelos da Grécia e de Roma definem o Renascimento. Esse termo foi escolhido para identificar o desejo de promover uma renovação filosófica, artística, econômica e política, de modo que recriasse, na Europa, uma sociedade organizada com base nos princípios da Antiguidade clássica. O fascínio pela vida das cidades e o desejo de desfrutar os prazeres que o dinheiro podia proporcionar levaram a sociedade renascentista a cultivar cada vez mais os valores terrenos. O ser humano e sua felicidade imediata eram o centro dessa nova visão, segundo a qual o desafio de viver bem no mundo temporal era mais excitante do que a promessa de um paraíso futuro. A Europa reencontra, no movimento renascentista, o antropocentrismo que havia definido a civilização greco-latina. Até hoje, as obras de artistas como Michelangelo, Leonardo da Vinci, Ticiano, Botticelli e Rafael refletem o esplendor da forma humana como medida da perfeição total. 2 O projeto literário do Classicismo Isto é essencial! Classicismo é a denominação da tendência artística que revitalizou a tradição clássica de afirmar a superioridade humana. Para recriar os ideais da Antiguidade greco-latina, o Classicismo valorizou as proporções, o equilíbrio das composições, a harmonia das formas e a idealização da realidade. Manifestou-se tanto nas artes plásticas quanto na música, na literatura e na filosofia. 6 Associado ao Renascimento, o Classicismo revela em seu nome a principal característica de seu projeto literário: a retomada de modelos da Antiguidade clássica. O modelo medieval mostrava um ser humano atormentado, ajoelhado aos pés de Deus e ansioso por ver perdoados os seus pecados. Segundo essa visão cristã, uma vida marcada pelo sofrimento é que permitiria a purificação dos pecados. O Classicismo promove uma transformação radical. É hora de o ser humano orgulhar-se de suas conquistas e buscar a felicidade terrena. Para isso, é necessário valorizar o esforço individual, que se manifesta tanto no investimento em educação como na participação social mais ativa.

7 2.1 Contexto de produção da literatura Se na Idade Média muitos dos trovadores eram nobres que compunham suas cantigas e as apresentavam para outros membros do mesmo segmento social, no Renascimento esse cenário será alterado com o surgimento de jovens artistas, geralmente filhos de pequenos comerciantes, que vivem sob a proteção dos mercadores mais ricos e poderosos, para os quais produzem. A cultura vira um bem precioso para os novos-ricos, porque, patrocinando artistas e poetas, eles justificam sua aceitação pela nobreza. Essa troca de interesses entre burgueses e artistas faz aparecer a figura do mecenas. O mecenas era o burguês rico que exibia sua fortuna e seu poder por meio das pinturas e esculturas que encomendava para decorar seus palácios ou mediante os poemas que imortalizavam seu nome. É nesse contexto que a pintura de retratos passa a ser muito valorizada. Mecenato e explosão artística A arte assumiu um papel político para os novos-ricos italianos. Por intermédio dos artistas que financiavam, os mecenas afirmavam a extensão de seu poder. A batalha de egos travada entre mecenas de cidades como Mântua, Ferrara e Veneza desencadeou uma verdadeira explosão artística na Europa do século XV. A Igreja, que havia perdido poder temporal, entrou na disputa pelos artistas mais famosos e fez aumentar a corrida por obras de pintores como Rafael e Michelangelo. Estes, por sua vez, também competiam entre si, desejosos de superar o trabalho dos rivais. Como resultado dessa concorrência, foram criadas obras imortais, como os afrescos da Capela Sistina, encomendados a Michelangelo pelo papa Júlio II, e os afrescos da Stanza della Segnatura, também no Vaticano, feitos por Rafael. Figura 2 Retrato do doge Leo nardo Loredano, 1501, de Giovanni Bellini. National Gallery, Londres, Reino Unido. A circulação das obras literárias continua sob o impacto da invenção da prensa móvel. A maior facilidade de impressão faz com que mais cópias de uma mesma obra sejam produzidas, barateando o custo dos livros e tornando-os acessíveis a um maior número de pessoas. As universidades tornam-se os grandes centros públicos de leitura e discussão. Os mecenas encomendam cópias dos textos de filósofos e poetas para montar bibliotecas particulares. Galeria Nacional, Londres 2.2 O público e o Classicismo Na Europa do Renascimento, as cortes ainda são centros de poder e, portanto, de produção cultural. O enriquecimento dos mercadores e comerciantes, porém, amplia o público dos textos literários e filosóficos, incluindo agora a burguesia em ascensão. Os filhos dos ricos comerciantes são, a partir desse momento, mais numerosos nas universidades do que membros da nobreza de sangue. A cultura torna-se, para essas pessoas, sinônimo de qualificação social, já que não contam com um sangue nobre que lhes garanta prestígio e reconhecimento imediato. A educação traz para o primeiro plano a leitura, e os jovens burgueses leem muito. As obras de Platão e Aristóteles, as tragédias de Ésquilo e Eurípides, os tratados de oratória de Cícero, as odes de Horácio, os poemas épicos de Homero e Virgílio são alguns dos textos clássicos estudados e discutidos nas universidades. 7

8 2.3 Um olhar racional para o mundo Para revelar o que está no universo, o artista do Classicismo adota a razão como parâmetro de observação e interpretação da realidade. O olhar racional desencadeia, na literatura, uma das características mais marcantes da poesia do período: a tentativa de explicar os sentimentos e as emoções humanas. O soneto, tipo de composição preferida dos clássicos, revela o desejo de adaptar a expressão lírica a uma forma que permita o desenvolvimento de um raciocínio completo. No soneto a seguir, o eu lírico reflete sobre a essência e os efeitos do amor. Desenvolvimento do tema Nas duas primeiras estrofes, o eu lírico mostra, com as perguntas que faz, a natureza contraditória do sentimento amoroso. Em princípio, o amor deveria ser um bom sentimento, mas sua ação é mortal; deveria ser doce, mas provoca o tormento de quem se apaixona. A segunda estrofe revela que, mesmo quando é resultado da intenção do sujeito ( eu ardo por querer ), o sentimento amoroso não causa as reações esperadas, tamanho o poder que tem sobre as pessoas. Conclusão do raciocínio Incapaz de explicar racionalmente a natureza do amor, o eu lírico conclui que não pode reclamar de seus efeitos porque eles ocorrem com seu consentimento ( se eu consinto sem razão pranteio ). Procura, então, uma imagem que possa definir melhor seu comportamento e apresenta-se como uma barca desgovernada em alto-mar. Na última estrofe, admite que não foi capaz de explicar o que é o amor (seu conhecimento é insuficiente) nem de definir o que deseja. Só consegue reconhecer seu comportamento contraditório (tremer no verão e arder no inverno). Se amor não é qual é este sentimento? Mas se é amor, por Deus, que cousa é a tal? Se boa por que tem ação mortal? Se má por que é tão doce o seu tormento? Se eu ardo por querer por que o lamento Se sem querer o lamentar que val? Ó viva morte, ó deleitoso mal, Tanto podes sem meu consentimento. E se eu consinto sem razão pranteio. A tão contrário vento em frágil barca, Eu vou por alto-mar e sem governo. É tão grave de error, de ciência é parca Que eu mesmo não sei bem o que eu anseio E tremo em pleno estio e ardo no inverno. PETRARCA. Poemas de amor de Petrarca. Trad. Jamil Almansur Haddad. Rio de Janeiro: Ediouro, p. 63. Paradoxos e antíteses Na poesia, a tentativa de conciliar razão e sentimento costuma ser apresentada por meio de uma figura de linguagem chamada paradoxo, que é a associação de ideias contraditórias. Petrarca usa essa figura para definir o amor: ele é apresentado como doce (...) tormento, viva morte e deleitoso mal. Morte é o contrário de vida. Quando o amor é caracterizado como uma viva morte, cria-se a contradição de ideias que define um paradoxo. Outra figura de linguagem empregada para apresentar imagens ou características que se opõem é a antítese. A diferença entre a antítese e o paradoxo é pequena. A antítese expressa modos diferentes e opostos de caracterizar um mesmo elemento. No soneto de Petrarca, ocorre uma antítese na oposição entre coisa boa e coisa má nos dois últimos versos da primeira estrofe. Os adjetivos boa e má indicam possibilidades opostas de caracterização do amor. Se fosse um paradoxo, o amor seria apresentado como bom e mau, simultaneamente. Essas duas figuras de linguagem foram muito usadas pelos poetas do Classicismo. 2.4 A perspectiva humanista Outra consequência do desejo de compreender o mundo é procurar conhecer a natureza humana. Esse interesse manifesta-se, por exemplo, nos detalhados estudos de anatomia realizados por pintores como Leonardo da Vinci. Os grandes artistas preocupavam-se em compreender a mecânica dos movimentos para representar o corpo humano de modo harmônico, respeitando as relações de proporção entre as partes e revelando uma concepção de beleza associada à harmonia e à simetria. 8

