Como José Bonifácio caracteriza o indígena brasileiro?

Ao longo de todo o per�odo colonial, os �ndios foram enquadrados no universo legal portugu�s como s�ditos da Coroa. O enquadramento valia tanto para os que acabaram classificados na legisla��o como “�ndios mansos” como para aqueles que n�o aceitavam viver pacificamente ao lado dos portugueses, os “�ndios bravios”. Ao longo do per�odo colonial, gra�as especialmente aos esfor�os dos padres jesu�tas, foram sendo reconhecidos tanto o direito � liberdade dessas popula��es como a necessidade de um estatuto especial para garantir-lhes alguns direitos. Depois de idas e vindas, acabou sendo encontrada a f�rmula da tutela especial do Estado sobre os nativos, capaz de assegurar-lhes direitos como a posse das terras que ocupavam ou a manuten��o de seus costumes nas aldeias.

A Constitui��o de 1824 muda esta situa��o. A partir dela, os �ndios se tornam cidad�os brasileiros com os mesmos direitos e obriga��es de todos os outros. Esta n�o � uma solu��o comum na �poca; nos Estados Unidos, por exemplo, o texto constitucional considera os �ndios como habitantes de outras na��es, embora enquadre o territ�rio que ocupam como parte daquele do pa�s. Mas apesar da maior inclus�o jur�dica no Brasil, a constitucionaliza��o das rela��es entre habitantes – agora cidad�os – traz consequ�ncia semelhante nos dois casos.

O enquadramento dos �ndios brasileiros como cidad�os � uma f�rmula para anular totalmente seus direitos tradicionais, inclusive aqueles sobre terras que eventualmente ocupem. Esta f�rmula permite a acelera��o do avan�o sobre o espa�o ocupado pelos nativos, j� que n�o h� mais qualquer limita��o jur�dica para ele. Ao contr�rio, para ter direitos sobre terras, agora os nativos precisam pedir o registro de posse segundo as praxes da lei.

Neste sentido, o projeto de Jos� Bonif�cio sobre a civiliza��o dos �ndios apresentado na primeira Constituinte, � uma tentativa de salvaguardar os direitos tradicionais dos nativos, recolocando o instituto da tutela do Estado tanto para o reconhecimento dos direitos tradicionais como redimensionando seu papel como agente respons�vel pelo controle das rela��es com os demais cidad�os. Mas nem esta nem outras tentativas de controle v�o adiante, e a situa��o jur�dica dos �ndios no per�odo imperial se torna ainda mais prec�ria que nos tempos coloniais.

Após a Independência do Brasil, em 1822, e a instituição do Império, com a Constituição de 1824 e o governo de D. Pedro I, um dos interesses mais patentes das elites políticas que arquitetaram a política nacional (entre esses “arquitetos” estava a figura expressiva de José Bonifácio de Andrada e Silva) era dar ao Brasil o caráter de Nação, isto é, o “rosto” de um país com um povo e uma cultura específicos. Essa pretensão fazia-se coerente, uma vez que o mundo ocidental vivia, em meados do século XIX, a explosão do Nacionalismo; e, no âmbito cultural, do Romantismo, que endossava os conceitos de povo e nação.

Durante o Período Regencial e o Segundo Reinado, que tiveram, guardadas as devidas críticas, o papel de manter a unidade nacional por meio, sobretudo, da preservação da unidade territorial, o projeto de construção da identidade do “povo brasileiro” pôde ser visto em vários setores, desde o cultural, com a poesia, o romance e as artes plásticas que tematizaram o indigenismo e os valores da sociedade tipicamente brasileira, até as ações políticas de fomento científico. Foi o caso das ações do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o IHGB.

Entretanto, um dos problemas que a “construção do modelo de povo brasileiro” enfrentava nesse período era o fato de que, no Brasil, o processo de “aburguesamento” da sociedade ainda não tinha se efetivado. Para que o país, à época, formasse de forma genuína um “povo”, isto é, um corpo de cidadãos conscientes de seu protagonismo político, era necessário que a sociedade encarnasse efetivamente os valores burgueses, que se formam mediante o contato com o processo de industrialização e a formação de grandes centros urbanos e comerciais.

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O fato é que o Brasil, apesar de querer estar inserido no processo de absorção desses valores, era um país herdeiro de tradições aristocráticas, patrimonialistas e, em grande parte, absolutistas. Esses fatores provocavam a incompatibilidade entre os anseios de determinada elite política e a realidade da nossa formação histórica nacional.

O próprio imperador D. Pedro II possuía certa imagem de monarca, mas pretendia afastar-se do padrão faustuoso, do luxo aristocrático. Ao utilizar roupas burguesas, como terno, colete, gravata e cartola, Pedro II passava “ares de rei-cidadão”, como bem investiga a historiadora Lilia M. Schwarcz em seu livro “As barbas do imperador”. Isso implicava uma contradição entre as funções de um rei herdeiro de uma casa aristocrática pré-napoleônica e absolutista. D. Pedro, em sua própria pessoa, encarnava as contradições de um país em construção.