Qual a contribuição da linguística textual para o ensino de Língua Portuguesa na educação básica?

LINGÜÍSTICA TEXTUAL E PCNs DE LÍNGUA PORTUGUESA

  Ingedore G. Villaça Koch (UNICAMP/CNPq)

Os PCNs de Língua Portuguesa

A divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Língua Portuguesa pelo MEC fomentou muitas discussões sobre o ensino de língua materna em diversos segmentos, entre os quais as escolas públicas e privadas, os cursos de formação de jovens e adultos, de professores e a comunidade acadêmica. Este documento, que tem por objetivo parametrizar o ensino em território nacional, vem sendo objeto de reflexão de especialistas e constituindo objeto de pesquisa em muitos trabalhos acadêmicos. A postulação básica do documento é o ensino centrado no texto, quer em termos de leitura, quer em termos de produção.

Leitura

 

Quanto à leitura, rezam os Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa: 

“A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita, etc. Não se trata simplesmente de ‘extrair informação da escrita’ decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão. Qualquer leitor experiente que conseguir analisar sua própria leitura, constatará que a decodificação é apenas um dos procedimentos que utiliza quando lê: a leitura fluente envolve uma série de outras estratégias como seleção, antecipação, inferência e verificação (grifos meus), sem as quais não é possível rapidez e proficiência. É o uso de procedimentos desse tipo que permite controlar o que vai sendo lido, tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, arriscar-se diante do desconhecido, buscar no texto a  comprovação das suposições feitas etc.

“Formar um leitor competente, supõe formar alguém que compreenda o que lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; que consiga justificar e validar  sua leitura a partir da localização de elementos discursivos que permitam fazê-lo.” (grifos meus)

 
E mais adiante:

 “Uma prática constante de leitura na escola deve admitir ‘leituras’. Pois outra concepção que deve ser superada é o mito da interpretação única, fruto do pressuposto de que o significado está no texto. O significado, no entanto, constrói-se pelo esforço de interpretação do leitor, a partir não só do que está escrito, mas do conhecimento que traz para o texto. É necessário que o professor tente compreender o que há por trás dos diferentes sentidos atribuídos pelos alunos aos textos; às vezes é porque o autor intencionalmente ‘jogou com as palavras’ para provocar interpretações múltiplas; às vezes é porque o texto é difícil ou confuso; às vezes é porque o leitor tem pouco conhecimento sobre o assunto tratado e, a despeito do seu esforço, compreende mal. Há textos nos quais as diferentes interpretações fazem sentido e são necessárias: é o caso dos bons textos literários. Há outros que não: textos instrucionais, enunciados de atividades e problema matemáticos, por exemplo, só cumprem sua função se houver compreensão do que deve ser feito”.

São claramente os ensinamentos da Lingüística Textual que respaldam as postulações dos PCNs. Compreensão, leitura do que não está escrito, construção de sentidos são habilidades que envolvem questões como a da implicitude  (já que, como sabemos, não existem textos totalmente explícitos); dos tipos de implícito e das formas de sua recuperação, nessa eterna “caça ao sentido” que é inerente à espécie humana (Dascal, 1992), isto é, da necessidade de ler “o que não está escrito”, mas que é indispensável para a construção do sentido; dos tipos de inferências necessárias para fazê-lo e de como se processam estrategicamente; de outras estratégias cognitivo-discursivas, como seleção, antecipação, verificação, nessa atividade de solução de problemas que é o processamento textual; da necessidade de mobilização de saberes que constituem a memória enciclopédica e dos diversos tipos de conhecimentos a serem mobilizados em função da situação, inclusive aqueles referentes aos gêneros textuais, já que se preconiza o ensino do texto por intermédio deles; da intertextualidade, condição mesma de existência dos textos; da necessidade de se admitir uma multiplicidade de leituras (desde que permitidas pela forma como o texto se encontra lingüisticamente construído), “já que o mito da interpretação única é fruto do pressuposto de que o significado está no texto”; da capacidade de justificar e validar a leitura a partir da localização de elementos discursivos que permitam fazê-lo. Todas estas são questões que vêm fazendo parte da agenda da Lingüística Textual há mais de duas décadas.