9 A beleza da perfeição humana Michelangelo teria dito, a respeito de suas esculturas, que só tirava as sobras do mármore, porque as esculturas já estavam lá dentro, esperando ser libertadas. Na verdade, a precisão dos detalhes, a proporção entre os membros, a expressividade do olhar, a representação minuciosa de veias e músculos dão a medida do conhecimento que ele tinha do corpo humano, visto como expressão máxima da perfeição da natureza. Figura 3 Davi, , de Michelangelo. Escultura em mármore. Galleria dell Accademia, Florença 2.5 Resgate da poesia clássica Os poemas do Classicismo giram em torno da temática amorosa (em que o eu lírico manifesta um amor puro, de absoluta devoção à mulher amada, dona de uma beleza perfeita) ou bucólica (em que a natureza é caracterizada como espaço em que a harmonia, a simplicidade e o equilíbrio são expressão de felicidade). A poesia épica, que exaltava os feitos heroicos, também é retomada. Em Portugal, surge o maior poema épico da língua portuguesa: Os lusíadas, de Luís de Camões. Outros temas explorados serão extraídos da poesia de Horácio (65 a.c.-68 a.c.), grande poeta latino. Destacam-se o carpe diem 1 e as reflexões sobre o impacto da passagem do tempo sobre o ser humano e a natureza. Não indagues, Leucónoe Não indagues, Leucónoe, ímpio é saber, a duração da vida que os deuses decidiram conceder-nos, nem consultes os astros babilônios: melhor é suportar tudo o que acontecer. (...) Enquanto conversamos, foge o tempo invejoso. Desfruta o dia de hoje [carpe diem], acreditando o mínimo possível no amanhã. HORÁCIO. Poesia grega e latina. Trad. Péricles E. da S. Ramos. São Paulo: Cultrix, p (Fragmento.) 1 Ex pres são latina que pode ser traduzida como desfrute o dia ou aproveite o dia. Glossário Ímpio. Terrível. A natureza como expressão de beleza, harmonia e equilíbrio também é frequentemente usada como termo de comparação para a beleza feminina ou como parâmetro para os sentimentos humanos. 3 O Classicismo em Portugal Os reis portugueses começaram a lançar suas caravelas em busca de novas terras e novas rotas marítimas ainda no século XV. Impulsionados pelo desejo de acumular riquezas, pela sedução da aventura, pelo mistério que cercava a imagem que tinham de lugares distantes e, principalmente, pela necessidade de livrar-se da dependência dos mercadores venezianos para conseguir as especiarias tão valo- 9

10 rizadas e apreciadas na corte, seu maior desejo era descobrir o caminho marítimo para as Índias e para o Extremo Oriente. O século XVI encontra Portugal realizando as grandes navegações, que cruzavam o oceano Atlântico e ampliaram, aos poucos, o Império Lusitano ultramarino. É nesse contexto de prosperidade econômica que o Classicismo chega ao país. 3.1 A poesia de Francisco de Sá de Miranda Acervo Iconographia Figura 4 O poeta Sá de Miranda. A volta do poeta Francisco de Sá de Miranda da Itália, em 1526, é considerada o momento inicial do Classicismo em Portugal. A importância de sua viagem é muito grande, porque foi na Itália que Sá de Miranda, educado segundo uma mentalidade medieval, entrou em contato com a visão humanista e as inovações literárias do período, principalmente a partir da leitura da obra de Petrarca. Tanto sua formação medieval quanto as novas ideias renascentistas terão expressão em sua obra. Inspirado no mestre italiano, ele começou a utilizar as formas poéticas características do Classicismo, inovando a cena literária portuguesa, que ainda cultivava estruturas típicas da poesia medieval. Usou a medida nova e a velha em seus poemas, que, pelos temas abordados, revelam uma face voltada para o passado e outra para o presente. Quando faz o elogio da vida rústica e defende a preservação da liberdade individual, assume um perfil renascentista. Quando critica os costumes, a ambição provocada pelo ouro e a corrupção moral, mostra sua face mais conservadora e moralista. Exercícios dos conceitos Leia o soneto a seguir, do poeta italiano Petrarca, para responder às questões de 1 a 5. Quando entre outras vens, clara Senhora, Em tua face Amor ledo fulgura; Quando cada uma é menos bela e pura Que tu, minha alma bem mais se enamora. Glossário Ledo. Alegre. Fulgura. Brilha, resplandece. Ventura. Destino, sorte, felicidade. Honor. Honra. Dignada. Digna. Sumo. Supremo. Destra. Direita, correta. E eu bendigo o lugar, o tempo e a hora Em que mirei tão soberana altura. E digo: Alma, agradece a alta ventura, De ser de tanto honor dignada agora. Dela te vem esta amorosa ideia, Que, a quem a segue, ao sumo Bem envia, Pouco prezando o que cada um anseia; É dela que provém graça animosa, Que ao céu te eleva pela destra via. E esta esperança faz a alma orgulhosa. PETRARCA. Poemas de amor de Petrarca. Trad. Jamil Almansur Haddad. Rio de Janeiro: Ediouro, p

11 Francesco Petrarca ( ), poeta e humanista, é considerado um dos maiores nomes da poesia italiana. Conhecido principalmente por sua lírica amorosa e por ter fixado a forma do soneto, Petrarca representa, na literatura, a mais perfeita expressão dos ideais renascentistas. Sua poesia amorosa inspirada por Laura, a quem amou durante toda a vida, influenciou inúmeros poetas europeus. Ecos de seus versos podem ser percebidos em Camões, Sá de Miranda e Shakespeare, entre outros. Galeria degli Uffizi, Florença Francesco Pe trarca 1 Nesse soneto, é possível identificar tanto a caracterização da mulher amada quanto a do eu lírico. a) Como a mulher amada é caracterizada no soneto? A mulher amada é caracterizada como uma Senhora, cuja presença, entre outras mulheres, faz com que estas pareçam menos belas e puras. Ela também é apresentada como alguém de soberana altura, cuja graça animosa tem o poder de elevar aos céus a alma de quem a contempla. b) E o eu lírico? O eu lírico, por sua vez, é alguém que se enamora cada vez mais ao contemplar a manifestação de perfeição de sua Senhora. Bendiz o momento e o lugar em que pôde ver tanta beleza e ordena à sua alma que agradeça por tão grande honra. 2 Essa caracterização da mulher corresponde a uma idealização. a) Explique por quê. Ao caracterizar a Senhora como a mais bela e pura entre as mulheres e qualificá-la como alguém de soberana altura, o eu lírico a define como exemplo de perfeição, por quem sua alma se enamora irremediavelmente. Como nenhum ser humano é totalmente perfeito, o que constatamos é o processo de idealização da mulher amada. b) A imagem de mulher presente no poema pode ser considerada típica do Classicismo? Explique. Sim. A visão da mulher como símbolo de perfeição é típica do Classicismo, já que essa idealização é o que permite a manifestação do amor neoplatônico. Essa mulher perfeita é o que desencadeia o amor espiritualizado, puro, capaz de libertar o eu lírico dos desejos profanos e, por meio da purificação de seus sentimentos, elevar sua alma ao céu pela destra via. 11

12 3 Qual é o raciocínio desenvolvido pelo eu lírico para explicar seus sentimentos nas duas primeiras estrofes do soneto? Segundo o eu lírico, a visão da perfeição e da beleza da Senhora tem como consequência o fato de ele enamorar-se ainda mais dessa mulher e determina que ele não só bendiga o momento e o lugar em que a viu, mas também que ordene à sua alma que agradeça a honra de ter podido contemplar tamanha beleza. 4 Releia os dois tercetos do soneto. Neles, o eu lírico apresenta a consequência advinda do fato de sua alma ter contemplado tão soberana altura. a) Que consequência é essa? A consequência que advirá do fato de o eu lírico enamorar-se dessa mulher e de poder contemplá-la é seguir a amorosa ideia e a graça animosa que vêm da Senhora e, assim, ser enviado ao Bem supremo. Por meio desse processo de purificação dos sentimentos, ele terá sua alma elevada ao céu pela destra via. E essa esperança faz com que a alma fique orgulhosa. b) Explique por que essa atitude do eu lírico expressa uma visão de amor típica do neoplatonismo. Na visão neoplatônica, a partir de um amor puro, o indivíduo liberta-se das realidades ilusórias e contempla o belo em si, o mundo das essências. Dessa forma, ele se aperfeiçoa como ser humano. É o que ocorre com o eu lírico nesse soneto: a contemplação da mulher perfeita e o sentimento desencadeado por sua visão fazem com que ele conheça a graça suprema e tenha sua alma elevada, sentindo-se, dessa forma, pleno. 5 Com base na leitura do soneto e no que você aprendeu sobre o Classicismo, responda: a) Como pode ser caracterizado o tipo de amor que essa mulher desperta no eu lírico? Trata-se de um amor absoluto, de total devoção, que não busca recompensas ou realização carnal. Por esse motivo, é um amor mais distanciado, idealizado, puro. b) De que forma a manifestação desse sentimento indica a filiação do soneto de Petrarca ao Classicismo? A visão desse amor mais puro, idealizado, por uma mulher de beleza extrema, a quem o eu lírico louva, exaltando a perfeição, é um tema típico do Classicismo. 12

13 Professor: Consulte o Banco de Questões e incentive os alunos a usar o Simulador de Testes. Retomada dos conceitos Texto para a questão 1. (...) Que obra de arte fantástica é o Homem: tão nobre no raciocínio, tão vário na capacidade; em forma de movimento, tão preciso e admirável; na ação é como um anjo; no entendimento é como um Deus; a beleza do mundo, o exemplo dos animais. (...) SHAKESPEARE, William. Hamlet. 1 (Ufla-MG) Shakespeare, autor renascentista, no trecho da peça teatral Hamlet citado acima, está valorizando a figura do ser humano. Essa postura adotada pelo autor pode ser entendida como a quebra de um paradigma na época do Renascimento. Entre as alternativas abaixo, assinale a que não demonstra mudanças comportamentais próprias do Renascimento. a) A sociedade adota uma postura anticlerical e antiescolástica, revigorando os valores pré-feudais oriundos da Antiguidade clássica. b) A sociedade adota o regime absolutista, em que o soberano exerce o poder sem quaisquer limites. c) Com a consolidação da burguesia como classe social, surgem os mecenas, que financiavam obras artísticas e experimentos científicos. d) A valorização da figura humana passa a ser a inspiração para a pintura, escultura e outras áreas. e) Considerando-se a capacidade de raciocínio do ser humano, a burguesia passa a financiar a expansão marítima, o que, consequentemente, gerou a expansão comercial. 2 (Unicamp-SP) Leia com atenção os poemas transcritos a seguir: Cantiga, partindo-se Senhora, partem tão tristes meus olhos por vós, meu bem, que nunca tão tristes vistes outros nenhuns por ninguém. O absolutismo é um regime político que será adotado pelas mo narquias europeias apenas a partir dos séculos XVII e XVIII, sendo posterior, portanto, ao Renas cimento. Tão tristes, tão saudosos, tão doentes da partida, tão cansados, tão chorosos, da morte mais desejosos cem mil vezes que da vida. Partem tão tristes os tristes, tão fora de esperar bem, que nunca tão tristes vistes outros nenhuns por ninguém. João Roiz de Castelo Branco, Cancioneiro Geral de

