RESUMO:este artigo tem como objeto de estudo a educação em direitos humanos como estratégia para o respeito aos direitos das pessoas com deficiência. Faz referência à construção histórica dos direitos humanos e a contribuição da escola para a efetivação desses direitos hoje assegurados em legislação. A escola é local para propagar uma cultura dos direitos, espaço privilegiado para a convivência em direitos humanos, espaço para compreender e vivenciar a diversidade. Considerando a implementação da política nacional de educação em direitos humanos, foi realizada uma pesquisa junto a 18 professores e gestores de educação básica, que atuam em escolas que possuem alunos incluídos, sobre a percepção existente a respeito da efetividade da legislação vigente que trata dos direitos das pessoas com deficiência. Os resultados evidenciam um discurso que contempla a defesa dos direitos ao mesmo tempo em que demonstra a fragilidade da prática quando relacionada à legislação vigente. Para uma mudança, a escola necessita educar-se para os direitos humanos e todos os envolvidos no processo educativo devem construir coletivamente projetos que possibilitem a vivência dos direitos humanos. Educação inclusiva como garantia de direitos é muito mais do que estar na escola, é contribuir para a igualdade das condições de vida. Show
PALAVRAS-CHAVE: ABSTRACT:This article has as object of study the education of human rights as a strategy to respect the rights of persons with disabilities. It refers to the historical construction of human rights, and the school's contribution to the realization of these rights now guaranteed by law. The school is a place to disseminate rights and to exercise a culture of rights, a privileged place for living together the human rights, a place to understand and experience diversity. Considering the implementation of the national education policy on human rights, a survey was carried out with 18 teachers and managers of basic education who work in schools that have included students, and questioned on their perception about the effectiveness of the current legislation that rules on the rights of persons with disabilities. The results evidences a discourse that includes the defense of the rights while demonstrating the frailty of the practice when related to the current legislation. To promote a change, the school needs to be educated on human rights and all the people involved in the educational process must collectively build projects that make the experience of human rights possible. Inclusive education as a guarantee of rights goes beyond being in school, it means contributing to equality of living conditions. KEYWORDS: 1 IntroduçãoBusca-se, nesse trabalho, refletir sobre a contribuição da educação em direitos humanos para a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência em escolas de educação básica. Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva5 5 Texto elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555/2007. , a educação para pessoas com deficiência, "[...] constitui um paradigma
educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis [...]" (BRASIL, 2007BRASIL. Ministério de Educação. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf>. Acesso em: 20 ago.
2015. Este paradigma educacional representa um novo olhar sobre a inclusão, pois [...] avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola (BRASIL, 2007BRASIL. Ministério de Educação. Política nacional de educação
especial na perspectiva da educação inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2015. A educação em direitos humanos favorece a inclusão de alunos com deficiências ao propiciar uma reflexão sobre os direitos de cada estudante. Questiona-se, no entanto, se existe equidade no atendimento ao direito às pessoas com deficiência, pois embora se observem avanços do aparato legal, não significa que a legislação tenha conseguido alterar a prática no cotidiano das escolas para pessoas com deficiência. Esse estudo, portanto, busca investigar como os direitos humanos estão assegurados na legislação e como vem sendo efetivada a legislação relacionada aos direitos das pessoas com deficiência. Buscou-se realizar um estudo em escolas de educação básica que possuem alunos com deficiência incluídos, mediante realização de entrevistas, com o intuito de analisar qual a percepção de professores e gestores sobre a efetividade da legislação vigente. 