 
O que caberia observar com relação ao que diz o documento é que não só os bons textos literários permitem diferentes interpretações, visto que, como afirmam os próprios PCNs, o sentido não está no texto, mas é uma construção que se opera no decorrer do jogo interacional (produtor-texto-leitor). É claro que o gênero textual vai determinar a maior ou menor possibilidade de múltiplas leituras. Há gêneros em que um maior fechamento (ou, em certos casos, até uma leitura unívoca) se faz desejável, ao passo que, em outros, há um conjunto de leituras possíveis, a partir da forma como o texto se encontra lingüisticamente construído. Por fim, há outros em que se joga justamente com a pluricidade de leituras, com vista a determinados fins.

Relativamente à prática de produção de textos, podem-se destacar as seguintes afirmações dos PCNs

  • “Um escritor competente é alguém que sabe reconhecer diferentes tipos de texto (grifos meus) e escolher o apropriado a seus objetivos num determinado momento(...)
  • “Um escritor competente é, também, capaz de olhar para o próprio texto como um objeto e verificar se está confuso, ambíguo, redundante, obscuro ou incompleto. Ou seja: é capaz de revisá-lo e reescrevê-lo até considerá-lo satisfatório para o momento. É, ainda, um leitor competente, capaz de recorrer, com sucesso, a outros textos quando precisa utilizar fontes escritas para a sua própria produção.” 

Quanto à produção do sentido, defendem, ainda, os PCNs que o trabalho de análise epilingüística é importante por possiblitar a discussão sobre os diferentes sentidos atribuídos aos textos e sobre os elementos discursivos que validam ou não essas atribuições, propiciando, também, a construção de um repertório de recursos lingüísticos a ser utilizado quando da produção textual.

 
As contribuições da Lingüística Textual

 
A Lingüística Textual pode oferecer ao professor subsídios indispensáveis para a realização do trabalho acima mencionado: a ela cabe o estudo dos recursos lingüísticos e condições discursivas que presidem à construção da textualidade e, em decorrência, à produção textual dos sentidos. Isto vai significar, inclusive, uma revitalização do estudo da gramática: não, é claro, como um fim em si mesma, mas com o objetivo de evidenciar de que modo o trabalho de seleção e combinação dos elementos lingüísticos, dentro das variadas possibilidades que a gramática da língua nos põe à disposição, nos textos que lemos ou produzimos, constitui um conjunto de decisões que vão funcionar como instruções ou sinalizações a orientar nossa busca pelo sentido.

Estratégias cognitivo-textuais

Assim sendo, é preciso que os produtores de textos dominem uma série de estratégias de organização da informação e de estruturação textual. A continuidade de um texto resulta de um equilíbrio variável entre dois movimentos fundamentais: retroação e progressão. Desta forma, a informação semântica contida no texto vai distribuir-se em (pelo menos) dois grandes blocos: o dado e o novo, cuja disposição e dosagem interferem na construção do sentido. A informação dada (ou aquela que o produtor do texto apresenta como dada) - tem por função estabelecer os pontos de ancoragem para o aporte da informação nova. A retomada desta informação opera-se, por meio de remissão ou referência textual, que leva à formação, no texto, de cadeias referenciais coesivas. Estas cadeias têm papel importante na organização textual, contribuindo para a produção do sentido pretendido pelo produtor do texto. Contudo, é preciso, também, considerar que a remissão se faz, freqüentemente, não a referentes textualmente expressos, mas a "conteúdos de consciência", isto é, a referentes que estão presentes na memória discursiva dos interlocutores e que, a partir de "pistas” ou ‘âncoras’ encontradas na superfície textual, são (re)ativados, via inferenciação. É o que ocorre no exemplo (1), que apresenta o que se denomina anáfora associativa, em quea segunda expressão referencial mantém uma relação meronímica ou de ‘ingrediência’ (Lesniewski,1989) com a primeira, isto é, vitrines pode ser considerado ‘ingrediente’ de shopping:

 

(1) “Na semana passada, tivemos finalmente uma novidade.  Foi a invasão pacífica de um shopping carioca, pela Frente da Luta Popular.  Cerca de 130 pessoas, entre punks, estudantes e favelados, entraram naquele, hum, “templo do consumo”, olharam as vitrines, comeram sanduíches de mortadela, declamaram poemas de Pablo Neruda e, bem, foram embora – deixando apreensões e mal-estar no ambiente.”  (FSP, 09/08/2000, E-10)

 
Já em (2), é ‘debate em uma Universidade’ que vai ancorar a interpretação de o jovem, embora não se trate aqui de uma relação léxico-estereotípica (condição estabelecida por Kleiber, 1994, 2000, para a existência de uma anáfora associativa), mas de uma relação indireta que se constrói com base em inferências a partir do conhecimento de mundo.

 

(2) Durante debate recente em uma Universidade, nos Estados Unidos, o ex-governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque do PT, foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. O jovem introduziu sua pergunta.

Importante é chamar a atenção para as estratégias argumentativas, que desempenham papel vital na construção do sentido. Podem-se destacar aqui, apenas a título de exemplo, a estratégia da referenciação por expressões nominais definidas, o uso de operadores ou conectores argumentativos, o emprego de modalizadores, de índices de pressuposição ou de avaliação, o uso argumentativo dos tempos verbais, a seleção lexical e o inter-relacionamento de campos lexicais; a argumentação por autoridade polifônica, entre muitas outras.(cf. Koch, 1984)

O emprego, por exemplo, de uma expressão nominal introduzida por artigo definido ou por pronome demonstrativo (descrição definida) implica uma pressuposição de conhecimento partilhado e obriga o interlocutor a uma busca no contexto, cognitivo ou situacional. Por outro lado, visto que a descrição definida normalmente opera uma seleção, entre as possíveis propriedades, qualidades e defeitos do referente, daquela ou daquelas que, em determinado contexto, interessa ressaltar (ou mesmo anunciar), isto é, seleciona aquelas mais adequadas ao projeto de dizer do produtor do texto, seu emprego vai exigir do interlocutor a percepção do porquê da escolha de uma e não de outra, no contexto dado. Tais expressões podem ter, ainda, a importante função de sumarizar, recategorizando-os, segmentos anteriores do texto (cf. Koch 1997, 1998, 2002). Atentemos para o texto abaixo:

(7) Com a perigosa progressão da demência bélica de Bush 2º cabe uma indagação: para que serve a ONU? Criada logo após a 2ª Guerra Mundial, como substituta da Liga das Nações, representou uma grande esperança de paz e conseguiu cumprir seu papel durante algum tempo, amparando deslocados de guerra, mediando conflitos, agindo pela independência das colônias.(...)


É. Sem guerra não dá. Num mundo de paz, como iriam ganhar seu honrado dinheirinho os industriais de armas que pagaram a duvidosa eleição de Bush 2º, o Aloprado? Sem guerra, coitadinhas da Lookheed, da Raytheon (escândalo da Sivan, lembram?). Com guerra à vista, estão faturando firme. A ONU ainda não abençoou essa nova edição de guerra santa, do terrorismo do bem contra o terrorismo do mal.(...) O Caubói Aloprado já nem disfarça mais.(...) (Juracy Andrade, Delinqüência internacional, Jornal do Commércio, Recife, 08/02/2003)


(8) “No limite’, shopping center da sobrevivência na selva, programa da Globo, rendeu a outra polêmica social da semana. Nessa gincana burríssima, como todas as gincanas, elimina-se um participante por semana. (FSP, 07/08/2000. A2).