14 Glossário Leda. Alegre. Marchetada. Esmaltada, matizada. Soneto Aquela triste e leda madrugada, cheia toda de mágoa e de piedade. Enquanto houver no mundo saudade, quero que seja sempre celebrada. Ela só, quando amena e marchetada saía, dando ao mundo claridade, viu apartar-se de uma outra vontade, que nunca poderá ver-se apartada. Ela só viu as lágrimas em fio, que duns e doutros olhos derivadas, se acrescentaram em grande e largo rio; O Re nascimento vai produzir a reflexão sobre a inadequação das instituições e relações feudais e caracterizar-se por uma visão antropocêntrica. Ela viu as palavras magoadas. que puderam tornar o fogo frio e dar descanso às almas condenadas. Luís de Camões Ambos os poemas desenvolvem o tema da dor da separação, mas tratam-no de forma diferente. Exponha em que consiste esse tratamento diferenciado do tema, em cada poema. No primeiro poema, de João Roiz de Castelo Branco, o eu lírico tem a amada como interlocutora e, metonimicamente, fala do sofrimento amoroso através de seus olhos. No poema de Camões, o sofrimento dos amantes é traduzido pela natureza, mais especificamente pela madrugada, que, testemunhando sua separação, reflete em suas características o sofrimento de ambos ( Aquela triste e leda madrugada... ). 3 (Unifenas-MG) Além de Dante, Francesco Petrarca, que viveu no século XIV, também escreve poesia, valorizando uma temática comprometida com a existência humana, o amor de um homem por uma mulher, assim como apresentando os valores essencialmente humanos das antigas Grécia e Roma. Destas obras, como de muitas outras, originou-se o antropocentrismo, que situa o homem como centro das preocupações e opõe a fé à razão. OLIVIERI, Antônio Carlos. O Renascimento. São Paulo: Ática, O texto acima evidencia uma importante característica do Renascimento cultural. Com base na leitura dele e em seus conhecimentos, assinale a alternativa incorreta. a) O Renascimento não foi um acontecimento isolado, pois está inserido numa ampla transformação não só cultural como também econômica, social, política e religiosa, sendo considerado um elemento de ruptura com a Idade Média. b) Como manifestação cultural, o Renascimento dá início a uma nova visão do mundo, deslocando o interesse do campo religioso, típico da Idade Média, para o campo profano, do sobrenatural e divino, para a realidade humana.

15 c) O Renascimento é a expressão de uma nova mentalidade gerada no centro das relações feudais, no qual o fortalecimento de suas instituições possibilitou o surgimento de uma nova ordem, intelectual e cultural. d) O Renascimento teve como base o Humanismo, que, sendo a princípio um termo para designar o estudo da Antiguidade Clássica, passa a ser o estudo e a glorificação do indivíduo, sendo o veículo pelo qual os homens tomarão consciência de seu tempo. e) A Renascença manifestou-se primeiramente na Itália, difundindo-se posteriormente para o exterior, atingindo quase todos os países da Europa ocidental, mas em nenhum deles o movimento foi tão expressivo quanto entre os italianos. 4 (Fuvest-SP) Quando da bela vista e doce riso, tomando estão meus olhos mantimento 1, tão enlevado sinto o pensamento que me faz ver na terra o Paraíso. Tanto do bem humano estou diviso 2, que qualquer outro bem julgo por vento; assi, que em caso tal, segundo sento assaz de pouco faz quem perde o siso. Em vos louvar, Senhora, não me fundo 3, porque quem vossas cousas claro sente, sentirá que não pode merecê-las. Que de tanta estranheza sois ao mundo, que não é d estranhar, Dama excelente, que quem vos fez, fizesse Céu e estrelas. Camões a) Caracterize brevemente a concepção de mulher que esse soneto apresenta. A mulher é apresentada como um exemplo perfeito da criação divina, que Glossário Sento. Sinto, do verbo sentir. 1 Meus olhos estão tomando consciên cia. 2 Estou separado, apartado. 3 Não me empenho. eleva o pensamento do eu lírico e está acima das coisas terrenas. Em resumo, é uma concepção neoplatônica de mulher. b) Aponte duas características desse soneto que o filiam ao Classicismo, explicando-as sucintamente. Podemos apontar como características do Classicismo a concepção neoplatônica do amor (visão da mulher pura, diversa daquela apresentada em seus aspectos físicos); e o rigor formal, presente no uso de versos decassílabos e da forma do soneto. 15

16 Leia o trecho abaixo para responder à questão 5. Os bons vi sempre passar No Mundo graves tormentos; E pera mais me espantar Os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos. Cuidando alcançar assim O bem tão mal ordenado, Fui mau, mas fui castigado, Assim que só pera mim Anda o Mundo concertado. CAMÕES, Luís de. Ao desconcerto do mundo. Em: Rimas: obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, p (UFSCar-SP) Esse curto poema de Camões compõe-se de partes correspondentes ao destaque dado às personagens (o eu poemático e os outros). Quanto ao significado, o poema baseia-se em antíteses desdobradas, de tal maneira trançadas que parecem refletir o desconcerto do mundo. Posto isso: a) identifique a antítese básica do poema e mostre os seus desdobramentos. A antítese básica do poema se constrói a partir do choque entre o bem e o mal, presente na dualidade entre os bons e os maus. Os desdobramentos da antítese são punição e recompensa, explicados pelo fato de serem premiados os que mereceriam punição e punidos os que mereceriam a recompensa. Por isso é que o mundo está desconcertado: falta-lhe harmonia ou coerência. b) Explique a composição do texto com base nas rimas. O texto de Camões é poema de uma só estrofe com dez versos, denominado décima. Os cinco primeiros versos são marcados pelas mesmas rimas; os cinco últimos, por outras. Em ambas as partes, as rimas são alternadas (intercaladas) e justapostas (paralelas): abaab; cddcd. Além disso, podem ser classificadas como pobres (entre palavras da mesma classe gramatical) e ricas (entre palavras de diferentes classes gramaticais). 16

17 Instrução: as questões de números 6 e 7 baseiam-se no poema de Filinto Elísio. Uns lindos olhos, vivos, bem rasgados, Um garbo senhoril, nevada alvura, Metal de voz que enleva de doçura, Dentes de aljôfar, em rubi cravados. Fios de ouro, que enredam meus cuidados, Alvo peito, que cega de candura, Mil prendas; e (o que é mais que formosura) Uma graça, que rouba mil agrados. Mil extremos de preço mais subido Encerra a linda Márcia, a quem of reço Um culto, que nem dela inda é sabido. Tão pouco de mim julgo que a mereço, Que enojá-la não quero de atrevido Co as penas que por ela em vão padeço. 6 (Unifesp) Considere as informações: I. O poeta mantém certo distanciamento amoroso, pois a mulher é vista como um ser superior e inalcançável. II. O jogo amoroso descrito no soneto distancia-se do convencionalismo, sendo exposto o amor de forma intensa. III. A forma do poema um soneto e a sua metrificação permitem considerá-lo uma produção literária do período clássico. IV. Estão explícitos no soneto a sensualidade e o carpe diem. Está correto o que se afirma apenas em. a) I e II. b) I e III. c) II e III. d) II e IV. e) III e IV. 7 (Unifesp) Pelas informações do poema, é correto afirmar que o poeta: a) sofre calado, porque não quer que a amada padeça como ele. b) não se julga merecedor do amor da amada, que o vê como um atrevido. c) pretende revelar seus sentimentos à amada para deixar de padecer. d) acredita que a amada o considerará merecedor de seu amor. e) não se julga digno de receber o amor da amada e, por isso, sofre. O eu lírico descreve a mu lher por meio de ex pressões ( garbo senhoril, dentes de aljôfar, fios de ouro ) que a elevam à categoria de ser superior, inalcançável, que deve apenas ser cultuado ( a quem of reço / um culto ). A presença dessa imagem de mulher e a utilização da forma fixa do soneto são elementos que filiam o poema ao estilo clássico. O eu lírico se considera inferior à sua amada e sofre por isso, já que não ousa demonstrar seu amor a uma dama tão superior a ele. 8 (UFSCar-SP) Partimo-nos assim do santo templo Que nas praias do mar está assentado, Que o nome tem da terra, para exemplo, Donde Deus foi em carne ao mundo dado. Certifico-te, ó Rei, que se contemplo Como fui destas praias apartado, Cheio dentro de dúvida e receio, Que a penas nos meus olhos ponho o freio. Camões, Os lusíadas, canto 4 o

18 O trecho faz parte do poema épico Os lusíadas, escrito por Luís Vaz de Camões, e narra a partida de Vasco da Gama para a viagem às Índias. a) Em que estilo de época ou época histórica se situa a obra de Camões? A obra Os lusíadas foi escrita, aproximadamente, entre 1550 e 1570 e publicada em 1572, coincidindo, do ponto de vista da história da cultura, com o Renascimento. Entre outras coisas, esse período incorpora a consolidação da palavra impressa, as guerras religiosas provocadas pela Reforma protestante e o apogeu da expansão mercantilista, de que fala a estrofe de Camões. No que se refere aos movimentos estéticos, o estilo camoniano pertence ao Classicismo. b) Para dizer que o nome do templo é Belém, Camões faz uso de uma perífrase: Que o nome tem da terra, para exemplo, / Donde Deus foi em carne ao mundo dado. Em que outro trecho dessa estrofe Camões usa outra perífrase? No último verso da estrofe ocorre outra perífrase (recurso que consiste em evitar o termo próprio a partir do uso de outros). Trata-se da expressão nos meus olhos ponho o freio, que significa, no caso, evitar o choro, conter as emoções. Texto para a questão 9. Dividimos a história em eras, com começo e fim bem definidos, e mesmo que a ordem seja imposta depois dos fatos a gente vive para a frente mas compreende para trás, ninguém na época disse Oba, começou a Renascença! é bom acreditar que os fatos têm coerência, e sentido, e lições. Mas podemos apreender a lição errada. Luis Fernando Verissimo. Banquete com os deuses. É preciso atentar ao fato de o item não dizer que o Renascimento tem início no século XVIII, mas que nesse século ocorrerá o chamado Iluminismo, movimento filosófico profundamente influenciado pelos ideais renascentistas. 9 (PUC-Campinas-SP) Contextualizando historicamente o movimento da Renascença a que o texto se refere, é correto afirmar que o Renascimento: a) destacou-se por introduzir a observação da natureza e a experimentação como métodos básicos do conhecimento científico e na reconstrução das teorias aristotélicas modernas. b) caracterizou-se por conciliar, no século XVI, os princípios liberais e as necessidades emergentes da população mediante a análise dos mecanismos sociais do capitalismo. c) foi um importante elo no processo de libertação da razão, que culminou, no século XVIII, na filosofia iluminista e na constituição da moderna sociedade burguesa e capitalista. d) foi responsável pelo surgimento de ideias que colocavam o conhecimento racional no ápice e pela constituição de uma linha bem nítida entre a razão e a fé, no século XVII. e) teve um importante papel na defesa de uma nova religiosidade entre os homens que, somada à racionalidade, poderia resultar num mundo progressista e mais justo. 18

