Quais a principais semelhanças e diferenças entre o estado de natureza em Hobbes é Locke?

No estado de natureza, segundo Hobbes, os homens podem todas as coisas e, para tanto, utilizam-se de todos os meios para atingi-las. Conforme esse autor, os homens são maus por natureza (o homem é o lobo do próprio homem), pois possuem um poder de violência ilimitado.

Um homem só se impõe a outro homem pela força; a posse de algum objeto não pode ser dividida ou compartilhada. Num primeiro momento, quando se dá a disputa, a competição e a obtenção de algum bem, a força é usada para conquistar. Não sendo suficiente, já que nada lhe garante assegurar o bom usufruto do bem, o conquistador utiliza-se da força para manter este bem (recorre à violência em prol da segurança desse bem).

Em decorrência desse bom uso das faculdades naturais (para a conquista de algum bem é feito o bom uso da razão, da paixão, da experiência e da força física), forma-se uma reputação que nada mais é do que ver expresso pelos outros aquele reconhecimento valorativo que se autoconfere (vanglória). Esse reconhecimento é também causa da discórdia, porque nenhum homem se vê inferior aos outros e, por isso, impõe-se violentamente sobre os outros como superior.

Assim, e por causa da pouca diferença física ou intelectual entre os homens no estado natural, Hobbes percebe que nessa condição tudo é possível, já que não há regras que impeçam os homens de tomar o que é de outrem, nem que os impeçam de infligir sofrimento ao outro. Todo homem é potencialmente uma ameaça a outro homem e esta é aceita passiva ou ativamente. As paixões são subjetivas e inumeráveis, mas todas tendem a um fim máximo: a preservação da vida e a supressão da dor. Isso permite um convívio com os outros numa relação de ajuda mútua para a manutenção desse fim. Mas ainda assim há outras relações que têm fins diferentes. Mesmo promovendo uma regulação que mantenha o respeito e a ordem, cabe decidir quem promoverá essa regulação. Essa disputa que transcende o indivíduo e engloba grupos de indivíduos, e que também vê nessa dominação uma defesa contra a dominação de outrem, é o que caracteriza a sociedade civil. Aqui há um direcionamento do poder de violência de cada um para um corpo representativo que vai utilizá-lo para a manutenção do princípio de preservação e paz.

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Vê-se, então, que o convívio não é de boa vontade, nem é agradável, mas sim convencional, aceitável e tolerável, em que os homens se abrigam, fugindo daquele estado de guerra generalizada de todos contra todos, evidenciando a necessidade de criação do Estado, a partir de um contrato social que visa a abdicação do poder ilimitado de cada um e um redirecionamento desse poder (poder de polícia) para a manutenção da ordem e da estabilidade.

Portanto, para Hobbes, a liberdade absoluta e a evidência da potência das faculdades naturais do homem desencadeiam essa desconfiança recíproca e contínua, gerando medo, o que justificaria a criação de um artifício para solucionar as desordens internas de uma sociedade. O grande Leviatã, o Estado, é esse artifício humano capaz de sanar essas desordens. É assim também que entendemos a criação de leis. O que se denomina juspositivismo nada mais é do que a compreensão de que a lei natural deve ser abolida, suprimida pela ordem convencional, artificial, inventada pelos homens tendo em vista um bem comum que é a preservação da vida.


Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

  1. Apresentação:

Aqui nós temos um breve resumo das teorias contratualistas (contratualismo) e das diferentes concepções do estado de natureza e do estado civil de Thomas Hobbes e John Locke.

  1. Iniciando. Ponto comum das teorias contratualistas:

Vamos começar tentando entender qual era o objetivo das teorias contratualistas: elas tinham por objetivo justificar, durante a idade moderna, a centralização do poder estatal após o fim do feudalismo. Com o fim do feudalismo, o poder ficou mais concentrado, primeiro nas mãos do rei (o que nós chamamos de absolutismo), depois nas mãos do Parlamento (o que chamamos de parlamentarismo). Então nós sempre temos que ter presente o pano de fundo histórico, e é este pano de fundo histórico que vai nos ajudar a compreender a diferença entre as duas teorias.

Qual é o ponto comum das teorias contratualistas? Elas partem de um modelo teórico que propõe que os homens viviam no chamado estado de natureza, onde não havia governo, e trocaram este estado de natureza pelo estado civil ou estado de sociedade. E eles fizeram isso por meio do contrato social. Agora, por favor, preste atenção: o estado de natureza é um modelo teórico, e o próprio contrato social é um modelo teórico. É uma teoria para justificar a vida em sociedade, o poder do governo. Não existe nenhum registro histórico do estado de natureza, e ninguém nunca viu ou assinou o tal contrato social…

Esse é o ponto comum. Agora nós precisamos compreender as diferentes formas como cada um dos nossos autores vê o estado de natureza, e então nós podemos compreender o seu modelo de estado civil também. E nós podemos compreender facilmente as diferenças entre cada teoria se visualizarmos as formas de governo que elas buscaram justificar.

  1. Thomas Hobbes – o pensador do absolutismo na Inglaterra:

Assim como Maquiavel, na Itália, Hobbes, na Inglaterra, foi o filósofo do absolutismo monárquico. Ele escreveu a sua obra, o Leviatã, num momento em que a Inglaterra ainda era absolutista. Então ele procurou justificar a concentração de todos os poderes do Estado nas mãos do rei. Como ele fez isso? Ele fez isso concebendo um estado de natureza em que o que havia era a “guerra de todos contra todos” (“o homem é o lobo do homem”, dizia Hobbes). Sendo assim, a única coisa que os homens se preocupavam em fazer, no estado de natureza, era preservar a sua vida. Assim, Hobbes entende que a vida é o único direito natural do homem.