Recurso ao contexto

Já foi salientado que o recurso ao contexto é indispensável para a compreensão e, deste modo, para a construção da coerência textual. O contexto, da forma como é aqui entendido, engloba não só o co-texto, como a situação de interação imediata, a situação mediata (entorno sócio-político-cultural) e também o contexto cognitivo dos interlocutores. Este último, na verdade, subsume os demais. Ele reúne todos os tipos de conhecimentos arquivados na memória dos actantes sociais, que necessitam ser mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal: o conhecimento lingüístico propriamente dito, o conhecimento enciclopédico, quer declarativo (conhecimento que recebemos pronto, que é introjetado em nossa memória ‘por ouvir falar’), quer episódico (“frames”, “scripts”) (conhecimento adquirido através da convivência social e armazenado em ‘bloco’, sobre as diversas situações e eventos da vida quotidiana; cf. Koch, 1997), o conhecimento da situação comunicativa e de suas “regras” (situacionalidade), o conhecimento superestrutural ou tipológico (gêneros e tipos textuais), o conhecimento estilístico (registros, variedades de língua e sua adequação às situações comunicativas), bem como o conhecimento de outros textos que permeiam nossa cultura (intertextualidade).Nesta acepção, portanto, vê-se o contexto como constitutivo da própria ocorrência lingüística.

É neste sentido que se pode dizer que certos enunciados são gramaticalmente ambíguos, mas o discurso se encarrega de fornecer condições para sua interpretação unívoca. As línguas são, em si , indeterminadas, não fornecem, todas as condições para sua interpretação. Isto é: admite-se que: 1. o contexto permite prencher as lacunas do texto (“o contexto completa” - cf. Dascal & Weizman, 1987; Clark, 1977, que fala em estabelecer os “elos faltantes - “missing links”-, por meio de inferências-ponte); 2. os fatores contextuais podem alterar o que se diz (“o contexto modifica” – ironia, etc.); 3. que tais fatores se incluem entre aqueles que explicam por que se disse isso e não aquilo (“o contexto justifica”). De qualquer maneira, sob essa perspectiva, falar de discurso implica considerar fatores externos à língua, alguma coisa do seu exterior, para entender o que nela é dito, que por si só seria insuficiente.

Assim, as abordagens sociocognitivas do processamento textual vêm postulando que o contexto físico não afeta a linguagem diretamente, mas sempre por intermédio dos conhecimentos ( memória discursiva) do falante e do ouvinte, de modo que a maior parte das assunções contextuais é recuperada da memória, ou seja, do contexto cognitivo dos interlocutores. Isto é, o contexto é um conjunto de suposições trazidas para a interpretação de um enunciado

As relações entre informação explícita e conhecimentos pressupostos como partilhados podem ser estabelecidas por meio de estratégias de “sinalização textual”, por intermédio das quais o locutor, por ocasião do processamento textual, procura levar o interlocutor a recorrer ao contexto sócio-cognitivo

De qualquer forma, o sentido de um texto, qualquer que seja a situação comunicativa, não depende tão-somente da estrutura textual em si mesma (daí a metáfora do texto como um “iceberg”). Os objetos de discurso a que o texto faz referência são apresentados em grande parte de forma lacunar, permanecendo muita coisa implícita. O produtor do texto pressupõe da parte do leitor/ouvinte  conhecimentos textuais, situacionais e enciclopédicos e, orientando-se pelo Princípio da Economia, não explicita as informações consideradas redundantes. Ou seja, visto que não existem textos totalmente explícitos, o produtor de um texto necessita proceder ao “balanceamento” do que necessita ser explicitado textualmente e do que pode permanecer implícito, por ser recuperável via inferenciação (cf. Nystrand & Wiemelt, 1991; Marcuschi, 1994).  Na verdade, é este o grande segredo do locutor competente.

