Em que mundo se encontra a multiplicidade das coisas

   

Em que mundo se encontra a multiplicidade das coisas

O nascimento da Filosofia na Grécia é marcado pela passagem da cosmogonia para a cosmologia. A cosmogonia, típica do pensamento mítico, é descritiva e explica como do caos surge o cosmos, a partir da geração dos deuses, identificados às forças da natureza. Na cosmologia, as explicações rompem com a religiosidade: a arché (princípio) não se encontra mais na ordem do tempo mítico, mas significa princípio teórico, enquanto fundamento de todas as coisas. Daí a diversidade de escolas filosóficas, dando origem a fundamentações conceituais (e portanto abstratas) muito diferentes entre si.

Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eleia pertencem a esse primeiro momento da história da Filosofia, que comumente chamamos "Filosofia pré-socrática" ou naturalista, cuja preocupação principal era explicar a origem de todas as coisas a partir de um ou mais princípios (arché). Contudo, esses filósofos introduzem nesse período uma forma de pensar diferenciada, mais metafísica.


Heráclito: tudo flui

   

Em que mundo se encontra a multiplicidade das coisas

 

Heráclito (544-484 a.C.) nasceu em Éfeso, na Jônia (atual Turquia). Tal como seus contemporâneos pré-socráticos, busca compreender a multiplicidade do real. Mas, ao contrário deles, não rejeita as contradições e quer apreender a realidade na sua mudança, no seu devir. Todas as coisas mudam sem cessar, e o que temos diante de nós em dado momento é diferente do que foi há pouco e do que será depois: "Nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio", pois na segunda vez não somos os mesmos, e também o rio mudou.

Portanto não há o ser estático, e o dinamismo pode bem ser representado pela metáfora do fogo, forma visível da instabilidade, símbolo da eterna agitação do devir, "o fogo eterno e vivo, que ora se acende e ora se apaga".

Para Heráclito o ser é múltiplo. Não no sentido apenas de que existe a multiplicidade das coisas, mas de que o ser é múltiplo por estar constituído de oposições internas. O que mantém o fluxo do movimento não é o simples aparecer de novos seres, mas a luta dos contrários, pois "a guerra é pai de todos, rei de todos". E é da luta que nasce a harmonia, como síntese dos contrários.

Parmênides: o ser é imóvel

   

Em que mundo se encontra a multiplicidade das coisas

 

Parmênides (c. 540-470 a.C.) viveu em Eléia, cidade do sul da Magna Grécia (atual Itália) e é o principal expoente da chamada escola eleática. Elaborou importantíssima teoria filosófica na medida em que influenciou de forma decisiva o pensamento ocidental. Ocupou-se longamente em criticar a filosofia heraclitiana: ao "tudo flui" (panta rei) de Heráclito, contrapôs a imobilidade do ser.

Para Parmênides é absurdo e impensável considerar que uma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo. À contradição opõe o princípio segundo o qual "o ser é" e o "não-ser não é". Mais tarde, os lógicos chamarão a isto princípio de identidade, base de toda construção metafísica posterior.

NÃO ESQUEÇA!

PRINCÍPIO DE IDENTIDADE:

"O SER É; O NÃO-SER NÃO É"

Baseado em raciocínios derivados desse princípio de identidade, Parmênides conclui que o ser é: único, eterno, imutável, infinito e imóvel. Não há, entretanto, como negar a existência do movimento no mundo que percebemos, onde as coisas nascem e morrem, mudam de lugar e se expõem em infinita multiplicidade. Para Parmênides, o movimento existe apenas no mundo sensível, e a percepção levada a efeito pelos sentidos é ilusória. Só o mundo inteligível é verdadeiro, pois está submetido ao princípio que hoje chamamos de identidade e de não-contradição.

Uma das consequências dessa teoria é a identidade entre o ser e o pensar. Ou seja, as coisas que existem fora de mim são idênticas ao meu pensamento, e o que eu não conseguir pensar não pode ser na realidade.

(adaptado de: ARANHA, Maria Lúcia de A., MARTINS, Maria Helena. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993. p. 93)

Em que mundo se encontra a multiplicidade das coisas
Detalhe da 'Escola de Atenas', de Rafael Sanzio, 1510

Os pensadores Heráclito e Parmênides, da Grécia Antiga, trazem uma das primeiras grandes contradições da filosofia, sobre como conhecemos os seres e o mundo. Heráclito entende a partir da mudança, do não-ser, da experiência sensível e transformação, enquanto que Parmênides defende a permanência, o ser, o teórico e a identidade, perspectivas distintas que ainda persistem em nosso tempo.

Heráclito viveu entre o século VI e V a.C., buscou compreender a multiplicidade das coisas do mundo sem rejeitar suas contradições aparentes, apreendendo a realidade em sua mutabilidade. Os seres e as coisas do mundo estão constantemente em transformação, o que temos num dado momento é diferente do que foi há pouco tempo atrás, e será diferente num momento seguinte.