19 10 (Unicamp-SP) Leia o seguinte soneto de Camões: Oh! Como se me alonga, de ano em ano, a peregrinação cansada minha. Como se encurta, e como ao fim caminha este meu breve e vão discurso humano. Vai-se gastando a idade e cresce o dano; perde-se-me um remédio, que inda tinha. Se por experiência se adivinha, qualquer grande esperança é grande engano. Corro após este bem que não se alcança; no meio do caminho me falece, mil vezes caio, e perco a confiança. Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança, se os olhos ergo a ver se inda parece, da vista se me perde e da esperança. a) Na primeira estrofe, há uma contraposição expressa pelos verbos alongar e encurtar. A qual deles está associado o cansaço da vida e qual deles se associa à proximidade da morte? O verbo alongar associa-se ao cansaço da vida, e encurtar relaciona-se à proximidade da morte. Nos dois primeiros versos da estrofe, o eu lírico afirma Como se me alonga, de ano em ano / a peregrinação cansada minha. Ou seja: quanto mais a vida passa, mais ela se transforma em desilusão. Já nos dois últimos, a proximidade da morte liga-se à ideia do encurtar da vida, pois, conforme o eu lírico afirma: Como se encurta, e como ao fim caminha / este meu breve e vão discurso humano. b) Por que se pode afirmar que existe também uma contraposição no interior do primeiro verso da segunda estrofe? No primeiro verso da segunda estrofe ( Vai-se gastando a idade e cresce o dano ), há uma contraposição entre gastando e cresce. Quanto mais a idade avança e o eu lírico se aproxima do próprio fim e, portanto, o tempo da existência diminui, maiores se tornam os males físicos e morais trazidos pela velhice. c) A que termo se refere o pronome ele da última estrofe? O pronome ele refere-se ao vocábulo bem, que se encontra no primeiro verso da terceira estrofe. A palavra bem, por sua vez, retoma esperança (quarto verso da segunda estrofe), que é o valor a partir do qual decorrem todas as ações e os desejos presentes nos versos das duas últimas estrofes do soneto. No último verso, a voz lírica constata que perdeu a esperança de ter esperança ( da vista se me perde e da esperança ). 19

20 Capítulo 2 Camões: poesia lírica e épica Coleção Particular Figura 1 As três idades da mulher e a morte, 1510, de Hans Baldung-Grien. Leitura da imagem 1 Descreva brevemente o quadro de Baldung-Grien. Há quatro personagens presentes na imagem: um ser cadavérico à esquerda, com uma ampulheta na mão; uma mulher jovem e formosa no centro, segurando um espelho em que admira sua beleza; uma mulher mais velha à extrema direita e um bebê no canto da imagem, na parte direita inferior. 20

21 2 A personagem à extrema esquerda está segurando uma ampulheta, antigo instrumento de medição do tempo. Qual a relação entre essa personagem e o título do quadro As três idades da mulher e a morte? Podemos interpretar tal personagem como personificação da morte, muitas vezes representada, de forma fúnebre, por uma caveira. O envelhecimento, passagem do tempo representada pela ampulheta, é o processo necessário para que se cumpra, de acordo com o quadro, o destino final dos seres vivos: a morte. Agora leia este soneto de Camões: O tempo acaba o ano, o mês e a hora, a força, a arte, a manha, a fortaleza; o tempo acaba a fama e a riqueza, o tempo o mesmo tempo de si chora. O tempo busca e acaba o onde mora qualquer ingratidão, qualquer dureza; mas não pode acabar minha tristeza, enquanto não quiserdes vós, Senhora. O tempo o claro dia torna escuro, e o mais ledo prazer em choro triste; o tempo, a tempestade em grã bonança. Mas de abrandar o tempo estou seguro o peito de diamante, onde consiste a pena e o prazer desta esperança. CAMÕES, Luís Vaz de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, p Qual o tema do poema de Camões? É a passagem do tempo e suas consequências: o tempo pode destruir muitas coisas e modificar a condição do ser humano, tirando sua riqueza, seu poder, sua fama; escurecer um dia claro; transformar a alegria em tristeza. 4 Segundo o eu lírico, haveria algo mais poderoso que o tempo? Explique. Segundo o eu lírico, o tempo possui muitos poderes, porém ele não pode acabar minha tristeza, / enquanto não quiserdes vós, Senhora. Assim, a tristeza que sente o eu lírico só pode ser terminada pela ação da amada, o que a torna ainda mais poderosa do que uma força arrebatadora como a passagem do tempo. 5 Qual a relação entre o poema de Camões e o quadro de Baldung-Grien? O quadro de Baldung-Grien mostra os efeitos da passagem do tempo, o que também ocorre no poema camoniano, no qual a passagem do tempo é relacionada aos mais diversos eventos da natureza e não só ao envelhecimento dos seres humanos. A passagem inevitável do tempo é um dos temas recorrentes da poesia camoniana. 21

22 1 A poesia lírica camoniana Camões dominou com excelência várias formas do gênero lírico. Escreveu sonetos, odes, éclogas e elegias. Usou, com maestria, os metros característicos da medida velha e da nova. Em todas as formas poéticas, o poeta português deixou a marca de sua genialidade. 1.1 O uso da medida velha As redondilhas camonianas eram compostas geralmente de um mote e uma ou mais estrofes, que constituíam voltas ou glosas ao mote. Além da métrica utilizada, outro aspecto típico das redondilhas camonianas é o tratamento dado ao tema do amor. Nelas, o poeta reproduz uma visão feminina quase medieval sobre as dores de amor, revelando influência das cantigas de amigo. Professor: Em vários sonetos de Camões transcritos neste capítulo aparecem colchetes, como em de[s] pois. Nesse caso, eles indicam a grafia original; em outros, a grafia atual; e em outros, ainda, uma variante para a grafia daquela palavra. Volta a cantiga alheia Na fonte está Lianor Lavando a talha e chorando, Às amigas perguntando: Vistes lá o meu amor? Posto o pensamento nele, Porque a tudo o amor obriga, Cantava, mas a cantiga Eram suspiros por ele. Nisto estava Lianor O seu desejo enganando, Às amigas perguntando: Vistes lá o meu amor? O rosto sobre ũa mão, Os olhos no chão pregados, Que, do chorar já cansados, Algum descanso lhe dão, Desta sorte Lianor Suspende de quando em quando Sua dor; e, em si tornando, Mais pesada sente a dor. Mote: motivo inicial fornecido por alguém ou, como ocorre nesta redon dilha, tomado emprestado de uma cantiga escrita por outro poeta. O poeta tem liberdade para repetir, nas voltas, versos presentes no mote ou simplesmente explorar a ideia básica que ele desenvolve. Camões adota os dois procedimentos. Voltas (ou glosas): o tema definido no mote é desenvolvido. Camões mantém presente o mote pela retomada da ideia do choro e das perguntas feitas por Lianor para descobrir o paradeiro de seu amado. Não deita dos olhos água, Que não quer que a dor se abrande Amor, porque, em mágoa grande, Seca as lágrimas a mágoa. De[s]pois que de seu amor Soube novas perguntando, De improviso a vi chorando. Olhai que extremos de dor! CAMÕES, Luís Vaz de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,

23 Muitas informações sobre a vida de Luís Vaz de Camões são incertas. Não se sabe, por exemplo, se ele nasceu em 1524 ou em 1525, em Lisboa ou em Coimbra. A passagem mais conhecida de sua vida também parece associar realidade e fantasia. Em 1554, Camões foi para Macau, então colônia portuguesa, na China, atuar como provedor de defuntos e ausentes. Na viagem de volta, naufragou na foz do rio Mekong. Diz-se que, durante o naufrágio, o poeta escolhera salvar o manuscrito de Os lusíadas, enquanto sua amada chinesa, Dinamene, morria afogada. A ela, Camões dedicou uma série de sonetos. De volta a Lisboa, publica sua epopeia, em 1572, com o patrocínio do rei D. Manuel. A morte do poeta, no dia 10 de junho de 1580, marca o fim do Classicismo português. Figura 2 Luís de Camões TopFoto / Keystone 1.2 Sonetos: domínio absoluto da medida nova Os sonetos são a parte mais conhecida da lírica camoniana. Essa forma poética permitia a Camões tratar de modo mais racional alguns de seus temas preferidos: o desconcerto do mundo, as mudanças constantes, o sofrimento amoroso. 2 Temas camonianos Luís Vaz de Camões é considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa. Em sua vasta obra, imortalizou as glórias de seu povo, registrou de modo sublime os sofrimentos amorosos e indagou sobre as inconstâncias e as incertezas da vida. 2.1 O desconcerto do mundo Camões procura demonstrar que o que é observado não corresponde necessariamente à realidade, o que pode levar ao equívoco. Incapaz de compreender o que desencadeia o desconcerto do mundo, o eu lírico procura analisá-lo racionalmente para identificar um parâmetro que possa orientar seu comportamento. Como a base do desconcerto é a falta de lógica, a análise fracassa, e o resultado é sempre o sofrimento do eu lírico. Professor: Ao exercer o cargo de provedor de defuntos e ausentes, Camões era o responsável pela administração dos bens dos portugueses defuntos e ausentes. Era um cargo que requeria algum conhecimento das leis, além de exigir que a pessoa que o exercesse fosse honrada, para não se apropriar dos bens alheios. Esparsa do Autor ao desconcerto do mundo Os bons vi sempre passar no mundo graves tormentos; e, para mais m espantar, os maus vi sempre nadar em mar de contentamentos. Cuidando alcançar assim o bem tão mal ordenado, fui mau, mas fui castigado. Assim que, só para mim anda o mundo concertado. CAMÕES, Luís Vaz de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, p