O leitor/ouvinte, por sua vez, espera sempre um texto dotado de sentido e procura, a partir da informação contextualmente dada, construir uma representação coerente, por meio da ativação de seu conhecimento de mundo e/ou de deduções que o levam a estabelecer relações de causalidade, temporalidade etc. Levado pelo Princípio da Continuidade de Sentido (Hörmann, 1976), ele põe em funcionamento todos os componentes e estratégias cognitivas que tem à disposição para dar ao texto uma interpretação dotada de sentido. Esse princípio se manifesta como uma atitude de expectativa do interlocutor de que uma seqüencia lingüística produzida pelo falante/escritor seja coerente. 

Portanto, o tratamento da linguagem, quer em termos de produção, quer de recepção, repousa visceralmente na interação produtor - ouvinte/leitor, que se manifesta por uma antecipação e coordenação recíprocas, em dado contexto, de conhecimentos e estratégias cognitivas.

Desta forma, a explicitude de um texto deve ser avaliada em termos da interação entre produtor e leitor/ouvinte tal como mediada pelo texto (Nystrand & Wiemelt, 1991). Tanto em textos escritos com em textos orais, o produtor, visando à produção de sentidos, fazem uso de uma multiplicidade de recursos além das simples palavras que compõem as estruturas. Em obediência à Maxima da Relevância (Grice, 1975) e com base em seu modelo do interlocutor, o falante/escritor verbaliza somente as unidades referenciais e as representações necessárias à compreensão e que não possam ser deduzidas sem esforço pelo leitor/ouvinte por meio de informações contextuais e/ou conceituais (Princípio da Seletividade).

Como vimos, os produtores de textos pressupõem sempre determinados conhecimentos contextuais, situacionais ou enciclopédicos da parte do interlocutor. Por isso, eles deixam implícitas informações que consideram redundantes, coordenando o Princípio da Economia com o Princípio da Explicitude. Ou seja: quais  significados devem ser tornados explícitos depende, em larga escala, do uso que o produtor do texto faz dos fatores contextuais.

Por exemplo, conforme vimos, o emprego de uma expressão nominal introduzida por artigo definido ou por pronome demonstrativo (descrição definida) implica uma pressuposição de conhecimento partilhado e obriga o interlocutor a uma busca no contexto, cognitivo ou situacional. Visto que o produtor do texto procede à seleção daquelas que se mostram mais adequadas ao seu projeto de dizer, seu emprego vai exigir do interlocutor a percepção do porquê da escolha de uma e não de outra, no contexto dado.

Gêneros textuais

O estudo dos gêneros constitui hoje uma das preocupações centrais da Lingüística Textual, particularmente no que diz respeito à sua localização no continuum fala/escrita, às opções estilísticas que lhes são próprias e à sua construção composicional, em termos macro e microestruturais.

Os PCNs endossam essa tendência, ao afirmarem:

“Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero(...).  Os vários gêneros existentes, por sua vez, constituem formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura, que são caracterizados por três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional. Podemos ainda afirmar que a noção de gêneros refere-se a “famílias” de textos que compartilham algumas características comuns, embora heterogêneas, como: visão geral da ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de literariedade, por exemplo, existindo em número quase ilimitado Os gêneros são determinados historicamente. As intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, geram usos sociais que determinam os gêneros, os quais dão forma aos textos(...)

É em BAKHTIN (1979:179) que se ancora essa conceituação: “Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana [...]. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo temático e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua - recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais - mas também, e sobretudo, por sua construção composicional”. Assim sendo, todos os nossos enunciados se baseiam em  formas-padrão e relativamente estáveis de estruturação de um todo.