"Nunca nos banhamos nos mesmos rios."
(Heráclito de Éfeso)

Segundo Heráclito, não há como nos banhar nos mesmos rios, as águas nunca serão as mesmas, pois o rio está em constante fluxo, e nós também não seremos os mesmos, pois estamos em permanente transformação. Nos mesmos rios correm outras águas, e em nós mesmos a mudança acontece continuamente, estamos sempre deixando de ser algo para nos tornar outro.

Entendendo o mundo e o ser em constante movimento e transformação, utilizou o elemento fogo para representar sua perspectiva que consiste no movimento contínuo e incessante, a agitação do devir. Para o filósofo, o ser é múltiplo, pois se constitui de diversas oposições internas, numa luta constante entre os opostos: entre a euforia e a melancolia, a alegria e a tristeza, a completude e a ausência.

Parmênides, contemporâneo à Heráclito, contrariou sua perspectiva. Segundo ele, o ser é imóvel, imutável e estático, inclusive era impensável imaginar que uma coisa pudesse ser e não ser ao mesmo tempo, como acontece na mudança e na transitoriedade da experiência da vida. Com isso, estabeleceu indícios do princípio de identidade e repetição, posteriormente utilizado na lógica.

Ele negou a existência do movimento que percebemos no mundo, onde as coisas aparecem e desaparecem, nascem e morrem, buscando o que havia de permanente nessa mudança. Segundo ele, esses movimentos acontecem apenas na experiência sensível de nossa percepção que é ilusória, os sentidos nos enganam e apenas o mundo inteligível é verdadeiro. O movimento não tem lógica, pois o ser é único, imutável, imóvel e infinito.

Entendia que o mundo percebido por nossos sentidos é composto de aparências falsas e opiniões enganosas contrariando, portanto, a concepção de ser e mundo mutável, defendendo uma noção de ser e mundo estável. Ele dizia "o ser é", no sentido de ser sempre idêntico a si mesmo, eterno, imutável, que pode ser concebido por meio do pensamento. Foi o primeiro a defender a ideia de que a aparência sensível das coisas não corresponde à verdade, contrapondo "ser" ao "não-ser".

"O ser é e não pode não-ser, o não-ser não é e não pode ser."
(Parmênides de Eléia)

Deste modo, se opõs à filosofia de Heráclito, que se dedicava ao devir e a constante transformação das coisas, como o dia que virava noite, o novo que envelhecia, ou o vivo que morria, enfatizando a multiplicidade do mundo e dos seres. Parmênides afirmou que a verdade exige a identidade, a imutabilidade e a unidade do ser, negando portanto a mudança e o "não-ser". Para ele, a verdade corresponde à estabilidade, ao invés da mudança e da contradição.

A filosofia, que havia iniciado com os os primeiros filósofos como uma cosmologia, buscando entender o mundo em seus aspectos físicos, passa a se dedicar à metafísica e à ontologia, onde as concepções de mudança, multiplicidade e contradição passam a ser entendidas como meras aparências falsas. Essa forma de pensamento será reforçada com Platão (428-347 a.C.) em sua teoria das ideias, que entende o mundo sensível como falso e perecível, e o mundo das ideias como o verdadeiro e eterno.

Essa tendência de desvalorizar o mundo sensível se fará presente mais intensamente nas filosofias posteriores, infuenciando a filosofia medieval e moderna. Na contemporaneidade ideias de mudança e transitoriedade sobre o ser e o mundo são retomadas por filósofos como Friedrich Nietzsche (1844-1900), Jean-Paul Sartre (1905-1980), Michel Foucault (1926-1984), entre outros, e tendências como o existenciaismo, a fenomenologia e as filosofias pós-modernas.

Por Bruno Carrasco.

Referências:

ARANHA, Maria Lúcia; MARTINS, Maria Helena.

Filosofando: introdução à filosofia

. São Paulo: Moderna, 2009.

CHAUÍ, Marilena.

Convite à Filosofia

. São Paulo: Ática, 2002.

O que é multiplicidade na filosofia?

Entendemos que a multiplicidade é um dos conceitos centrais da produção intelectual de Gilles Deleuze e que articula elementos singulares dentro da filosofia contemporânea. Trata-se de um conceito situado dentro da filosofia da imanência, consolidada como expressão fabril do devir.

Qual o conceito de multiplicidade?

1. Qualidade de multíplice. 2. Abundância, variedade, grande número.

Quais são os dois mundos de Platão?

A partir de então, tem-se uma dualidade de mundos na filosofia de Platão no que diz respeito às coisas que existem e que podem ser conhecidas. Estes dois mundos são conhecidos pelos nomes de Inteligível (das Idéias) e Sensível (das Representações).

O que é o mundo das ideias e o mundo sensível para Platão?

Nesse Mundo das Ideias, estariam as essências das coisas, os conceitos, as Ideias fixas e imutáveis que descrevem essencialmente cada ser ou objeto existente. Já o mundo sensível seria a realidade com a qual nos defrontamos em nosso cotidiano básico, acessada por meio de nossa experiência sensível.