Que material foram as primeiras ferramentas utilizadas pelo homem?

Artefato encontrado no sítio Bokol Dora. Foto: David R. Braun

Um novo sítio arqueológico, encontrado na Etiópia por uma equipe de cientistas locais e internacionais, mostra que as origens da produção de ferramentas de pedra por humanos ultrapassa os 2,58 milhões de anos. Anteriormente, a evidência mais antiga para o uso e produção sistemáticos de ferramentas de pedra remontava ao período entre 2,58 a 2,55 milhões de ano atrás.

Análises feitas pelos pesquisadores dos mais antigos sítios da Idade da Pedra, publicadas na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, sugerem que ferramentas de pedra podem ter sido inventadas muitas vezes, de várias maneiras diferentes, antes de se tornarem parte essencial da linhagem humana.

O sítio de escavação, conhecido como Bokol Dora 1 ou BD 1, fica perto do local de outra descoberta, ocorrida em 2013: o fóssil mais antigo do gênero Homo, feita por uma equipe liderado pela Universidade Estadual do Arizona no Projeto de Pesquisa Ledi-Geraru, no nordeste da Etiópia. O fóssil, uma mandíbula, data de 2,78 milhões de anos, cerca de 200 mil anos antes das ferramentas de pedra lascada até então consideradas as mais antigas.

Kaye Reed, diretor do Projeto de Pesquisa Ledi-Geraru e pesquisador da ecologia do local, observa que os animais encontrados junto com essas ferramentas eram semelhantes àqueles encontrados a poucos quilômetros de distância, com os primeiros fósseis de Homo. Reed é professor e diretor da Escola de Evolução Humana e Mudança Social e pesquisador associado do Instituto de Origens Humanas.

“Os primeiros humanos que fizeram essas ferramentas de pedra viveram em um hábitat totalmente diferente do de ‘Lucy'”, conta Reed. “Lucy” é o apelido para a espécie mais antiga de hominíneo, conhecida como Australopithecus afarensis, que foi descoberta na região de Hadar, na Etiópia, a cerca de 45 quilômetros do local do BD 1. “O hábitat mudou de um ambiente de arbustos com árvores ocasionais e florestas ribeirinhas para um local de pradarias com poucas árvores. Até mesmo os fósseis de girafas estavam comendo grama!”

A equipe do Ledi-Geraru, que inclui o geólogo Ramon Arrowsmith e David Feary, ambos da Faculdade de Exploração da Terra e do Espaço da na Universidade Estadual do Arizona, tem trabalhado nos últimos cinco anos para descobrir se há uma conexão entre as origens de nosso gênero e a origem da manufatura sistemática de ferramentas de pedra.

Um passo significativo nessa busca foi a descoberta do geólogo Chris Campisano, também da Universidade Estadual do Arizona, que viu ferramentas de pedra afiada saindo dos sedimentos em uma encosta íngreme e erodida. Campisano é professor associado na Escola de Evolução Humana e Mudança Social e pesquisador associado ao Instituto de Origens Humanas.

“No começo, encontramos vários artefatos na superfície, mas não sabíamos de que tipo de sedimento eles eram feitos”, disse Campisano. “Mas quando olhei para a beira de um pequeno penhasco, vi pedras saindo da lama. Eu cavei usando meu martelo e encontrei duas belas ferramentas de pedra começando a sair. ”

Foram necessários anos para escavar à mão através de metros de sedimentos até chegar a uma camada arqueológica que abrigava ossos de animais e centenas de pequenos pedaços de pedra lascada, que representam as primeiras evidências da produção e do uso de facas de pedra pelos nossos ancestrais. O local abriga uma riqueza de informações sobre como e quando os humanos começaram a usar tais ferramentas.

A preservação dos artefatos vem do fato de, originalmente, terem sido enterrados perto de uma fonte de água.

“Observando os sedimentos com um microscópio, pudemos ver que o local ficou exposto apenas por um tempo muito curto. Essas ferramentas foram abandonadas pelos primeiros humanos e depois rapidamente enterradas. O sítio permaneceu assim por milhões de anos”, observa a geoarqueóloga e coautora do estudo Vera Aldeias, do Centro Interdisciplinar de Arqueologia e Evolução Comportamental da Universidade do Algarve, Portugal.