2 Constituição histórica dos direitos humanosAs declarações e convenções acerca dos direitos humanos evidenciam a garantia de condições legais a todos de não ter ferido seus direitos como ser humano. Todas as sociedades buscam a efetivação dos direitos humanos, entretanto há uma grande distância entre reconhecer e proclamar um direito e sua garantia na prática, pois por mais que se tenham legislações proclamando direitos em sociedades marcadas culturalmente por desigualdades e preconceitos, nem sempre se reconhecem direitos. Conforme Bobbio (2004, p.16)BOBBIO, N. 1909 - A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. [...] o mais forte argumento [...] contra os direitos do homem, particularmente contra os direitos sociais, não é a sua falta de fundamento, mas a sua inexequibilidade (BOBBIO, 2004BOBBIO, N. 1909 - A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. , p.16). Os direitos são construídos historicamente, dependem do contexto, do momento histórico, dos atores, que evoluem para a transformação dos direitos, criando as garantias necessárias e novas formas de reivindicação e luta, não bastando que sejam proclamados, pois necessitam ser protegidos e implementadas de fato. Bobbio, ao referir-se aos direitos na atualidade, considera que não se trata de justificar e sim proteger, não sendo um problema filosófico, mas, sim, político, pois
A consolidação de uma cultura em direitos humanos não é tarefa fácil, especialmente em um país como o Brasil, marcado por imensas desigualdades, no qual parcela da população é excluída da participação ativa na sociedade e em que, muitas vezes, as pessoas não são, na prática, consideradas como seres humanos plenos de direitos. Como produto histórico e cultural, com a evolução da sociedade, novos direitos vão surgindo e como uma sociedade é diferente da outra em relação aos valores, regras, normas, costumes, não se pode falar em direitos iguais e aceitáveis em todas as sociedades,
Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pelas Nações Unidas em 1948, delineiam-se os direitos básicos. Ela marca o início da tentativa de universalização dos direitos. A declaração foi pensada em um momento em que o mundo enfrentava um período difícil, o Pós-Segunda Guerra Mundial. Buscavam-se novos alicerces ideológicos para as bases de uma cultura de paz, para se evitar novas guerras, promover a democracia, negociando conflitos e o fortalecimento dos direitos humanos. Mas, segundo Santos (1997, p.20)SANTOS, B. S. Por uma concepção multicultural dos direitos humanos. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coímbra, n.48, p.11-32, 1997., há uma intencionalidade nesse momento para direcionar a Declaração de Direitos,
De certa forma, os direitos não são isentos à medida que passam a ser assumidos nas sociedades e estão a serviço de uma determinada classe, trazem consigo valores, afirmações, há interesses neles. Conforme Bobbio (2004)BOBBIO, N. 1909 - A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. , os direitos têm relação com o contexto no qual foram propostos, portanto, são históricos e modificam-se pelas necessidades que emergem a cada momento distinto, são produtos da civilização humana. "[...] os direitos emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem (BOBBIO, 2004BOBBIO, N. 1909 - A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. , p.16). Não basta proclamar um direito, mas, sim, são necessárias condições para fazer cumpri-lo, pois às vezes acontecem fatos que dificultam ou impedem a efetivação de um direito. Como exemplo, todos têm direito ao trabalho, mas isso depende de outros fatores relacionados que podem impedir o acesso à realização desse direito. Dessa forma, a questão do direito e sua efetivação são passíveis de inúmeras discussões.
Os direitos fundamentais surgem em consonância com a demanda de cada época, por essa razão, costuma-se dividi-los em gerações ou dimensões de direitos, amparadas pelo momento histórico em que eles surgem. Explica Bonavides (2006, p.563)BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. que "[...] os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e quantitativo [...]". Na primeira geração ou dimensão, referem-se às liberdades, são frutos das revoluções liberais francesas e norte-americanas, nas quais a burguesia reivindica o respeito às liberdades individuais, a limitação dos poderes absolutos do Estado. Para exemplificar os direitos de primeira dimensão, o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de expressão, à liberdade de religião, à participação política, etc. Transcrevemos as palavras de Daniel Sarmento (2006, p.12-13)SARMENTO, D. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. que afirma que "[...] dentro deste paradigma, os direitos fundamentais acabaram concebidos como limites para a atuação dos governantes, em prol da liberdade dos governados". Já os direitos de segunda geração ou dimensão relacionam-se às liberdades positivas, reais ou concretas, assegurando o princípio da igualdade material entre o ser humano. A Revolução Industrial foi o grande marco dos direitos de segunda geração, a partir do século XIX, implicando na luta do proletariado, na defesa dos direitos sociais (essenciais básicos: alimentação, saúde, educação, etc.). Nessa categoria de direitos, exige-se uma atuação do Estado no sentido de garantias aos direitos à saúde, à educação, ao trabalho, à habitação, à assistência social, entre outros. Bonavides, ao fazer referência aos direitos de segunda geração, afirma que:
Os direitos de terceira geração ou dimensão referem-se aos princípios da solidariedade ou fraternidade, não se destinando especificamente à proteção dos interesses individuais, de um grupo ou de um determinado Estado, mostrando uma grande preocupação com as gerações humanas, presentes e futuras. Como exemplo, o direito ao desenvolvimento ou progresso, ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, direito de comunicação, de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e direito à paz, que não são concebidos para a proteção do homem isoladamente, mas de coletividades, de grupos. Bonavides, ao se posicionar sobre os direitos de terceira geração, cita os seguintes termos:
Têm-se, hoje, defesas em relação à existência da quarta e quinta geração de direitos, que estão relacionados à engenharia genética, aos direitos introduzidos pela globalização política e outros relacionados à democracia, ao direito à informação e ao pluralismo. Nesse contexto, surgem as lutas e reivindicações quanto aos direitos das pessoas com deficiência, já que tal conquista é recente. Os indivíduos com as mais diversas necessidades viviam, em sua grande maioria, isolados do convívio social, considerados incapazes. Tal argumento justificaria a negação de direitos básicos a esse contingente da população, entre eles o direito à educação. Nas últimas décadas, intensificaram-se as legislações reconhecendo seus direitos. Vale lembrar que os direitos surgem em consonância com a demanda de cada época e na atualidade observam-se políticas educacionais que passam a conferir importância à educação em direitos humanos e à inclusão das pessoas com deficiência, atribuindo um papel de grande importância às escolas. 3 A contribuição da escola com a educação em direitos humanos para a efetivação dos direitos das pessoas com deficiênciaA preocupação com a promoção de uma educação voltada aos direitos humanos é recente, pois somente em 1995 tem início a década da educação em direitos humanos, que se encerrou em 2004. É com a criação do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos e com o primeiro Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, aprovado em 2006, que o tema aparece com maior visibilidade. A resolução 01/2012, do CNE, que estabelece as diretrizes nacionais para a educação em direitos humanos, em seu artigo 2º, explicita como são compreendidos os direitos humanos:
Mas não basta apenas ter legislações tratando da questão, como nos exemplifica Benevides (2001, p.40)BENEVIDES, M. V. Educação em direitos humanos: de que se trata? Convenit Internacional, São Paulo, v.6, p.43-50, 2001.:
De acordo com a autora, a escola hoje representa um dos principais espaços para o exercício dos direitos em seu sentido mais amplo, uma vez que nela convivem adultos, crianças e adolescentes. Como vemos o diferente? Essa é uma discussão que se encontra presente já há algum tempo quando se faz referência às pessoas com deficiência e à educação inclusiva. Mas como a educação inclusiva tem acontecido no interior das escolas? Tem-se respeitado de fato os direitos dessa parcela de alunos? Existem diversidades de deficiências e isso depende de qual seja o grau ou intensidade dessa deficiência. Com base nisso, como a escola tem se organizado para o atendimento a todas essas particularidades desafiadoras que lhe são colocadas? A escola se modificou para o atendimento a essas novas demandas, ou ainda se mantém como um modelo único a todos, hegemônica, sem observar e atender as singularidades? Sendo a diversidade parte do ser humano, então a escola, sobretudo a pública, espaço no qual há diferentes presenças, é o espaço para socialização, para onde convergem diferentes experiências, por isso ela não poderá se omitir nesse debate. Nesse sentido, é preciso tratar a diversidade com experiências e práticas concretas, construídas a partir dos sujeitos envolvidos com base em suas reivindicações e anseios, olhando-os com o seu olhar, com suas diversas identidades, legitimando uma prática que realmente atenda aos direitos humanos, porque a escola é espaço de socialização.
