Como ficou a cidade do Rio de Janeiro com a chegada da comitiva portuguesa?

Há exatamente 200 anos a Família Real portuguesa, acompanhada de milhares de pessoas – num total, que alguns historiadores estimam em até 15 mil –, chegava ao porto do Rio de Janeiro, fugindo do cerco imposto na Europa pelas tropas francesas de Napoleão Bonaparte. A transferência da Corte provocou profundas transformações na vida da cidade e do País.

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À frente da comitiva, estava o príncipe-regente de Portugal D.João, que se tornaria o rei D. João VI, a mulher dele, a princesa Carlota Joaquina, a rainha-mãe D. Maria, a Louca, e o príncipe Pedro, que seria o primeiro Imperador do Brasil. A corte européia permaneceu por aqui 13 anos, e mudou para sempre a vida da então colônia.

Na noite de 7 de março, a cidade ficou toda iluminada. Os fogos de artifício já eram comuns nas festas. Dom João percorreu as ruas cobertas de flores e folhas perfumadas, mas as ruas eram mal-cheirosas, porque o esgoto corria a céu aberto.

A primeira celebração foi numa igreja no Centro do Rio: a Igreja do Rosário dos Homens Pretos. Os negros, escravos ou livres, receberam ordens para não seguir o cortejo real e não participar da festa. A proibição não surtiu efeito porque eles acompanharam o cortejo e entraram na igreja cantando.

Os integrantes da corte impuseram alguns hábitos – às 5h, havia a alvorada dos canhões das fortalezas que até hoje guarnecem a entrada da cidade; às 6h, os sinais das igrejas convocavam para a missa. Em compensação, eles se mostravam surpresos com a beleza da paisagem, com o verde da vegetação e a algazarra dos papagaios.

“A partir das 6 horas da manhã, as ruas se enchiam justamente desses escravos de ganho; com as suas cestas na cabeça iam oferecer todo tipo de produto pelas ruas: pão, café, lenha, animais vivos, doces dos mais variados, comida pronta”, relata a professora Mary Del Priori, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

  “PR: Ponha-se na Rua”

O Rio de Janeiro em 1808 era uma cidade pequena. Tinha apenas 46 ruas, com 60 mil habitantes. Uma lei, editada pela Coroa, estabeleceu que os funcionários reais poderiam confiscar qualquer prédio para se instalar.

Nos muros e nos portões das residências escolhidas pelos serviçais, eram pintadas as letras “PR”, que significam príncipe-regente, e que foram traduzidas pelos habitantes da cidade como “ponha-se na rua”.

O professor Nireu Cavalcanti, da Universidade Federal Fluminense (UFF), lembra que a maioria dos recém-chegados pagava aluguel, o que ajudou os grandes proprietários a ficarem mais ricos.

“Nós tínhamos 193 grandes proprietários da cidade da Rio, eles tinham 23% dos imóveis. E a cidade do Rio de Janeiro ficou conhecida como a cidade de aluguel mais caro do reino de Portugal. Aqui era uma especulação imobiliária tremenda”, conta o professor.

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A vinda da família real portuguesa para o Brasil ocorreu em 29 de novembro de 1807 e a comitiva aportou em Salvador (BA), em 22 de janeiro de 1808.

O refúgio no Brasil foi uma manobra do príncipe regente, D. João, para garantir que Portugal continuasse independente quando foi ameaçado de invasão por Napoleão Bonaparte.

Para garantir o êxito da transferência, o reino de Portugal teve apoio da Inglaterra, que também auxiliou na expulsão das tropas napoleônicas.

Por que a Família Real veio para o Brasil?

Em 1806, Napoleão Bonaparte decretou o bloqueio continental determinando que os países europeus fechassem os portos para os navios da Inglaterra.

Enquanto isso, Bonaparte negociou secretamente o Tratado de Fontainebleau (1807) com os espanhóis que permitiria os franceses atravessar a Espanha para invadir Portugal. Em troca, o reino espanhol poderia se apoderar de um pedaço do território português.

Portugal não aderiu ao bloqueio continental devido à longa aliança política e comercial com os ingleses e, por este motivo, Napoleão ordenou a invasão do território português, ocorrida em novembro de 1807.

Antes disso, em 22 de outubro de 1807, o príncipe regente D. João e o rei da Inglaterra Jorge III (1738-1820) assinaram uma convenção secreta que transferia a sede monárquica de Portugal para o Brasil.

Neste mesmo documento, ficava estabelecido que as tropas britânicas se instalariam na lha da Madeira temporariamente. Por sua parte, o governo português comprometeu-se em assinar um tratado comercial com a Inglaterra após fixar-se no Brasil.

O príncipe regente, Dom João, determinou que toda a família real seria transferida para o Brasil. Também viajariam os ministros e empregados, totalizando 15,7 mil pessoas que representavam 2% da população portuguesa.

