O que são a lei temporária e a lei excepcional é porque possuem ultratividade?

Ensaio aborda a ultratividade da lei penal mais benigna, das leis excepcionais e temporárias, o tempo do crime e a classificação das normas penais no tempo

Imagem por Tom Blackout, no Unsplash.

As leis penais possuem características intrínsecas, especialmente no Estado democrático de Direito. Observaremos as principais com o auxílio da lei e do saber penal. Todas as citações de legislação não explicitamente mencionadas se referem ao Código Penal, tenha o seu por perto.

O Direito Penal é o ramo do ordenamento estatal responsável pela imposição de penas a determinadas condutas que violam bem jurídicos. Sua atividade se divide em dois momentos: através da prevenção geral, operando na proteção generalizada de bens jurídicos devido à ameaça de pena, cuidando do mais fraco no momento do crime, isto é, das vítimas (idealmente se espera que o delito não se consuma); no momento do processo, o Direito Penal serve para impedir penas incertas impostas pela sociedade (respondendo “por que punir?”) ou mesmo pelo Estado. Continua protengendo o mais fraco, agora, o réu, agindo na determinação das punições e vedando as penas infames ou arbitrárias (prevenção especial).

Irretroatividade da lei penal

É óbvio que o Direito Penal foi feito para o réu, pois é sua garantia de receber apenas a pena devida, caso viole o bem jurídico de outrem. Por isso, o princípio da legalidade é talvez uma das maiores conquistas da civilização contra a barbárie. A Constituição (art. 5º) e o Código Penal (art. 2º) impõem que:

Art. 5º, XXXIX — não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; [CF]
Art. 2º — Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. [CP]

É evidente que a Constituição determina a proibição sobre as punições constituídas após o fato, compreendendo legalidade e irretroatividade da lei penal. Porque o Direito Penal serve ao réu como sua garantia, e em razão do princípio do favor rei, a irretroatividade da lei comporta exceção apenas nos casos em que beneficie o réu.

Art. 5º […] XL — a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; [CF]
Art. 2º […] Parágrafo único — A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. [CP]

Por que isso acontece? O réu, como sujeito do processo, não pode continuar preso por uma conduta que hoje foi descriminalizada, ou por uma pena maior que a imposta atualmente à mesma conduta. Todas as leis que por ventura surgirem em benefício do réu, seja em sede de execução, mesmo após o trânsito em julgado de condenação, se aplicam. Quando uma série de leis entram em sucessiva vigência (“leis intermediárias”), uma derrogando a anterior, em um período em que se encontre o réu encarcerado, aplicar-se-á ao sujeito a que mais o beneficie.

Para entender qual a lei mais benigna a ser aplicada ao agente, é preciso ter em mente o caso concreto. Contudo, não é possível juntar pedaços de leis diferentes para aplicar ao agente, porque seria caso de criação legislativa, função estranha ao judiciário¹. A lei mais benéfica tem caráter ultrativo.

Leis excepcionais e temporárias

A irretroatividade da lei penal também comporta outra exceção. São os casos da lei excepcional ou temporária, que possuem caráter ultrativo, isto é, têm aplicação mesmo ao fim de sua vigência. Isso porque elas servem em razão de um determinado momento ou período de tempo.

Art. 3º — A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.

Leis excepcionais têm vigência enquanto durar um fato excepcional, digamos, uma catastrofe ambiental (estado de emergência) em que várias pessoas se destinam ao supermercado e, para que os alimentos não fiquem indisponíveis por uma parcela da população, uma lei penal prevê a vedação a compras superiores a um pacote de feijão por pessoa. Isso é apenas um exemplo para demonstrar que, sendo indeterminada a temporalidade, a vigência só se aplica até o fim de tal estado de emergência, mas todos aqueles que compraram mais de um pacote de feijão por pessoa durante tal estado, poderão estar sujeitas à punição mesmo após o término da vigência.

A lei temporária, por outro lado, tem tempo de vigência estabelecido, como a Lei da Copa (Lei nº 16.663/2012). Exemplo: previa várias sanções penais relativas à falsificação de itens da FIFA, etc., determinando que “Art. 36. Os tipos penais previstos neste Capítulo terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014.”. A ultratividade atribuída às leis excepcionais e temporárias é uma necessidade lógica de zelar efetivamente por bens jurídicos que, em determinados momentos, se afiguram mais valiosos e precisam de maior proteção, pois se cessasse a possibilidade de aplicar a pena em um ano desde o fato cometido, como é o exemplo da Lei da Copa, era o mesmo que professar a impunidade de tais atos. Contudo, para Zaffaroni e Pierangeli, essa excepcionalidade parece ter constitucionalidade duvidosa².