Embora o processo de lutas por garantia de direitos a uma educação inclusiva tenha se iniciado há algumas décadas e tenha havido avanços nas legislações, ainda se vivenciam limitações devido à complexidade que a questão apresenta. É um processo em construção. Sabe-se que não basta estar na escola, a educação inclusiva deve ser mais do que isso, é necessário compreender as diferenças como desafio à garantia do direito à educação plena. Criar na escola uma cultura de direitos e de diálogo que valorize outras culturas. É preciso que todos os envolvidos nesse processo educativo sintam-se sujeitos de direitos para repassar essa vivência para além dos muros da escola. Dessa forma, bem explicita Candau:
Assim, cabe à escola, representada pelos seus professores e demais agentes envolvidos, a tarefa de, além de preparar para a cidadania, ensinar a ser reflexivo, preparar para uma vivência em direitos humanos, em uma cultura permeada pela diversidade e heterogeneidade. É preciso transformar a escola em um ambiente inclusivo e participativo, no qual todos tenham espaço, sintam-se acolhidos e respeitados, ensinar a conviver na diversidade, que é uma tarefa desafiadora que não se resume à transmissão do que deve ser feito referente aos direitos, mas passa pelo exemplo cotidiano. Em uma escola com esse perfil, certamente os direitos das pessoas com deficiência também são respeitados e vivenciados, pois falar em direitos das pessoas com deficiência está na mesma direção dos direitos de outras pessoas que são discriminadas. Com todas as mudanças na educação nas últimas décadas com vistas a uma escola inclusiva, tem-se um número maior de pessoas com deficiência no seu interior e, apesar de toda a controvérsia em torno do assunto, o fato é que cada vez mais estes estarão incluídos. Assim, deve-se buscar a efetivação de seus direitos, o que requer muito mais do que simplesmente efetivar a matrícula e frequentar a escola. Portanto, qual é a escola que temos hoje? A escola tem se apresentado como este espaço de garantia de direitos? Cabe questionar: a) Como acontece, na prática, a formação inicial e continuada dos professores para trabalhar a educação em direitos humanos? b) Como está contemplado o tema nos currículos escolares e no projeto político-pedagógico das escolas? c) Como efetivar a interculturalidade no interior das escolas? d) Como se trabalha a diversidade? e) Como está sendo feita a inclusão de pessoas com deficiência? f) Quais os caminhos para uma escola com educação de qualidade social? Encontramos pressupostos enunciados por Estevão que nos dão um caminho a seguir:
4 A educação em uma perspectiva inclusiva: a percepção de gestores e professoresNa educação, principalmente a partir de 1990, tem-se uma série de políticas implementadas que buscam a garantia de direitos das pessoas com deficiência na escola regular, efetivando a educação em uma perspectiva inclusiva. O Ministério da Educação, por meio da secretaria de educação especial, elaborou um documento que orienta a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, como resultado de uma trajetória histórica, documento que é um marco para a Educação
Inclusiva. Nele, levou-se em consideração avanços e lutas sociais que buscaram uma educação de qualidade para todos. Dentre os objetivos propostos pelo documento, tem-se a organização dos sistemas de ensino de forma a garantir o acesso, recursos pedagógicos, acessibilidade com eliminação de barreiras arquitetônicas, instalações, mobiliários e demais equipamentos necessários, para possibilitar a inclusão (BRASIL, 2007BRASIL. Ministério de Educação. Política
nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2015. Como forma de viabilizar os objetivos da
Política Inclusiva, o Decreto n. 6.571, de 17 de setembro de 2008, também conhecido como Decreto do AEE (Atendimento Educacional Especializado), dispõe como deverá ser realizado o atendimento educacional especializado aos deficientes. Para atender ao decreto, as escolas devem matricular os alunos, público-alvo da educação especial, nas classes comuns e no Atendimento Educacional Especializado (AEE) ofertado em Salas de Recursos Multifuncionais. As Salas de Recursos são ambientes com
equipamentos, mobiliários, materiais didáticos e pedagógicos para atender às especificidades dos alunos com deficiência, ofertados em escolas da rede pública ou em instituições especializadas em educação especial (BRASIL, 2008BRASIL. Ministério de Educação. Decreto n. 6.571, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre o Atendimento Educacional Especializado. Brasília, DF, 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6571.htm>.