Para preservarem as suas vidas, os homens teriam aberto mão de sua soberania e a entregue ao Estado, por meio do contrato social. Preste atenção na locução verbal: “abrir mão.” A ideia do contrato social, em Hobbes, é uma ideia de renúncia de direitos, que ficam concentrados na mão do Estado, o que significa dizer na mão do rei, já que o momento que se vivia era do absolutismo. Esse poder absoluto do Estado é identificado até mesmo no nome da obra de Hobbes: “O Leviatã.” Leviatã é a palavra hebraica para “dragão,”[1] um grande monstro, com o qual Hobbes identifica o Estado com poderes absolutos.

  1. John Locke – o pensador do liberalismo e do parlamentarismo na Inglaterra:

Locke, por sua vez, é o grande pensador do liberalismo inglês, e a sua obra, o Segundo Tratado sobre o Governo Civil, foi o que deu sustentação teórica para o parlamentarismo, que prevaleceu na Inglaterra com a Revolução Gloriosa de 1688-9, acabando com o absolutismo naquele País e pondo fim às controvérsias políticas entre católicos e protestantes (após a Revolução, ficou estabelecido que jamais um católico poderia sentar-se novamente no trono da Inglaterra).

Ao contrário de Hobbes, para o qual o estado de natureza era um estado de guerra, para Locke o estado de natureza era um estado de perfeita paz e harmonia entre os homens. O direito natural por excelência, para Locke, é a propriedade (lembre-se que ele é o teórico do liberalismo). Assim, a transição do estado de natureza para o estado civil ou de sociedade se dá por consentimento dos homens, e não porque eles renunciaram aos seus direitos.

Dessa forma, para Locke, os governantes, no estado civil, agem por delegação, e a sua função é de garantir o gozo dos direitos naturais pelas pessoas, dentre os quais o mais importante é o de propriedade. E, se os governantes não agirem de acordo com esta delegação, eles podem ser depostos.

Por fim, após a consolidação inicial do estado civil com o contrato social, Locke defende que deve haver necessariamente o estabelecimento de dois poderes diferentes, o Executivo e o Legislativo, e a este último incumbe aprovar as leis que vão controlar o primeiro. Locke é quem vai influenciar fortemente os dois pensadores franceses pré-Revolução, Rousseau e Montesquieu, mas isso já é outro assunto.

  1. Resumindo:
  • Ponto comum entre as teorias contratualistas: transição do estado de natureza para o estado civil, por meio do contrato social
    • (apenas lembre que isso tudo é um modelo teórico, e não algo que tenha comprovação histórica…)
  • Hobbes:
    • Teórico do absolutismo
    • Estado de natureza = “guerra de todos contra todos”
    • Direito natural = vida
    • Contrato social = renúncia
    • Estado civil = absolutismo monárquico
  • Locke:
    • Teórico do liberalismo e do parlamentarismo
    • Estado de natureza = paz e harmonia entre os homens
    • Direito natural = propriedade
    • Contrato social = consenso/delegação
    • Estado civil = parlamentarismo; possibilidade de deposição dos governantes que não agirem de acordo com a delegação

 Indicações bibliográficas:

  • Leviatã. Thomas Hobbes
  • Segundo tratado sobre o governo civil. John Locke
  • Os Clássicos da Política – vol. 1. Francisco Weffort
  • História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito. Cláudio de Cicco
  • 10 livros que estragaram o mundo (e outros 5 que não ajudaram em nada). Benjamin Wiker

[1] Ver, na Bíblia, no Antigo Testamento, O Livro de Jó, capítulo 41, verso 1: “Poderás tirar com anzol o leviatã, ou ligarás a sua língua com uma corda?” Outras ocorrências da mesma palavra podem ser encontradas no Livro dos Salmos (74.14 e 104.26) e em Isaías 27.1.

Observação quanto às datas mencionadas no vídeo: a data de publicação do Leviatã, de Hobbes, foi 1651, e não 1675 (embora, de fato, em 1675 a Inglaterra estivesse experimentando novamente o absolutismo da dinastia dos Stuart, após a Revolução Puritana e o Protetorado de Cronwell); quanto ao Segundo Tratado do Governo Civil, de Locke, 1682 é a data provável de sua redação (durante o exílio do autor na Holanda, exatamente por conta do regime absolutista dos Stuart), embora ele somente tenha sido publicado na Inglaterra em 1690, efetivamente após a Revolução Gloriosa de 1688-9, servindo, assim, como sustentação teórica ao regime parlamentarista então iniciado.

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Qual a diferença entre o estado de natureza para John Locke e Thomas Hobbes?

Ao contrário de Hobbes, para o qual o estado de natureza era um estado de guerra, para Locke o estado de natureza era um estado de perfeita paz e harmonia entre os homens. O direito natural por excelência, para Locke, é a propriedade (lembre-se que ele é o teórico do liberalismo).

Qual a diferença entre Hobbes Rousseau e Locke?

Enquanto que em Hobbes o motivo justificador da instituição do Estado é a proteção da vida, em Locke é a proteção da propriedade, e em Rousseau será a asseguração da liberdade o principal argumento. Trata-se de uma liberdade convencional que vem para substituir a liberdade natural.

Quais são as principais diferenças do estado de natureza e de sociedade para Hobbes?

Hobbes afirma que no estado de natureza os homens podem todas as coisas. Por isso, eles utilizam todos os meios disponíveis para consegui-las. No estado de natureza, segundo Hobbes, os homens podem todas as coisas e, para tanto, utilizam-se de todos os meios para atingi-las.