24 2.2 O mundo em mudança O mundo apresentado por Camões é dinâmico. Assim, ser humano e natureza estão sujeitos a constantes modificações. Porém, enquanto as mudanças da natureza seguem um ritmo previsível (a sucessão das estações do ano, por exemplo), as sofridas pelas pessoas não seguem uma lei natural, o que pode trazer tristeza e sofrimento. Leia seu mais conhecido soneto sobre esse tema. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o Mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem (se algum houve...) as saudades. Glossário Soía (verbo soer). Costumava. O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mi[m] converte em choro o doce canto. E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto, Que não se muda já, como soía. CAMÕES, Luís Vaz de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, p O eu lírico fala da sucessão das estações como algo esperado: a primavera sucede ao inverno ( O tempo cobre o chão de verde manto, / Que já coberto foi de neve fria ), ano após ano. Para ele, contudo, a passagem do tempo traz as saudades das lembranças boas e o sofrimento provocado pelas más ( Do mal ficam as mágoas na lembrança, / E do bem (se algum houve...) as saudades ). É por isso que ela será sempre motivo de dor. 2.3 O sofrimento amoroso 24 P r o f e s s o r : M a r s í l i o Ficino, um dos principais teóricos do neoplatonismo, defende a ideia de que a Beleza do ser humano e da natureza são manifestações da Beleza divina. Ao contemplá-las, portanto, o ser humano pode chegar mais perto de Deus. Para que isso ocorra, deve buscar os valores que o ajudarão a libertar-se da realidade sensível: o Bem, o Belo e a Verdade. A lírica amorosa camoniana reflete o conflito entre o amor material (profano, manifestação dos desejos da carne) e o amor idealizado (puro, espiritualizado), capaz de conduzir o indivíduo à realização plena. Quando o sentimento amoroso é a expressão de um desejo, a mulher é caracterizada como impiedosa, cruel, que se satisfaz com o sofrimento de quem a ama. Isto é essencial! Segundo Platão, o verdadeiro amor é um sentimento capaz de purificar o ser humano, permitindo que ele se desprenda das realidades ilusórias e contemple o belo em si, o mundo das essências. Como esse amor é somente uma ideia e não busca uma realização física, toda manifestação idealizada do sentimento amoroso passou a ser chamada de platônica. No Renascimento, alguns filósofos procuraram conciliar o amor platônico com os valores cristãos. Segundo esses valores, todo processo de purificação deve aproximar o indivíduo de Deus. Da fusão dessas duas visões surge, então, o neoplatonismo amoroso, uma forma de amor idealizada que não almeja a realização carnal, libertando o ser humano da escravidão dos desejos e aproximando-o de Deus.

25 Quando o sentimento amoroso é tratado de modo mais espiritualizado, a mulher é apresentada de maneira idealizada, exemplo da perfeição absoluta, cuja contemplação é suficiente para purificar o eu lírico. A caracterização camoniana desse amor espiritualizado, oposto a um sentimento mais profano, reproduz uma visão filosófica resgatada da Antiguidade e redefinida no Renascimento: o neoplatonismo. O soneto a seguir ilustra bem as transformações que o amor neoplatônico desencadeia no indivíduo, levando-o a perder a própria identidade e a alcançar a união espiritual plena com o ser amado. O eu lírico abre o soneto com uma tese que será a base do raciocínio desenvolvido no texto: se quem ama (amador) alcança uma identificação total com o ser amado, não pode desejar mais nada, porque já traz consigo tudo o que quer. O processo de transformação é desencadea do pelo muito imaginar. Trata-se, portanto, de um processo amoroso em que o eu lírico vai perdendo sua identidade e se moldando à forma perfeita da amada. Na segunda estrofe, a tese é retomada: a transformação da alma (espírito) deve aplacar o desejo do corpo (matéria). Como as duas almas que se amam estão ligadas, o desejo carnal deixa de ser importante. Transforma-se o amador na cousa amada, Por virtude do muito imaginar; Não tenho, logo, mais que desejar, Pois em mi[m] tenho a parte desejada. Se nela está minha alma transformada, Que mais deseja o corpo de alcançar? Em si somente pode descansar, Pois consigo tal alma está liada. Mas esta linda e pura semideia, Que, como o acidente em seu sujeito, Assi[m] com a alma minha se conforma, Está no pensamento como ideia; [E] o vivo e puro amor de que sou feito, Como a matéria simples busca a forma. CAMÕES, Luís Vaz de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, p A mulher amada é caracterizada, nos tercetos, como uma semideusa (linda e pura) cuja perfeição é própria da esfera das essências. Por isso ela se manifesta no pensamento do eu lírico como ideia (resgate do conceito platônico) e faz com que ele, inspirado por um amor também puro e transformador, molde-se a essa forma simples e perfeita. É o fim do processo de purificação amorosa que caracteriza o neoplatonismo. Os versos de Camões permanecem vivos até hoje, dialogando com poetas de épocas diferentes, que vão buscar no mestre português inspiração para seus textos. 3 A épica camoniana: Os lusíadas Os lusíadas são uma epopeia de imitação, porque seguem o modelo estabelecido na Antiguidade pelos poemas homéricos. Quando Camões publicou sua epopeia, cumpriu a função de relembrar a grandiosidade portuguesa, naquele momento já em decadência. Como homem de seu tempo, Camões faz em Os lusíadas uma crítica explícita à cobiça e à tirania no episódio do Velho do Restelo (Canto IV). O Velho, ao protestar contra as grandes navegações no momento da partida da esquadra de Vasco da Gama, deixa claro que o povo é quem navega e morre, enquanto o rei e a burguesia dividem entre si os lucros. Assim, ao mesmo tempo que glorificou os feitos heroicos de navegadores e figuras históricas portuguesas, o poeta criticou aqueles que foram tomados pela sede de poder desmedido. Glossário Liada. Unida, ligada. Semideia. Semideusa. Professor: Retome com os alunos as informações sobre a estrutura dos poemas épicos apresentadas no capítulo sobre gênero épico. É importante que eles reconheçam, na organização do poema camoniano, a reprodução da mesma estrutura usada por Homero na Ilíada e na Odisseia, mesmo quando isso significou adotar referências estranhas à cultura portuguesa (um exemplo claro é a menção às Tágides, que seriam as ninfas do rio Tejo, na Invocação do poema). 25

26 3.1 A estrutura de Os lusíadas A estrutura: dividido em dez Cantos que apresentam, no total, estrofes organizadas em oitava rima (abababcc) também conhecida como oitava real e que perfazem versos, todos decassílabos. O tema: cantar a glória do povo navegador português e a memória dos reis que foram dilatando a Fé, o Império. O herói: o navegador Vasco da Gama. A leitura do poema, contudo, revela também o caráter heroico do povo lusitano. 26 Figura 3 O túmulo de Inês de Castro, no Mosteiro de Alcobaça. Segundo conta a história, a jovem foi assassinada a mando do rei D. Afonso IV, pai de seu amado D. Pedro. Quando este é coroado rei, manda matar os assassinos da moça e anuncia ao povo que se casara com ela em segredo. Assim, mesmo depois de morta, Inês foi consagrada rainha. 3.2 A divisão dos Cantos Proposição: trata-se da apresentação do poema, com a identificação do tema e do herói (constituída pelas três primeiras estrofes do Canto I). Invocação: o poeta pede às musas que lhe deem um engenho ardente e um som alto e sublimado (estrofes 4 e 5 do Canto I). No caso de Camões, as musas escolhidas são as Tágides, ninfas do Tejo, rio que corta a cidade de Lisboa. Dedicatória: o poeta dedica o poema a D. Sebastião, rei de Portugal quando o poema foi publicado (estrofes 6 a 18 do Canto I). Narração: desenvolvimento do tema, com o relato dos episódios da viagem de Vasco da Gama e a reconstituição da história passada dos reis portugueses (inicia na estrofe 19 do Canto I e termina na estrofe 144 do Canto X). Epílogo: encerramento do poema. O poeta pede às musas que calem a voz de sua lira, pois está desiludido com uma pátria que já não merece ter suas glórias louvadas (estrofes 145 a 156 do Canto X). 3.3 Os cantos de Os lusíadas: aventura e história no épico camoniano Apresentaremos a seguir um breve resumo do conteúdo de cada um dos dez cantos que constituem o poema camoniano. Canto I: a narração inicia-se in media res (expressão latina que significa em meio à ação ), com a frota portuguesa em pleno oceano Índico. Ocorre, no Olimpo, um concílio dos deuses para decidir o destino dos intrépidos navegadores. Baco e Netuno posicionam-se contrariamente à ousadia lusitana de desbravar os mares e alcançar o que nenhum outro ser humano alcançou. Vênus e Marte manifestam-se em sua defesa, exaltando os valores do povo português. Júpiter decide permitir que a viagem continue, atendendo o pedido de Vênus. Os portugueses chegam a Mombaça, na África. Canto II: narração da viagem de Mombaça a Melinde. Baco tenta mais uma vez destruir a frota, que é salva pela intervenção providencial de Vênus. Chegando a Melinde, Vasco da Gama é recebido pelo rei, que lhe pede que conte a história de Portugal. Canto III: Vasco da Gama começa sua narração da história portuguesa (ocorre nesse ponto o desdobramento do tema inicial do poema). Nesse canto é apresentada a história da primeira dinastia portuguesa, que vai da formação do Condado Portucalense TopFoto / Keystone