Atualmente, estes números estão sendo revistos, pois muitos historiadores consideram a cifra exagerada.

Embarque da Família Real

Como ficou a cidade do Rio de Janeiro com a chegada da comitiva portuguesa?
Embarque da Família Real portuguesa para o Brasil, autor desconhecido

Foram necessários oito naus, três fragatas, três brigues e duas escunas para o transporte. Outros 4 navios da esquadra britânica acompanhavam a corte.

Além das pessoas foram embarcados no dia 29 de novembro de 1807, móveis, documentos, dinheiro, obras de arte e a real biblioteca. Aos que ficaram, lhes foi aconselhado receber de maneira pacífica os invasores para evitar derramamento de sangue.

O general Junot (1771-1813), comandante da invasão, ficou em Lisboa até agosto de 1808 quando foi derrotado pelos ingleses. A partir daí, Portugal era governado pelo Conselho de Regência integrados por fidalgos do reino.

Travessia e chegada da Família Real

A viagem ocorreu em condições insalubres e durou 54 dias até Salvador (BA), onde desembarcou no dia 22 de janeiro de 1808. Na capital baiana foram recebidos com festas e ali permaneceram por mais de um mês.

No período em que esteve na Bahia, o Príncipe Regente assinou o Tratado de Abertura dos Portos às Nações Amigas e criou a Escola de Cirurgia da Bahia.

No dia 26 de fevereiro, a corte partiu para o Rio de Janeiro, que seria declarada capital do Império.

A chegada no Rio de Janeiro ocorreu em 8 de março de 1808. Havia poucos alojamentos disponíveis para acomodar a comitiva palaciana e muitas residências foram solicitadas para recebê-los.Quartéis e conventos também foram usados para acomodar a corte.

As casas que eram escolhidas pelos nobres recebiam em sua fachada a inscrição P.R., que significava "Príncipe Regente" e indicava a saída dos moradores para disponibilizar o imóvel.

No entanto, a população interpretou a sigla, ironicamente, como "Ponha-se na Rua".

Consequências da vinda da Família Real

A transferência da Família Real e sua comitiva contribuiu para significativas mudanças no Brasil e no Rio de Janeiro.

Com a abertura dos portos, todas as nações amigas de Portugal puderam comercializar com o Brasil. Num primeiro momento, isto significava o comércio com a Inglaterra.

Por sua vez, o Rio de Janeiro se tornou a capital do reino de Portugal e foram realizados melhoramentos e levantados novos edifícios públicos na cidade.

O mesmo ocorreu com o mobiliário e a moda. Com a abertura dos portos, o comércio foi diversificado, passando a oferecer serviços como o de cabeleireiros, chapeleiros, modistas.

D. João também abriu a Imprensa Régia, de onde surgiu a Gazeta do Rio de Janeiro. Foram criadas instituições como:

  • Real Academia Militar (1810),
  • Jardim Botânico (1808),
  • Real Fábrica de Pólvora (1808),
  • Banco do Brasil (1808),
  • Laboratório Químico-Prático (1812).

Vida cultural

A arte, contudo, está entre os setores que mais recebeu impacto da transferência da corte. A Real Biblioteca de Portugal foi transferida integralmente de Lisboa para o Rio de Janeiro, em 1810.

O acervo inicial, de 60 mil volumes, era composto por livros, mapas, manuscritos, estampas e medalhas e foi a origem da atual Biblioteca Nacional.

Para o entretenimento dos integrantes da corte, foi fundado, em 1813, o Real Teatro São João, onde atualmente se encontra o Teatro João Caetano.

Na música, o compositor português Marcos Portugal e o brasileiro padre José Maurício, escreveram na época, as mais belas melodias das Américas.

Com o fim das guerras napoleônicas, vários artistas franceses se viram sem trabalho e recorrem a Dom João para seguir suas carreiras. Tem início, assim, a chamada Missão Francesa que possibilitou a abertura da Escola Real de Artes Ciências e Oficios.

Tratado de Aliança e Amizade, de Comércio e Navegação

Como ficou a cidade do Rio de Janeiro com a chegada da comitiva portuguesa?

A fim de estreitar os laços comerciais e políticos com os ingleses, Dom João assina, em 1810, o Tratado de Aliança e Amizade, de Comércio e Navegação com o Reino Unido.

Este Tratado estabelecia:

  • vantagens comerciais. O imposto de importação de produtos ingleses seria de 15%, ou seja, os produtos portugueses, 16%, e os demais países, 24%.
  • O compromisso do fim do tráfico negreiro em vistas da abolição da escravidão;
  • o direito da extraterritorialidade. Isto permitia aos súditos ingleses que cometesse crimes em domínios portugueses serem processados por magistrados ingleses, segundo a lei inglesa;
  • a permissão para construir cemitérios e templos protestantes;
  • a segurança de que a Inquisição não seria implantada no Brasil e, desta maneira, os protestantes não seriam incomodados.

