Por que há países que se recusam a receber imigrantes e refugiados?

Países com restritas políticas de asilo estão agora a dar abrigo a quem foge da guerra na Ucrânia, alguns sem exigirem qualquer tipo de documento de identificação. Mas o comité de boas-vindas de uns foi uma porta fechada a outros que também procuravam refúgio. A única diferença? Não eram da Europa.

A invasão russa à Ucrânia, com início a 24 de fevereiro, obrigou mais de 1.3 milhões de ucranianos a abandonar o seu país, agora um palco de guerra, naquela que as Nações Unidas estão a chamar “a mais rápida crise de refugiados da Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial”.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), o número de pessoas a fugir da Ucrânia nas próximas semanas poderá atingir os quatro milhões, um número que União Europeia (UE) acredita que será ainda maior, rondando os sete milhões de refugiados.

Já vários líderes políticos vieram publicamente mostrar a sua solidariedade para com o povo ucraniano, garantindo estarem preparados para receber refugiados nos seus países e assegurar o acesso a comida, água, roupas e medicamentos nas suas fronteiras. Outros serviços como transporte público gratuito e comunicação telefónica têm também sido fornecidos aos refugiados ucranianos.

Outras medidas incluem a reativação da Diretiva de Proteção Temporária, introduzida na década de 1990 para gerir os movimentos de refugiados em grande escala durante a crise dos Balcãs. A proposta da UE, permitiria aos refugiados da Ucrânia receber uma proteção temporária de até três anos nos países da UE, sem ser necessário solicitar asilo, com direito a uma autorização de residência e acesso à educação, moradia e mercado de trabalho.

A UE propôs ainda simplificar os controlos nas fronteiras e as condições de entrada das pessoas que fogem da Ucrânia. Os refugiados ucranianos podem viajar por 90 dias sem visto em todos os países da UE. 

Em toda a Europa, tanto os governos como os civis têm procurado dar o seu apoio a quem foge da Ucrânia. “Toda a gente que tem de fugir das bombas do Putin será recebido de braços abertos”, prometeu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Uma história também com refugiados, mas com um final diferente

Apesar do desafio sem precedentes que ganha forma no território europeu, não é a primeira vez que a Europa enfrenta movimentos em massa dentro das suas fronteiras, e muito menos é a primeira vez que se confronta com a realidade dos refugiados.

Um recuo de sete anos é suficiente para nos depararmos com aquela que é conhecida como a crise de refugiados de 2015. Também nessa altura, o continente europeu recebeu no seu território mais de um milhão de migrantes, um número que atingiu os 5.2 milhões no final de 2016. Embora o número de refugiados provenientes da Ucrânia já tenha atingido os números registados em 2015 e as previsões indiquem que ainda os irá ultrapassar, a resposta a ambas as crises foi consideravelmente diferente e portas agora abertas, quiseram na altura fechar-se.

Nos anos anteriores a 2015, e segundo o livro “Detenção de Imigrantes na União Europeia: à Sombra da “Crise”, da Global Detention Project, um dos principais centros de pesquisa sobre políticas de imigração para refugiados e requerentes de asilo, as detenções associadas à migração tinham estabilizado na UE. Foi aquando das pressões associadas à crise de 2015, que o número de detenções começou a subir, tendência que se manteve mesmo depois do fim da referida crise.

Donald Tusk, o então presidente do Conselho Europeu, argumentou na época que todos os refugiados que chegassem deveriam ser detidos até 18 meses, de acordo com os limites das diretrizes da UE, enquanto suas reivindicações eram processadas. Esta decisão alimentou uma ideologia anti-imigrante em vários países.

Mais recentemente, em 2021 – há apenas um ano – milhares de homens, mulheres e crianças ficaram retidos na fronteira ocidental da Bielorrússia e Polónia sem serem aceites em nenhum dos países e permanecendo em situação de precariedade. Vários observadores internacionais acusaram ambos os países envolvidos de agirem contra os direitos dos refugiados, estabelecidos pela lei internacional. Pelo menos 19 migrantes morreram em consequência das temperaturas geladas e vários outros foram vítimas de lesões tanto por parte de guardas da Polónia como da Bielorrússia.

Tal como os refugiados ucranianos, todas estas pessoas estavam em fuga ora de situações de guerra ora de países nos quais não viam os seus direitos básicos assegurados. A principal diferença parece ser a sua nacionalidade. Enquanto que a esmagadora maioria dos refugiados que hoje estão a ser acolhidos na UE são ucranianos, no passado, as principais nacionalidades daqueles que procuravam abrigo no continente europeu eram, segundo a Comissão Europeia, síria, afegã, venezuelana, colombiana e iraquiana.

Em setembro de 2021, o último registo no site, de mais de 700 mil aplicações de asilo feitas, apenas 70 mil foram efetivadas, um número que, embora significativamente mais reduzido, é o mais elevado desde janeiro de 2019.

A resposta hoje

O mesmo país que apenas há uns meses era acusado de ir contra os direitos dos refugiados é hoje o país que está na linha da frente na receção aos refugiados ucranianos. Segundo o site Operatinal Data Portal, uma plataforma de compartilhamento de informações e dados para a coordenação de emergências de refugiados, a Polónia já recebeu mais de um milhão de pessoas que fugiram da Ucrânia.

O ministro do interior polaco, Mariusz Kaminski, disse, em declarações à imprensa, que “quem foge de bombas, de fuzis russos, pode contar com o apoio do Estado polaco”. Na Polónia já foram montados centros de processamento para os ucranianos e o governo declarou que, mesmo refugiados sem documentos de identificação vão poder entrar no país.