27 à Revolução de Avis. Ao falar sobre D. Pedro I, Camões imortaliza seu relacionamento amoroso com Inês de Castro, dedicando inesquecíveis versos à morte da amante do rei. Canto IV: narração da história da dinastia de Avis. Vasco da Gama conta toda a história compreendida entre o momento em que D. João I assume o trono e a partida de sua frota, durante o reinado de D. Manuel I, o Venturoso. Ao final do canto, é descrita a figura de um velho, conhecido como Velho do Restelo, que vocifera contra as navegações portuguesas no momento da saída das caravelas. Canto V: Vasco narra a viagem que faz de Portugal até o canal de Moçambique. Vários obstáculos apresentam-se aos portugueses, manifestados ora por fenômenos naturais (como uma tromba-d água), ora por doenças (como o escorbuto). O trecho mais importante desse canto é o encontro entre Vasco da Gama e Adamastor, o gigante de pedra que simboliza o cabo das Tormentas. Canto VI: os portugueses, com a ajuda de Vênus, chegam à Índia. Canto VII: descrição da Índia e dos primeiros contatos com os mouros. Nesse canto, pode-se identificar a visão renascentista de Camões, preocupado em apresentar, com riqueza de detalhes, a terra e seus habitantes. Canto VIII: continua a narração dos acontecimentos na Índia; são feitas algumas referências ao comércio e aos problemas enfrentados com os mouros. Canto IX: últimos episódios na Índia. Vasco apressa a partida, iniciando a viagem de volta. Vênus, como prêmio pelas realizações portuguesas, conduz a frota à ilha dos Amores, espaço mítico onde os marinheiros são agraciados com o carinho das ninfas. Envolvimento entre Vasco da Gama e Tétis. Canto X: descrição da ilha dos Amores e dos favores recebidos das ninfas. Tétis apresenta a Vasco da Gama a máquina do mundo (uma imensa esfera com o Cosmo e a Terra entrelaçados). Exaltação dos portugueses. Regresso a Lisboa e despedida do poeta. Acervo Iconographia Figura 4 Aparição de Adamastor no cabo da Boa Esperança. Ilustração de Fragonard para Os lusíadas, edição de O gigante mítico povoa o imaginário português. São conhecidos os versos em que Fernando Pessoa recria o encontro entre Adamastor e Vasco da Gama: O mostrengo que está no fim do mar / Na noite de breu ergueu- -se a voar / À roda da nau voou três vezes, / Voou três vezes a chiar. Os lusíadas, de Luís de Camões, recebeu sua versão HQ pelo traço do cartunista Fido Nesti. É o próprio Camões quem guia o leitor nessa viagem literária, na qual ele se encontrará com Vasco da Gama, Inês de Castro, o Velho do Restelo e, no capítulo final, com os deuses da mitologia. Figura 5 A obra clássica de Camões em quadrinhos e com os textos originais do autor. Fido Nesti. Os Lusíadas em Quadrinhos. São Paulo: Peirópolis 27

28 Exercícios dos conceitos O soneto a seguir, de Camões, serve de base para as questões de 1 a 3. Soneto 91 Tanto de meu estado me acho incerto, Que em vivo ardor tremendo estou de frio; Sem causa, juntamente choro e rio; O mundo todo abarco e nada aperto. É tudo quanto sinto um desconcerto; Da alma um fogo me sai, da vista um rio; Agora espero, agora desconfio, Agora desvario, agora acerto. Glossário Abarco. Abraço, alcanço. Desvario. Enlouqueço, perco a razão. Nũa. Numa. Ũa. Uma. Estando em terra, chego ao Céu voando; Nũa hora acho mil anos; e é de jeito Que em mil anos não posso achar ũa hora. Se me pergunta alguém porque assi[m] ando, Respondo que não sei; porém suspeito Que só porque vos vi, minha Senhora. CAMÕES, Luís Vaz de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, p Nesse soneto, Camões trata do amor. a) Como o eu lírico caracteriza seu estado de espírito? O eu lírico fala de seu sofrimento amoroso. Segundo ele, o amor que vive provoca reações contraditórias: ele sente dentro de si um desconcerto, uma 28 confusão de sentimentos e sensações (chora e ri ao mesmo tempo, sente ardor e frio etc.). b) Qual o recurso utilizado, no soneto, para simbolizar o estado em que se encontra o eu lírico? Justifique. Camões se vale de antíteses para expressar a contradição das sensações vividas pelo eu lírico em razão do sentimento amoroso. São elas: em vivo ardor tremendo estou de frio ; juntamente choro e rio ; O mundo todo abarco e nada aperto ; Da alma um fogo me sai, da vista um rio ; Agora espero, agora desconfio ; Agora desvario, agora acerto ; Estando em terra, chego ao Céu voando. 2 Apenas na última estrofe a causa do sofrimento do eu lírico é explicitada. Explique. Na última estrofe, o eu lírico deixa claro que suspeita que a visão de sua senhora provoca essas sensações tão contraditórias.

29 3 No soneto, as contradições provocadas pelo amor revelam uma visão positiva ou negativa desse sentimento? Justifique sua resposta com base na visão de amor característica do Classicismo. Podemos dizer que as sensações contraditórias experimentadas pelo eu lírico realçam uma espécie de delírio, de descontrole, provocado pelo sentimento amoroso que ele nutre pela Senhora. Sendo assim, de acordo com a visão de amor presente no Classicismo, é possível afirmar que essa é uma imagem negativa do amor, marcada pelo desejo e pelo descontrole de quem ama. Retoma-se, nesse soneto, a diferença entre um amor mais profano e um amor mais espiritualizado, abordada por diferentes autores classicistas. O trecho a seguir foi extraído de Os lusíadas, de Camões, e serve de base para as questões de 4 a 6. Os lusíadas Canto IV (Estrofes 94 e 95) Mas um velho, de aspeito venerando, Que ficava nas praias, entre a gente, Postos em nós os olhos, meneando Três vezes a cabeça, descontente, A voz pesada um pouco alevantando, Que nós no mar ouvimos claramente, Cum saber só de experiências feito, Tais palavras tirou do experto peito: Ó glória de mandar, ó vã cobiça Desta vaidade a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto, que se atiça Cũa aura popular, que honra se chama! Que castigo tamanho e que justiça Fazes do peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades nele experimentas! CAMÕES, Luís Vaz de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, p Glossário Aspeito. Aspec to. Venerando. Digno de respeito ou veneração. Meneando. Balançando (a cabeça) de um lado a outro repetidamente. Experto. Experimentado. Cũa. Com uma. 4 Esse trecho refere-se ao episódio do Velho do Restelo. Na primeira estrofe, caracteriza-se essa personagem e sua atitude diante da partida de Vasco da Gama. a) Como o Velho do Restelo é apresentado no poema? O Velho do Restelo é apresentado no poema como um senhor de aspecto digno, voz pesada e forte e dono de uma sabedoria oriunda de sua experiência de vida. 29

30 b) Que atitude ele tem diante da partida dos navegadores? Sua atitude diante da partida das naus é de recriminação e descontentamento, o que é comprovado pelo movimento que ele faz com a cabeça (por três vezes) antes de criticar os que partem e os motivos indignos de tais aventuras. 5 Que críticas ele faz à expedição de Vasco da Gama? Justifique. O velho critica os motivos da viagem. Segundo ele, o desejo de poder (a glória de mandar ) e a (vã) cobiça é que determinam essa aventura. Em nome da vaidade e da busca pela fama, Vasco da Gama e seus tripulantes enfrentarão perigos e tormentas, encontrarão a morte e causarão grande dor ao povo português, representado pelos parentes que ficam e se despedem, com sofrimento, dos que partirão ( Que castigo tamanho e que justiça/fazes do peito vão que muito te ama! ). 6 Considerando o tema tratado em Os lusíadas e as estrofes transcritas, explique o que simboliza o episódio do Velho do Restelo com relação à visão da população portuguesa das expedições marítimas. O episódio simboliza o fato de que nem todos os portugueses compartilhavam da euforia pelas grandes navegações. O velho representa a voz contrária ao processo de expansão que Portugal empreendia com viagens como a de Vasco da Gama. Retomada dos conceitos Texto para as questões 1 e 2. Professor: Consulte o Banco de Questões e incentive os alunos a usar o Simulador de Testes. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o Mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem (se algum houve...) as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mi[m] converte em choro o doce canto, E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já, como soía. CAMÕES, Luís de. Rimas (1 a parte): obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, p