Independência do Brasil

A principal consequência da vinda da família real para o Brasil foi a aceleração do processo de independência do país.

Em 1815, com fim das guerras napoleônicas, o Brasil foi declarado parte do Reino Unido de Portugal e Algarves, deixando de ser uma colônia.

Isso foi necessário, pois os dirigentes europeus reunidos no Congresso de Viena não reconheciam a autoridade de Dom João numa simples possessão ultramarina.

A permanência da família real foi decisiva para manter a unificação territorial do Brasil, pois reuniu parte da elite e da população em torno à figura do soberano.

As medidas político-administrativas de Dom João fizeram com que a Inglaterra acentuasse o interesse no comércio com o Brasil. Essa condição fica clara com a abertura dos portos às nações amigas.

O processo fez com que Portugal perdesse o monopólio sobre o comércio com o Brasil e a elite agrária passa a sonhar com a Independência. Em contrapartida, o Brasil passa a ser para a Inglaterra um promissor mercado consumidor e fornecedor.

Quando D. João VI precisou retornar a Portugal, por causa da Revolução Liberal do Porto, o filho Dom Pedro, aproxima-se da elite agrária. Esta estava preocupada com a possibilidade de recolonização e as guerras em curso na América Espanhola.

A Independência do Brasil é declarada no dia 7 de setembro de 1822 por Dom Pedro I que se torna o primeiro imperador do Brasil.

Independente, o país promulga a primeira Constituição em 1824 que mantém o regime monárquico, a escravidão e reconhece a religião católica como oficial.

Resumo da vinda da Família Real

Fato HistóricoData
Bloqueio Continental 21 de novembro de 1806
Partida de Lisboa 29 novembro de 1807
Chegada à Bahia 22 janeiro de 1808
Abertura dos Portos para as Nações Amigas 28 de janeiro de 1808
Criação da Escola de Cirurgia da Bahia 18 de fevereiro de 1808
Chegada ao Rio de Janeiro 8 de março 1808
Criação da Imprensa Régia 13 de maio de 1808
Real Academia dos Guardas-Marinhas 5 de maio de 1808
Estabelecimento do Real Horto (Jardim Botânico) 13 de junho de 1808
Fundação do Banco do Brasil 12 de outubro de 1808
Tratados de Aliança e Amizade, de Comércio e Navegação 19 de fevereiro de 1810
Instituição da Real Biblioteca (atual Biblioteca Nacional) 29 outubro de 1810
Real Academia Militar 4 de dezembro de 1810
Laboratório Químico-Prático 25 de janeiro de 1812
Teatro São João 13 de outubro de 1813
Criação da Missão Francesa 1815
Escola Real de Artes, Ciências e Oficio 12 de agosto de 1816
Retorno para Portugal 26 de abril de 1821

Leia mais:

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  • Dia do Fico
  • Maria Quitéria
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Como ficou a cidade do Rio de Janeiro com a chegada da comitiva portuguesa?

Bacharelada e Licenciada em História, pela PUC-RJ. Especialista em Relações Internacionais, pelo Unilasalle-RJ. Mestre em História da América Latina e União Europeia pela Universidade de Alcalá, Espanha.

Quais mudanças ocorreram na cidade do Rio de Janeiro com a chegada da Corte Portuguesa?

Nessa época, foram construídos chafarizes para o abastecimento de água, pontes e calçadas; abriram-se ruas e estradas; foi instalada a iluminação pública; passaram a ser fiscalizados os mercados e matadouros; organizadas as festas públicas, etc.

O que aconteceu com a cidade do Rio de Janeiro com a chegada da família real?

A vinda da família real para o Brasil mudou, também, a fisionomia do Rio de Janeiro. A cidade que os estrangeiros acharam suja, feia e malcheirosa começou a se expandir e cuidar de sua aparência, abrindo-se às modas européias.

Como era a cidade do Rio de Janeiro quando da chegada da Corte Portuguesa ao Brasil?

Antes de 1808, o Rio de Janeiro - embora já capital da colônia do Brasil desde 1763 - era uma cidade colonial de proporções moderadas. A cidade ocupava o espaço desde o mar até as franjas dos morros e a região central não ia além do Campo de Santana.

Quais mudanças ocorrem na cidade do Rio de Janeiro com a vinda da família real em 1808?

Com a chegada da família real houveram algumas mudanças no Rio de Janeiros, dentre elas:.
Ampliação e abertura do porto do Rio de Janeiro para comercialização com os países aliados a Portugal..
Estímulos a industrialização brasileira..
Criação do banco do Brasil..
Instalação da junta de comércio..