Acesso em: 25 out. 2015. Com as garantias legais previstas, buscou-se, por meio de entrevista semiestruturada, conhecer a percepção de professores e gestores sobre os direitos das pessoas com deficiência, a concepção existente e a efetivação da legislação vigente para tanto é apresentada inicialmente a caracterização dos participantes para em seguida apresentar os depoimentos. 4.1 Caracterização dos participantesParticiparam desse estudo 18 entrevistados, sendo 12 professores e seis gestores (dois diretores, um vice-diretor, três coordenadores pedagógicos), atuantes em cinco escolas do ensino fundamental da rede municipal e uma escola de educação especial em um município do interior da Bahia. Das cinco escolas municipais de ensino fundamental, duas atendem apenas as séries finais do ensino fundamental, uma atende as modalidades de ensino fundamental séries iniciais e finais e duas apenas as séries iniciais. Duas escolas possuem a modalidade de Educação de Jovens e Adultos, sendo uma referente às séries iniciais e a outra às séries finais do ensino fundamental. Os docentes e gestores estão vinculados a escolas que possuem salas de AEE, sendo que destas, quatro possuem salas do tipo um disponibilizada pelo MEC e apenas uma sala do tipo dois, com equipamentos para atender a alunos com deficiência visual. Os participantes da pesquisa são quase a totalidade do sexo feminino, sendo apenas um do sexo masculino. A idade variou entre 30 e 55 anos, sendo seis participantes entre 30 e 35 anos, três participantes entre 36 e 40 anos, três participantes entre 41 e 45 anos, dois participantes entre 46 e 50 anos e quatro participantes entre 51 e 55 anos. Quase todos possuem especialização, sendo que cinco participantes possuem especialização em educação especial, cinco em psicopedagogia, três em gestão, um em educação ambiental, um em literatura, um em saúde pública. A experiência profissional no magistério é significativa, sendo dois com um a cinco anos de experiência, dois de seis a 10 anos, seis de 11 a 15 anos e seis de 16 a 20 anos. 4.2 Percepções dos participantes sobre os direitos das pessoas com deficiênciaOs depoimentos obtidos mediante entrevista evidenciam um discurso que contempla a defesa dos direitos ao mesmo tempo em que demonstra a fragilidade da prática quando relacionada à legislação vigente, conforme pode ser observado nas falas de gestores e professores. A partir das entrevistas foram identificadas as seguintes categorias: 1) Atuação do professor; 2) legislação vigente; e 3) processo pedagógico. Quanto à atuação do professor, percebe-se que ele está receptivo à presença do aluno com deficiência em sua sala de aula, porém sente-se despreparado, falta-lhe capacitação e ainda há necessidade de transformação no sistema vigente. As palavras de San'tana, quando menciona uma pesquisa realizada com professores no ano de 2005, já decorridos 10 anos, parecem ser atuais, pois apontam as mesmas fragilidades de antes.
O exposto pelo autor vem ao encontro das palavras do gestor de escola de Educação Básica que possui alunos incluídos:
A professora da sala de AEE diz que:
Em relação a categoria
Legislação vigente, quando os entrevistados referem-se às leis, às políticas de inclusão, reconhecem que a legislação é necessária para que se assegurem os direitos, embora apontem que há falhas na sua efetivação, pois como afirma um gestor, apesar de estar previsto em Constituição (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
Acesso em: 26 nov. 2014.
Na fala dos gestores de escolas com alunos incluídos:
Para a professora de turma regular:
Em relação a categoria Processo pedagógico, são preocupações constantes dos professores: Como e o que ensinar ao aluno com deficiência? Qual a metodologia usar? Como avaliar? Percebe-se que essas questões entrelaçam-se com o que mencionam, como falta de capacitação profissional, tempo, número de alunos por sala, entre outros, o que demonstra que se busca um trabalho diferenciado dos demais, específico, para o aluno com deficiência. Arroyo esclarece que:
Mas qual metodologia específica? Parece que se requer mais trabalho em equipe, envolvimento de todos na escola, sabe-se que o professor trabalha isolado, não há articulação entre professor de turma regular, professor de AEE, coordenação, ou ainda se atribui ao professor, acompanhante de aluno, responsabilidades pedagógicas: A professora participante afirma:
As mesmas atitudes estão presentes no relato do gestor:
Observa-se nas respostas dos professores uma crítica ao fato de a inclusão não se efetivar conforme indicado na legislação. No caso dos gestores, existe maior cuidado ao se referir aos problemas relacionados à inclusão. Encontra-se repetição do mesmo discurso presente nas mídias quanto à questão do direito, que todos são iguais, que não deve haver discriminação, etc. Referem-se às legislações como boas, bem pensadas, atendem a todos os segmentos, porém com falhas quanto à viabilidade na prática, principalmente na questão do preparo do professor. No discurso tentam não demonstrar nenhum tipo de preconceito.