31 Instrução para as questões 1 e 2: assinale as proposições verdadeiras, some os números a elas associados e indique o resultado. 1 (UFBA) O foco temático do poema envolve: (01) a instabilidade do ser humano, nunca satisfeito com as condições de sua existência e com a inevitabilidade da morte. (02) a mutabilidade, como um processo absoluto, que regula todas as coisas existentes, afetando o homem e o mundo. (04) a capacidade de o ser humano guardar na memória apenas as lembranças dos tempos felizes de sua existência, particularmente os da juventude. (08) as surpresas que a vida oferece a quem não está suficientemente preparado para o enfrentamento das adversidades que chegam com o tempo. (16) o curso da existência humana, atingido por constantes processos de transformação, diferentes a cada momento. (32) a identidade entre os projetos individuais de felicidade e a realidade que é possível ser vivida. (64) o tempo, como fator de mudanças inevitáveis no curso da existência humana, tal como ocorre nas transformações cíclicas da natureza. 2 (UFBA ) A leitura dos dois tercetos permite inferir: (01) Há ritmos diferentes de mudança, a depender do momento da vida do indivíduo. (02) A rejeição da instabilidade se torna maior, com o passar do tempo, em decorrência da sabedoria e da experiência adquiridas. (04) Há diferenças entre os processos de mudança na natureza e aqueles que ocorrem com o ser humano. (08) O processo de mudança na vida dos indivíduos cessa com o decorrer do tempo, atingindo-se a estabilidade. (16) A ilusão de que nada é permanente acompanha o ser humano em todos os momentos de sua existência. (32) Cada vez que algo muda no universo mudam-se também as concepções mais arraigadas dos indivíduos. (64) O processo de mudança exterior ao indivíduo é sempre constante, embora haja uma modificação na forma de percepção dessa mudança. Leia o texto a seguir para responder às questões 3 e 4. Um mover de olhos brando e piedoso, Sem ver de quê, um riso brando e honesto, Quase forçado; um doce e humilde gesto, De qualquer alegria duvidoso; Um despejo quieto e vergonhoso; Um repouso gravíssimo e modesto; Uma pura bondade, manifesto Indício da alma, limpo e gracioso; = 25. As demais afirmações estão incorretas porque: (02) a mutabilidade não é, de acordo com o poema, um processo absoluto, uma vez que, no segundo verso, o eu lírico deixa claro Que não se muda já, como soía, ou seja, também o processo de mudança se altera; (04) os homens guardam as lembranças más e sentem saudades das boas; (32) não há informação que justifique afirmar que o poema traça uma identidade entre os projetos individuais de felicidade e a realidade que é possível ser vivida ; (64) o foco do poema não é o tempo, mas a própria mudança das coisas em si = 41. As demais afirmações estão incorretas porque: (02) o poema não faz relação entre a rejeição da instabilidade e seu aumento conforme passa o tempo, em decorrência da sabedoria e da experiência adquiridas ; (04) não há diferenças entre os processos de mudança na natureza e aqueles que ocorrem com o ser humano; (16) como as mudanças não são constantes, nem acontecem sempre em um mesmo ritmo, não há como afirmar que a ilusão de que nada é permanente acompanha o ser humano em todos os momentos de sua existência ; o mesmo vale para o processo de mudança do exterior do indivíduo (64). Um encolhido ousar; uma brandura; Um medo sem ter culpa, um ar sereno; Um longo e obediente sofrimento: Esta foi a celeste formosura Da minha Circe, e o mágico veneno Que pôde transformar meu pensamento. 31

32 Os quar tetos e tercetos não se constroem da idêntica estrutura lógico-oracional. O desconcerto amoroso tam bém é tema do lirismo camoniano. 3 (PUC-SP) O soneto citado é de Luís de Camões e se enquadra em sua poesia lírica. Releia-o atentamente e indique a alternativa errada a respeito dele. a) Pinta o retrato da mulher amada, composto por traços físicos e de caráter e realçado por imagens construídas por antíteses. b) Apresenta uma sucessão de frases nominais que, no conjunto, caracterizam uma clara função descritiva. c) Marca-se por uma força poética que atravessa o texto e alcança seu ápice no nome Circe, núcleo da nomeação e metáfora da mulher amada. d) Configura, sintaticamente, os quartetos e o primeiro terceto como apostos da proposição contida no segundo terceto. e) Apresenta regularidade sintática porque tanto os quartetos quanto os tercetos se constroem da idêntica estrutura lógico-oracional. 4 (PUC-SP) O lirismo é uma das vertentes da poesia camoniana e perpetua o poeta na história da sensibilidade humana. Desse lirismo é incorreto afirmar que: a) se mostra em sonetos, cujos versos são marcados pelo doce estilo novo, trazido do Renascimento italiano por Sá de Miranda. b) dialoga com a sensibilidade e com a inteligência do leitor, mas é possível separar nele emoção e razão, já que o desconcerto amoroso inexiste neste gênero poético camoniano. c) se expressa em sonetos de construção racional e que combinam com o estilo de Camões, que é, não apenas de confissão afetiva, mas questionador da própria emoção. d) apresenta tensão entre os chamados do amor físico, isto é, os desejos e as paixões, e os do amor platônico, ou seja, o vislumbre do trascendental e a busca da unidade divina do ser no reino das ideias. e) desenvolve pluralidade de temas, como a transitoriedade da vida, a fugacidade do tempo e da beleza, a precariedade do destino, a necessidade de fruir o instante que passa e o desconcerto do mundo. Leia os dois textos para responder à questão a seguir: Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer; É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder; É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor? Luís de Camões, Obra completa. 32

33 Soneto do amor maior Maior amor nem mais estranho existe Que o meu, que não sossega a coisa amada E quando a sente alegre, fica triste E se a vê descontente, dá risada. E que só fica em paz se lhe resiste O amado coração, e que se agrada Mas da eterna aventura em que persiste Que de uma vida malaventurada. Louco amor meu que, quando toca, fere E quando fere, vibra, mas prefere Ferir a fenecer e vive a esmo Fiel à sua lei de cada instante Desassombrado, doido, delirante Numa paixão de tudo e de si mesmo. Vinícius de Moraes, Obra completa. 5 (UFF-RJ) Vinícius de Moraes (séc. XX) e Luís de Camões (séc. XVI) se aproximam, nestes sonetos, em relação à forma poética. Compare os poemas de Vinícius de Moraes e Camões, destacando: a) Do soneto de Camões, uma antítese construída pela formação de nomes que tenham o mesmo radical. É um contentamento descontente. b) Do soneto de Vinícius de Moraes, uma antítese construída pela formação de nomes com radicais diferentes. E quando a sente alegre, fica triste/e se a vê descontente, dá risada. Leia, com atenção, a estrofe do Canto I de Os lusíadas, transcrita abaixo, para responder às questões 6 e 7. Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram; Cale-se de Alexandre e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano A quem Netuno e Marte obedeceram. Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta. 33

34 O grego e o troiano não são modelos insuperáveis, uma vez que outro valor mais alto se alevanta : o peito ilustre lusitano. 6 (UFJF-MG) Assinale a alternativa incorreta: a) Para o poeta épico renascentista, o grego e o troiano são modelos insuperáveis. b) Há um forte nacionalismo laudatório que se estende pelo poema como um todo. c) Para o poeta épico português, os portugueses são heróis de mar e guerra. d) O herói do poema de Camões é coletivo e não individual. e) Os portugueses, como os povos antigos, mereceram ser objeto de poesia épica. 7 (Pism/UFJF-MG, adaptada) A estrofe transcrita é a estrofe III da obra de Camões. Leia-a, com atenção, para responder ao que está proposto em a e b. A respeito da estrofe, explique as referências: a) a Netuno, a Marte e à musa. Netuno, Marte e a musa são entidades mitológicas. Cada uma delas faz referência a uma qualidade ou habilidade do povo português. O domínio marítimo dos portugueses é sugerido pela referência a Netuno, deus dos mares. Marte, deus da guerra, indica a potência bélica lusitana. Quem inspira os poetas é a musa. A musa antiga os poetas da Antiguidade está dominada pelo valor poético de Camões e dos portugueses. b) a Portugal/aos portugueses. Selecione, da estrofe, os versos que comprovem sua explicação para essa referência. Os versos que se referem explicitamente ao povo português ou a Portugal são: Que eu canto o peito ilustre Lusitano e Que outro valor mais alto se alevanta. Esses versos indicam que o peito ilustre Lusitano é o novo valor que se afirma sobre os valores da Antiguidade. 34 No episódio do Velho do Restelo, essa personagem levanta sua voz antes da partida dos navegadores e critica a cobiça dos portugueses que arriscarão a vida, na viagem empreendida, em nome da glória, da fama e da fortuna. 8 (Prise/Uepa) Como disse, um dia, o teatrólogo e jornalista Nélson Rodrigues, toda unanimidade é burra. Comprovando isso, também, ao exaltar os feitos do povo português em Os lusíadas, o poeta Camões mostra que houve oposição à viagem de Vasco da Gama às Índias. Essa oposição foi feita pelo personagem: a) Dom Manuel, rei de Portugal à época da viagem. b) Dom Sebastião, a quem o poeta dedica o poema. c) Inês de Castro, que foi rainha depois de morta. d) O Velho do Restelo, que condena a cobiça dos portugueses. e) Paulo da Gama, irmão do capitão, que recebe o governador da região de Malabar.

35 9 (UFJF-MG) Leia o fragmento abaixo e responda ao que se pede. Amores da alta esposa de Peleu Me fizeram tomar tamanha empresa. Todas as deusas desprezei do céu, Só por amar das águas a princesa. Um dia a vi co as filhas de Nereu, Sair nua na praia: e logo presa A vontade senti de tal maneira Que inda não sinto cousa que mais queira. Como fosse impossíbil alcançá-la Pela grandeza feia de meu gesto, Determinei por armas de tomá-la E a Dóris este caso manifesto. De medo a deusa então por mi lhe fala; Mas ela, c um fermoso riso honesto, Respondeu: Qual será o amor bastante De ninfa, que sustente o dum gigante? Camões, Os lusíadas. Nas estrofes acima, extraídas do episódio do Adamastor, observamos o amor entre o gigante e Tétis, a Princesa das Águas. A partir disso, responda: a) Como se manifesta, no texto, o amor do gigante, e como Tétis reage a esse amor? O amor do gigante manifesta-se como desejo sensual por Tétis. Ela reage negativamente, e, com sua recusa, é introduzido o tema lírico do amor impossível no texto épico. b) Quem é, no poema de Camões, o gigante Adamastor? O gigante Adamastor personifica o cabo das Tormentas. 10 (Fuvest-SP) Tu, só tu, puro amor, com força crua, Que os corações humanos tanto obriga, Deste causa à molesta morte sua, Como se fora pérfida inimiga. Se dizem, fero Amor, que a sede tua Nem com lágrimas tristes se mitiga, É porque queres, áspero e tirano, Tuas aras banhar em sangue humano. Camões, Os lusíadas episódio de Inês de Castro. Glossário Molesta. Lastimosa; funesta. Pérfida. Desleal; traidora. Fero. Feroz; sanguinário; cruel. Mitiga. Alivia; sua viza; aplaca. Aras. Altares; me - sas para sacrifícios religiosos. 35