Apesar dos muitos esforços feitos no sentido de acolher o máximo de refugiados possível, existe uma outra faceta que se impõe a esta realidade. Há apenas uns meses, a Polónia iniciou a construção de um muro ao longo da sua fronteira que se seguiu à chegada em massa de refugiados e migrantes encaminhados pela Bielorrússia.

Também o primeiro-ministro húngaro, Victor Orban, que no passado se referiu aos refugiados que tentavam entrar no seu país como “invasores muçulmanos” e “um veneno” que não devia ser aceite na Hungria para que fosse possível “preservar a sua homogeneidade cultural e étnica”, tem agora permitido a entrada de ucranianos, sendo o segundo país a receber mais refugiados ucranianos da UE, quase 200 mil. Em maio de 2020, inclusive, o Tribunal da Justiça da UE considerou ilegal a política da Hungria de detenção de refugiados na sua fronteira, com alguns deles a permanecerem detidos no local mais de um ano.

Numa declaração, Orban referiu que todos os refugiados da Ucrânia seriam “bem-vindos pelos seus amigos na Hungria”, e que facilmente era percetível a diferença entre as “massas que chegam de regiões muçulmanas em busca de uma vida melhor na Europa” e os ucranianos que fugiam de uma zona de guerra.

De acordo com os testemunhos dados por algumas das pessoas que fugiram da Ucrânia, nomeadamente pessoas de África, Oriente Médio e Ásia, tanto na Ucrânia como na chegada às fronteiras de outros países, tem predominado um tratamento racista, reforçando uma possível mentalidade preconceituosa para com os refugiados não europeus.

Em declarações à CNN, Rachel Onyegbule, estudante nigeriana no primeiro ano de Medicina em Lviv, disse que tanto ela como todos as pessoas não ucranianas foram expulsas de um autocarro público, num posto de controlo entre a Ucrânia e a fronteira da Polónia. “Chegaram mais de 10 autocarros e nós ficámos a ver toda a gente partir. Pensámos que, depois de levarem todos os ucranianos, nos fossem buscar, mas disseram-nos que tínhamos de ir a pé. Que não havia mais autocarros e que tínhamos de ir a pé”, contou a estudante.

Saakshi Ijantkar, estudante indiana do quarto ano de Medicina, descreveu ao mesmo órgão de comunicação que nos postos de controlos da fronteira deixavam passar “30 indianos por cada 500 ucranianos”. Para chegar ao local, a estudante contou que teve de “caminhar uns quatro a cinco quilómetros do primeiro para o segundo posto de controlo” e acrescenta “os ucranianos vão de táxi ou de autocarro, mas todas as outras nacionalidades têm de ir a pé”.

Andriy Demchenko, porta-voz do Serviço da Guarda Fronteiriça da Ucrânia, negou, em declarações também à CNN, qualquer tipo de segregação nas fronteiras. “Para agilizar o processo e permitir a passagem de um maior número de pessoas, o governo simplificou ao máximo os procedimentos na fronteira. Devido ao aumento das pessoas que a querem atravessar, é preciso esperar em longas filas. No entanto, posso afirmar que tudo acontece dentro da lei. Não há absolutamente qualquer separação por país, cidadania ou classe na fronteira”, disse.

Há acusações semelhantes dirigidas a, por exemplo, guardas polacos, negadas pelo embaixador do país numa reunião da Assembleia Geral da ONU. A União Africana afirmou que quaisquer “relatos de que os africanos são alvo de um tratamento desigual e inaceitável seriam racistas e violariam o direito internacional” e pediu que todos os países “demonstrassem a mesma empatia e apoio a todas as pessoas que fogem da guerra, apesar de sua identidade racial”.

Segundo um relatório desenvolvido pela Gallup, uma empresa de pesquisa de opinião dos Estados Unidos, “Migrant Acceptance Index”, que avalia o grau de aceitação dos diferentes países, entre 2016 e 2019 os níveis de aceitação mundiais, medidos através de uma avaliação da proximidade das pessoas com os migrantes, diminuíram de uma forma geral. A Hungria é um dos países com os níveis mais baixos no que toca à aceitação.

Para saber mais

  • Ucrânia: UE já recebeu em 12 dias tantos refugiados quanto em 2015 e 2016
  • Ucrânia: Número de refugiados ultrapassou as perspetivas mais pessimistas – OIM
  • Ucrânia: Chanceler alemão diz que “UE está extremamente unida” quanto aos refugiados

Por que alguns países não aceitam imigrantes?

Por que impedir a entrada de imigrantes? Enquanto alguns países buscam atrair mais imigrantes para seu território, outros tentam evitar a entrada de novas pessoas. Algumas promessas de campanha de Trump, presidente dos Estados Unidos, se pautaram nesse objetivo.

Quais países não recebem imigrantes?

Hungria, Polônia e outros países da União Europeia (UE) que fecham as portas para refugiados não precisarão mais recebê-los. Em contrapartida, devem financiar a repatriação dos estrangeiros que tiverem pedidos de asilo rejeitados.

Por que não aceitar refugiados?

Os refugiados encontram muita dificuldade para restabelecer-se em outros locais, além do que muitos deles não conseguem legalizar a sua situação no novo país com facilidade, vivendo como apátridas e, às vezes, na clandestinidade.

Porque os europeus têm medo dos refugiados?

Isso decorre do fato que há fusão dos temas “imigração” e “criminalidade” no debate político e jurídico sobre o tema, uma vez que os migrantes tornam-se idôneos para que o imaginário coletivo projete sobre eles todo tipo de ansiedades e temores, atribuindo-lhes a responsabilidade por qualquer problema ou mal-estar ...