Por outro lado, também é nítido que há um grande jogo sobre quem é o responsável, dentre os envolvidos na escola, pelo bem-estar, o aprendizado e a crescimento acadêmico do aluno. Ao finalizar esse estudo, citam-se as palavras de uma professora de turma regular que demonstra que apesar de todos os obstáculos, a inclusão, mais que um direito humano do cidadão, é uma possibilidade de crescimento pessoal a cada aluno com deficiência presente na sala de aula regular.
5 Considerações finaisA educação em direitos humanos e para os direitos humanos é uma ferramenta para a mudança. Mudar nem sempre é tarefa fácil, já que as representações arraigadas nas sociedades, para se transformar, requerem tempo. Por mais que se fale em diversidade, há uma tendência natural, ainda presente, de considerar como positivos ou melhores os valores impostos por determinada cultura, gerando estranhamento ou até rejeição em relação ao diferente, muitas vezes até com atitudes preconceituosas. A presença da diversidade nem sempre é vista como positiva, muitas vezes, trata-se do desigual de maneira negativa, com naturalidade, dependendo do contexto social, cultural ou das relações de poder presentes. O caminho para as mudanças está sendo construído mediante as legislações como garantias legais que propõem a escola como veículo para a efetivação dos direitos. Mas a escola necessita educar-se para os direitos humanos, para isso, todos os envolvidos no processo educativo devem construir coletivamente projetos que possibilitem a vivência dos direitos humanos. Educação inclusiva, garantia de direitos, é muito mais do que colocar dentro da escola e efetivar a matrícula dos considerados diferentes, desiguais, requer uma pedagogia verdadeiramente inclusiva, que considere a desigualdade. A educação em direitos humanos torna a escola transformadora da realidade. Os professores, equipe pedagógica, diretor e demais envolvidos na comunidade escolar precisam fazer da escola um espaço de convivência em direitos humanos, caráter emancipador, a iniciar pelo professor, que deve sentir-se e agir como um sujeito de direitos, capaz de garantir e proteger os próprios direitos e daqueles que ele prepara. Educar em direitos humanos é muito mais que apreensão de conceitos, é vivência, não basta se reunir, discutir e dar enfoque apenas à aprendizagem, esquecendo-se da convivência. Trabalhar os direitos humanos no interior das escolas contribui para efetivar a garantia dos direitos prescritos nas legislações relacionadas às pessoas com deficiência. Não basta apenas buscar o acesso à escola, mas a permanência com qualidade, sucesso na formação integral, na diversidade de contextos e sujeitos. Para que isso ocorra, vários fatores influenciam, tais como socioeconômicos, socioculturais, financiamento público adequado e compromisso dos gestores para inserir os conteúdos de direitos humanos nos projetos pedagógicos das escolas. Com a educação em direitos humanos, com cooperação, com respeito às diferenças, compromisso com a justiça pensada politicamente e com políticas públicas adequadas, na busca de uma sociedade mais justa. Referências
O que é preciso para a efetivação dos direitos humanos?Os direitos humanos são garantidos legalmente pelo ordenamento jurídico, protegendo indivíduos e grupos contra ações que interferem nas liberdades fundamentais e na dignidade da pessoa humana. Estão expressos também em tratados internacionais, em plêiade de princípios e outras modalidades do Direito.
Como efetivar os direitos humanos no Brasil?No Brasil, os direitos humanos são garantidos na Constituição Federal de 1988, o que pode ser considerado um grande avanço jurídico, já que o país conta com uma história marcada por episódios de graves desrespeitos a esses direitos, sobretudo no período do Regime Militar.
O que é efetivação dos direitos humanos?A relação entre a aplicabilidade e efetivação plena dos direitos humanos em face de problemáticas atuais. O tema em questão tem como escopo positivar o princípio dignidade da pessoa humana, por meio dos direitos humanos, o que, atualmente, é feito em grande parte do mundo.
Qual princípio se destaca na efetivação dos direitos humanos?O art. 1º da Constituição Federal de 1988, introduz os fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiros, pautado na segurança do exercício dos direitos sociais e individuais, da liberdade, da segurança per se, do desenvolvimento, da igualdade e da justiça.
|