36 a) Considerando-se a forte presença da cultura da Antiguidade clássica em Os lusíadas, a que se pode referir o vocábulo Amor, grafado com maiúscula, no 5 o verso? O vocábulo Amor, grafado em maiúscula, refere-se ao deus do amor da mitologia clássica, denominado Eros pelos gregos antigos e Cupido pelos romanos da Antiguidade. b) Explique o verso Tuas aras banhar em sangue humano, relacionando-o à história de Inês de Castro. No século XIV, o príncipe de Portugal, futuro rei D. Pedro I, tomou Inês de Castro como amante e teve filhos com ela. Para evitar que o filho se casasse com D. Inês, o rei D. Afonso IV autorizou, por razões políticas, o assassinato dela. O verso Tuas aras banhar em sangue humano, na estrofe, significa que o deus do amor exigiu o sacrifício da vida de Inês em seu altar ( ara ). Vasco da Gama, que narra o episódio de Inês de Castro em Os lusíadas, atribui uma causa transcendental à morte da amante de D. Pedro: no poema épico, essa morte teria sido determinada por Cupido. 11 (UFPA, adaptada) Porém já cinco Sóis eram passados Que dali nos partíramos, cortando Os mares nunca de outrem navegados, Um dia a vi, coas filhas de Nereu, Sair nua na praia: e logo presa A vontade senti de tal maneira Que inda não sinto cousa que mais queira. O episódio do gigante Adamastor, em Os lusíadas, evidencia um dos momentos mais importantes da viagem de Vasco da Gama rumo ao Oriente. Refira, a partir do episódio, informações sobre o transcurso da viagem e sobre o caso de amor que envolveu uma nereida e o gigante. Gabarito oficial. A resposta pode fazer referência à passagem da armada de Vasco da Gama, àquela altura, pela costa da África ou pelo cabo das Tormentas, do que Adamastor é uma metáfora. É possível ainda que se faça referência à estada da armada na Ilha de Santa Helena, para a aguarda. Na segunda parte da pergunta, é necessário fazer referência aos amores do gigante Adamastor com a linda Tétis e toda a frustração do amante pela não correspondência amorosa e sua consequente transformação em penedo. 36

37 Leia o soneto a seguir, de autoria do poeta quinhentista Luís de Camões: Verdade, Amor, Razão, Merecimento qualquer alma farão segura e forte; porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte têm do confuso mundo o regimento. Efeitos mil revolve o pensamento e não sabe a que causa se reporte; mas sabe que o que é mais que vida e morte, que não o alcança humano entendimento. Doctos varões darão razões subidas, mas são experiências mais provadas e por isso é melhor ter muito visto. Cousas há aí que passam sem ser cridas e cousas cridas há sem ser passadas, mas o melhor que tudo é crer em Cristo. 12 (UFV-MG) Dentre as alternativas abaixo, apenas uma não interpreta corretamente o poema. Assinale-a: a) O soneto camoniano confirma a persistência de valores cristãos num momento em que se sentia a forte presença do racionalismo quinhentista. b) O eu lírico mostra-nos que, se valores como a Verdade e o Amor podem fortalecer a alma do homem, outros como o Tempo e a Sorte podem definir-lhe o destino e governar o mundo. c) O homem renascentista, já capaz de conhecer o mundo e a si próprio, não consegue elucidar os mistérios da vida e da morte. d) O texto confirma que o homem do século XVI também vivenciou os conflitos existentes entre o racionalismo antropocêntrico e a religiosidade teocêntrica. e) O poema de Camões denuncia a existência de um eu lírico totalmente convencido de que a Verdade, a Razão, o Amor e o Merecimento são os grandes valores que regem o destino da humanidade. O eu lírico afirma que o melhor é crer em Cristo, acima de tudo, inclusive da Verdade, da Razão, do Amor e do Merecimento. As questões a seguir referem-se a Os lusíadas (1572), poema épico de Luís Vaz de Camões (1525?-1580), que se constituem expressão dos valores renascentistas em língua portuguesa. Os feitos do povo português são enaltecidos, particularmente a viagem de Vasco da Gama às Índias. Há na obra, porém, uma voz dissonante: a do Velho do Restelo. Seguem abaixo as três primeiras estrofes nas quais quem fala é este personagem. 95 Ó glória de mandar! Ó vã cobiça Desta vaidade a quem chamamos fama! Ó fraudulento gosto, que se atiça Com uma aura popular que honra se chama! Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles experimentas! 37

38 96 Dura inquietação da alma e da vida. Fonte de desamparos e adultérios, Sagaz consumidora conhecida De fazendas, de reinos e de impérios! Chamam-te ilustre, chamam-te subida, Sendo dina de infames vitupérios! Chamam-te Fama e Glória soberana, Nomes com que se o povo néscio engana! O Velho do Restelo representa todos os entes amados dos que partem em busca de vãs cobiças. 97 A que novos desastres determinas De levar estes Reinos e esta gente? Que perigos, que mortes lhe destinas Debaixo dalgum nome preminente? Que promessas de reinos e de minas De ouro, que lhe farás tão facilmente? Que famas lhe prometerás? Que histórias? Que triunfos? Que palmas? Que vitórias? CAMÕES, Luís Vaz de. Os lusíadas. Edição comentada e anotada por Henrique Barrilaro Ruas. Porto: Rei dos Livros, p (Fragmento.) 13 (UEL-PR) A fala do Velho do Restelo surge no momento em que as naus de Vasco da Gama abandonam o cais. A praia está repleta de pessoas que vieram despedir-se dos navegadores. O Velho do Restelo representa: a) a aristocracia portuguesa ascendente a opor-se às navegações dos portugueses ao Oriente. b) os valores medievais portugueses voltados para a cristianização dos budistas orientais. c) a nova classe social emergente dominada pela rebeldia frente às conquistas portuguesas. d) as pessoas que ficam na praia, aguardando o retorno dos parentes que no Oriente conquistarão glória e dinheiro. e) as pessoas que ficam crianças, mulheres e velhos desprovidas da proteção de seus pais, esposos e filhos. 38 Os pontos de exclamação são utilizados para demonstrar a indignação do Velho do Restelo diante da ingenuidade de seus compatriotas que imaginavam obter fama e fortuna com as grandes navegações. 14 (UEL-PR) Na estrofe de número 95, registram-se cinco pontos de exclamação, e na estrofe de número 96, mais três outras exclamações. Este sinal de pontuação foi usado para marcar a indignação do Velho do Restelo frente: a) à ousadia dos navegadores portugueses esquecendo-se dos valores que lhes foram delegados pela tradição. b) ao descomedimento dos navegadores portugueses ao enfrentar os perigos do mar sem nenhuma cautela. c) à ingenuidade do povo português ao acreditar que as grandes navegações lhes trariam glória e dinheiro. d) à ingenuidade de Vasco da Gama, que acredita trazer à sua família paz e harmonia após a conquista das Índias. e) ao desprendimento do povo português ao sacrificar sua gente diante da perspectiva de enriquecimento no Oriente.

39 15 (Fuvest-SP) Considere as seguintes afirmações sobre a fala do Velho do Restelo, em Os lusíadas: I. No seu teor de crítica às navegações e conquistas, encontra-se refletida e sintetizada a experiência das perdas que causaram, experiência esta já acumulada na época em que o poema foi escrito. II. As críticas aí dirigidas às grandes navegações e às conquistas são relativizadas pelo pouco crédito atribuído a seu emissor, já velho e com um saber só de experiências feito. III. A condenação enfática que aí se faz à empresa das navegações e conquistas revela que Camões teve duas atitudes em relação a ela: tanto criticou o feito quanto o exaltou. Está correto apenas o que se afirma em: a) I. b) II. c) III. d) I e II. e) I e III. A crítica de Camões nesse episódio reflete, de fato, as perdas sofridas pelos portugueses durante as grandes navegações. Ela revela também a dualidade do poeta com relação a esse assunto. Texto para a questão 16. Endechas à escrava Bárbara Aquela cativa, que me tem cativo porque nela vivo, já não quer que viva. Eu nunca vi rosa em suaves molhos, que para meus olhos fosse mais formosa. Uma graça viva, que neles lhe mora, para ser senhora de quem é cativa. Pretos os cabelos, onde o povo vão perde opinião que os louros são belos. Pretidão de Amor, tão doce a figura, que a neve lhe jura que trocara a cor. Leda mansidão que o siso acompanha; bem parece estranha, mas bárbara não. CAMÕES, Luís de. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, Glossário Endechas. Versos em redondilha menor (cinco sílabas). Molhos. Feixes. Vão. Fútil. Leda. Risonha. 16 (UFTM-MG) Em sua obra, Camões continua a tradição da conduta amorosa das cantigas medievais. Nela, a mulher amada era considerada: a) responsável pelas contradições e insatisfações do homem. b) símbolo do amor erótico. c) incapaz de levar o homem a atingir o Bem. d) um ser impuro e prejudicial ao homem. e) uma pessoa superior, fonte de virtudes. Os ver sos do poema ilustram uma visão idealizada da mulher, fonte de virtude e inspiração para o eu lírico. 39

40 Navegando no módulo Projeto Literário do Classicismo Retomar os modelos da Antiguidade Clássica Adotar a razão como parâmetro de observação e interpretação da realidade Afirmação da superioridade humana (Antropocentrismo) Valorização do esforço individual desconcerto do mundo poesia lírica amor: matéria X espírito (visão neoplatônica) luís vaz de camões transitoriedade da vida (constante mudança) poesia épica os lusíadas LITERATURA Maria Luiza M. Abaurre Marcela Pontara Juliana Sylvestre Cesila reconstituição da história de portugal exaltação da bravura do povo português 40

Qual é o estado em que se encontra o eu lírico?

Resposta. O eu lírico encontra-se em estado de agitação e também confuso. Por isso, a constante presença da antítese para figurar esse estado de alma, como podemos ver em: "justamente choro e rio" / "Agora espero, agora desconfio," / "Agora desvario, agora acerto".

Qual o recurso utilizado pelo eu lírico para representar o poema ideal?

2- O eu-lírico utiliza a figura de linguagem chamada de antítese para simbolizar o estado em que se encontra.

Qual imagem é vista pelo eu lírico?

Explicação: Eu lírico é um termo usado dentro da literatura para designar o pensamento geral daquele que está narrando um poema. É usado em textos do gênero lírico, que são caracterizados pela expressão dos sentimentos e da subjetividade.

Que elemento o eu lírico escolheu para representar a pátria?

Resposta. Os elementos usados, por eu lírico foram o: ufanismo e a crítica.