Tempo do crime

O tempo do crime é o momento da realização da conduta omissiva ou ativa, não da produção de seu resultado. Determina o CP:

Art. 4º — Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Por essa razão, o Código Penal adota a Teoria da Atividade. Bitencourt elucida que há, contudo, exceções: “o marco inicial da prescrição abstrata começa a partir do dia em que o crime se consuma; nos crimes permanentes, do dia em que cessa a permanência;e nos de bigamia, de falsificação e alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se torna conhecido (art. 111).”³.

E quando a realização de uma conduta se prolonga no tempo, ou é uma mesma conduta, mas que acontece em vários atos? Digamos, para fins de exemplificação, que um sujeito ministra doses pequenas de veneno todos os dias a determinada pessoa, para que morra envenenada. Quando será o momento do crime, na primeira vez, numa intermediária, ou na última dose? Para Zaffaroni e Pierangeli, é o momento em que a atividade cessa⁴.

Esses são os casos de crimes continuados, mas também dos permanentes. Os crimes permanentes são crimes em que sua execução se prolonga no tempo, possibilitando a vigência de uma lei mais grave no tempo do fragmento da conduta (quer seja o último, ou não), assim, a ela se aplica. Mesmo sendo um crime que acontece constantemente, ele ainda é único, é uma mesma conduta. Exemplos de crimes permanentes são o sequestro ou o cárcere privado:

Art. 148 — Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado.

Já os crimes continuados são várias condutas criminosas, que a lei equipara a um único crime mais grave, sendo verdadeira ficção jurídica. De acordo com o princípio da legalidade, o mais correto é que a lei mais grave não retroagirá, sendo aplicada a cada ato a lei que estava em vigência ao tempo do crime.

Art. 71 — Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal mandou pela janela tanto o favor rei quanto o princípio da reserva legal na Súmula 711:

A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

A referida Súmula também atrapalha a aplicação do art. 119: “No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.”. Por fim, é oportuno também diferenciar o que é crime habitual, isto é, este se define por condutas que, em si, não são criminosas, mas se tornam um delito em seu conjunto. Exemplos: exercer ilegalmente a Medicina (art. 282 do CP); estabelecimento em que ocorra exploração sexual (art. 229 do CP); participar dos lucros da prostituta (art. 230 do CP) ou se fazer sustentar por ela.

Classificação das normas penais no tempo

A classificação das normas penais no tempo traz vários conceitos (vários em latim) expressando a relação da lei com o réu ou em relação ao tempo. Para o réu, podem ser as seguintes:

Novatio legis in mellius ou Lex mitior: a lei mais benigna para o réu.
Novatio legis in pejus: aplicação da lei mais severa, que não é aceita no Brasil.
Abolitio criminis: quando nova lei revoga o que antes era um crime (abolição da figura típica).

Art. 107 — Extingue-se a punibilidade: III — pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

Ultratividade da lei penal: ou “extratividade”, é a lei aplicada mesmo após o término de sua vigência.

Referências

¹ Nem todos os doutrinaores concordam com essa afirmação. ZAFARRONI, Eugênio Raul. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral — vol. 1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, . p. 205.
² Ibidem. p. 207.
³ BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 86.
⁴ Ibidem. p. 208.

O que são a lei temporária e a lei excepcional é porque possuem ultratividade?

Ultratividade (ultrativas) – é o fenômeno de que os fatos cometidos dentro de sua vigência, mesmo após a extinção, continuam a ter efeitos. Pelo fenômeno da ultratividade, os fatos praticados dentro do período da lei excepcional ou temporária (mesmo que já extintas) continuam a produzir efeitos.

O QUE É lei temporária e excepcional?

Lei excepcional é aquela que visa atender a situações anormais da vida social (Fragoso, 2006, p. 126), enquanto a lei temporária aparece no sistema jurídico-penal já com a data do término de sua vigência previamente agendada (Busato, 2013, p. 129).

O que significa ultratividade da lei?

Ultratividade consiste na ação de aplicar uma lei (ou dispositivo de lei) que já foi revogada em casos que ocorreram durante o período em que esta estava vigente.

O que é uma lei excepcional?

São leis editadas para reger fatos ocorridos em períodos anormais. Ex.: guerra, epidemia, inundações, etc. São leis auto-revogáveis, pois perdem a eficácia pela cessação das situações que as ensejaram.