Além de datar cinzas vulcânicas a vários metros abaixo do local, os geólogos do projeto também analisaram a assinatura magnética dos sedimentos do sítio. Concluíram que a polaridade magnética da Terra se inverteu em intervalos que podem ser calculados. Outros sítios arqueológicos anteriores, próximos da idade de BD 1, estão em sedimentos de polaridade “invertida”. O local do BD 1 está em sedimentos de polaridade “normal”. A reversão de “normal” para “invertida” aconteceu há cerca de 2,58 milhões de anos. Geólogos souberam então que o BD 1 era mais antigo que todos os sites anteriormente conhecidos.

A recente descoberta de ferramentas líticas do tipo percussivas no Quênia, datadas de 3,3 milhões de anos, no sítio arqueológico “Lomekwian”, e de ossos retalhados na Etiópia demonstram a profunda história da criação e do uso de ferramentas pelos nossos ancestrais. No entanto, recentes descobertas de ferramentas feitas por chimpanzés e macacos desafiaram a ideia de que o homem seria uma espécie de “macaco tecnológico”.

Arqueólogos que pesquisam o BD 1 se perguntaram como a nova descoberta de ferramentas de pedras se encaixa nesse quadro cada vez mais complexo. O que eles descobriram foi que não apenas essas novas ferramentas eram os artefatos mais antigos atribuídos à chamada “Oldowan“, tipo de tecnologia primitiva originalmente nomeada depois da descoberta da Garganta de Olduvai na Tanzânia, mas também que eram distintas de ferramentas feitas por chimpanzés, macacos ou ancestrais humanos anteriores.

“Esperávamos ver alguma indicação de uma evolução da tecnologia Lomekwian para as primeiras ferramentas de Oldowan. No entanto, quando observamos atentamente os padrões, havia muito pouca conexão com o que se sabe de sítios arqueológicos mais antigos ou com as ferramentas que os primatas modernos estão fazendo ”, conta o coautor do estudo Will Archer, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária na Lípsia, Alemanha, e da Universidade da Cidade do Cabo.

As maiores diferenças parecem ser a capacidade dos nossos ancestrais de sistematicamente cortar ferramentas menores e afiadas de grandes blocos de pedra. Os chimpanzés e macacos geralmente usam ferramentas para atividades de percussão, para martelar e bater em itens alimentícios como nozes e moluscos, o que parece ser o caso com as ferramentas Lomekwian de 3,3 milhões de anos.

Algo mudou 2,6 milhões de anos atrás, quando nossos ancestrais se tornaram mais eficientes e hábeis em trabalhar com as bordas das pedras para fazer ferramentas. Os artefatos encontrados no BD 1 capturam bem essa mudança.

Parece que essa mudança na fabricação de ferramentas ocorreu na mesma época em que os dentes de nossos ancestrais começaram a mudar. Isso pode ser observado na mandíbula encontrada em Ledi-Geraru. Como nossos ancestrais começaram a processar alimentos antes de comer usando ferramentas de pedra, começamos a ver uma redução no tamanho dos dentes. Nossa tecnologia e nossa biologia estavam intimamente interligadas até 2,6 milhões de anos atrás.

A falta de conexões claras com as tecnologias anteriores de ferramentas de pedra sugere que o uso de ferramentas foi inventado várias vezes ao longo da história.

“Visto que espécies de primatas em todo o mundo usam com frequência martelos de pedra para buscar novos recursos, parece muito possível que por toda a África muitos ancestrais humanos diferentes tenham encontrado novas maneiras de usar artefatos de pedra para extrair recursos do ambiente. Se nossa hipótese estiver correta, então esperamos encontrar algum tipo de continuidade na forma de artefato após 2,6 milhões de anos atrás, mas não antes desse período de tempo. Precisamos encontrar mais sítios arqueológicos”, explica David Braun, arqueólogo da Universidade George Washington e coatuor do estudo.

A partir de 2,6 milhões de anos atrás, parece haver um investimento de longo prazo no uso de ferramentas como parte da condição humana.

Universidade Estadual do Arizona