Tais formas constituem os gêneros, “tipos relativamente estáveis de enunciados”, marcados sócio-historicamente, visto que estão diretamente relacionados às diferentes situações sociais. É cada uma dessas situações que determina, pois, um gênero, com características temáticas, composicionais e estilísticas próprias. Sendo as esferas de utilização da língua extremamente heterogêneas, também os gêneros apresentam grande heterogeneidade, incluindo desde o diálogo cotidiano à tese científica. Por esta razão, Bakhtin distingue os gêneros primários dos secundários. Enquanto os primeiros (diálogo , carta, situações de interação face-a-face) são constituídos em situações de comunicação ligadas à esferas sociais cotidianas de relação humana, os segundos são relacionados a outras esferas, públicas e mais complexas, de interação social, muitas vezes mediadas pela escrita e apresentando uma forma composicional monologizada , absorvendo, pois,  e transmutando os gêneros primários.

É importante assinalar, contudo, que a concepção de gênero de Bakhtin não é estática, como poderia parecer à primeira vista. Pelo contrário, como qualquer outro produto social, os gêneros estão sujeitos a mudanças, decorrentes não só de transformações sociais, como aquelas oriundas de novos procedimentos de organização e acabamento da arquitetura verbal, mas também de modificações do lugar atribuído ao ouvinte.

O estudo dos gêneros constitui-se, sem dúvida,, numa contribuição das mais importantes para o ensino de L.P. da forma como é preconizado nos PCNs. E mais: somente quando nosso aluno possuir o domínio dos gêneros mais correntes na vida quotidiana, ele será capaz de perceber o jogo que freqüentemente se faz por meio de manobras discursivas que pressupõe esse domínio. A título de exemplificação, apresento aqui duas charges publicadas na Folha de São Paulo:

Qual a contribuição da linguística textual para o ensino de Língua Portuguesa na educação básica?

Qual a contribuição da linguística textual para o ensino de Língua Portuguesa na educação básica?

Contudo, como vem acontecendo com muita freqüência, até mesmo no documento oficial, há ainda uma imprecisão quanto aos conceitos de gênero e tipo. Veja-se, a título de exemplo, o excerto da página 4: “Um escritor competente é alguém que sabe reconhecer diferentes tipos de texto e escolher o apropriado a seus objetivos num determinado momento(...)  Ao que parece, trata-se aqui de gêneros  e não de tipos ou seqüências (narrativas, descritivas etc)

Contudo, não há a menor dúvida de que o documento oficial é bom , e deverá, a médio e longo prazo, atingir os objetivos visados. O que se faz necessário é oferecer aos professores o instrumental teórico necessário para que seja posto em prática de forma eficaz. Toda lei necessita de regulamentação e interpretação: é o que cabe aos lingüistas _ e, particularmente, aos estudiosos do texto, com relação aos PCNs.

Referências

BAKHTIN, Michael. [1953](1992). Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins

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SPEBER, D. & D. WILSON. 1986. Relevance. Communication and cognition. Oxford: Blackwell.

Qual a principal contribuição da Linguística Textual para o professor?

Para finalizar, segundo Koch (2003) a principal contribuição da LT diz respeito a dotar o professor de um instrumento teórico e prático adequado para a competência textual dos alunos, os tornando aptos a interagir através de textos doa mais diversificados gêneros, nas mais diversas situações de interação social.

Qual o objeto de estudo da linha de pesquisa linguística textual?

Linguística textual é um ramo relativamente novo da linguística, que se relaciona estreitamente com a análise do discurso, da qual é frequentemente usada como sinônimo, e cujo objeto de estudo é o texto.

Como o entendimento da linguística pode contribuir para a formação de professores e alunos?

A formação lingüística traz também uma contribuição muito importante, ao despertar nos alfabetizadores a valorização do código oral como mediação necessária para que seus alfabetizandos adquiram de forma mais fácil e agradável a habilidade de escrever.

O que se compreende por Linguística Textual?

Texto é a unidade linguística mais alta, superior à sentença, e constitui uma entidade do sistema linguístico, cujas estruturas possíveis em cada língua devem ser determinadas por uma gramática textual. Relações de sentido além das frases tomadas isoladamente.