Qual o objetivo da ação de petição de herança e em que casos e quando pode ela ser intentada?

Acordam os Ju�zes na 7� Sec��o do Tribunal da Rela��o de Lisboa:

I- RELAT�RIO
A. intentou a presente a��o declarativa de condena��o com processo comum contra B. e B’., formulado a final os seguintes pedidos:

a) Ver reconhecida a sua qualidade sucess�ria, como �nico herdeiro das heran�as abertas por �bito de seus pais, C. e C’., e de sua irm�, D.;
b) Serem as R�s, B. e B’., condenadas a restitu�rem �s heran�as de C., C’. e de D., os bens im�veis identificados no artigo 4� deste articulado
c) Serem, em consequ�ncia, canceladas as Ap.1916 de 2013/05/10, constantes dos pr�dios registados na Conservat�ria do Registo Predial de Santana sob os n�meros x e y, ambos da freguesia de S�o Jorge, pelas quais os pr�dios identificados no artigo 4� deste articulado se encontram registados a favor das R�s.”
Para tanto alega, em s�ntese que � o �nico herdeiro dos seus pais e irm�, j� falecidos, que as referidas heran�as integravam dois pr�dios r�sticos, que em vida os seus pais sempre usaram tais im�veis como seus, e que, aproveitando-se do facto de os mencionados pr�dios se encontrarem omissos no registo predial e de o nome do falecido pai do autor ser parecido com o nome do falecido pai das r�s, estas registaram a aquisi��o de tais im�veis a seu favor, e mudaram a inscri��o dos mesmos na matriz, passando estes a figurar na matriz como pertencendo � heran�a do pai da r�.
Mais sustenta o autor que nunca as r�s ou os pais usaram os pr�dios em apre�o.

Citadas as r�s, nenhuma delas apresentou contesta��o.

Face � aus�ncia de contesta��o, o Mm� Juiz a quo proferiu despacho considerando “confessados os factos articulados pelo Autor, nos precisos termos do artigo 567.�, n.� 1 do novel C�d. Proc. Civil (NCPC)”, e ordenando se “d� cumprimento ao disposto no art. 567.�, n.� 2, primeira parte do NCPC”[1].

Na sequ�ncia, o autor apresentou alega��es, pugnando pela integral proced�ncia da a��o e consequentemente pela condena��o dos r�us nos pedidos[2].

Seguidamente, o Mm� Juiz a quo proferiu despacho[3] convidando o autor a suprir um eventual v�cio de legitimidade passiva mediante a dedu��o de incidente de interven��o principal, com vista a chamar a ju�zo o c�njuge da 2� r�.

Correspondendo a tal convite, veio o autor deduzir o incidente de interven��o principal provocada de E.[4], o qual n�o mereceu qualquer oposi��o por parte dos requeridos, e foi admitido[5].

Citado como r�u, o chamado tamb�m n�o contestou.

Seguidamente foi proferida senten�a que julgou a a��o parcialmente procedente, tendo condenado os r�us “a reconhecerem a qualidade, do Autor, de herdeiro das heran�as abertas por �bito de seus pais, C., C’., e por �bito de sua irm�, D.“ e absolvido os r�us dos demais pedidos.

Inconformado com tal senten�a, veio o autor dela interpor recurso, apresentando no final das suas alega��es as seguintes conclus�es:
1- A douta senten�a ora recorrida, concluiu por julgar a ac��o parcialmente procedente, por provada, e em consequ�ncia : condenar os R�us a reconhecerem a qualidade, do Autor, de herdeiro das heran�as abertas por �bito de seus pais, C., C’., e , por �bito da sua irm�, D.; absolver os R�us dos demais peticionados pelo A, nomeadamente de serem condenados a restitu�rem as heran�as de C.; C’. e de D., os bens im�veis identificados no artigo 4� da peti��o inicial; e de serem canceladas, em consequ�ncia, as Ap. 1916, de 2013/05/10, constantes dos pr�dios registados na Conservat�ria do Registo Predial de Santana sob os n�meros x e y, ambos da freguesia de S�o Jorge, pelas quais os pr�dios identificados no artigo 4� da peti��o inicial se encontram registados a favor dos R�us.
2- Foram dados como provados por confiss�o, todos os fatos alegados pelo Autor na sua peti��o inicial.
3- O tribunal a quo qualificou a presente a��o, como sendo uma a��o de peti��o da heran�a (artigo 2075�, n� 1 do C�digo Civil).
4- A senten�a recorrida conclui que resulta provado nos autos a qualidade de �nico herdeiro do Autor e que em vida, os pais do Autor sempre cultivaram, plantaram e usufru�ram, de forma p�blica, os pr�dios identificados na peti��o inicial, pagaram as respetivas contribui��es e colheram os respetivos frutos, ou seja, desde data n�o concretamente apurada, mas que se situa, pelo menos no dia 7-07-1977, ou seja, 40 anos, resulta claro que os pr�dios est�o na posse do Autor.
5- Por�m, a senten�a conclui que n�o se mostram integralmente preenchidos os pressupostos previstos no artigo 2075� do C�d.Civil, uma vez que para a proced�ncia deste artigo os bens t�m que estar na posse de terceiros, o que n�o sucede in casu, decidindo absolver os R�us dos pedidos feitos pelo Autor em b) e c) da sua peti��o inicial.
6- Na sua douta fundamenta��o jur�dica, o tribunal a quo, ignora um dos fatos dados como provados na sua fundamenta��o: os pr�dios em causa nos presentes autos encontram-se registados na Conservat�ria do Registo Predial a favor dos R�us, conforme resulta do alegado nos artigos 10� a 12� da peti��o inicial e dos documentos (as respetivas certid�es de teor predial) ali juntos sob os n�meros 2 e 3; olvidando assim, um dos efeitos substantivos que o registo produz, que � o efeito presuntivo: o registo constitui presun��o de que o direito existe e pertence ao titular inscrito (artigo 7� do C�digo de Registo Predial).
7- Sendo a a��o de peti��o da heran�a uma a��o que se enquadra no �mbito dos direitos reais e visa a defesa do direito de propriedade, e tendo o registo predial essencialmente por escopo dar publicidade aos direitos reais inerentes �s coisas im�veis, n�o poderia o tribunal a quo, em face da mat�ria dada como provada nos autos, interpretado e aplicado o artigo 2075�, n� 1 do C�digo Civil como o fez e decidido no sentido que o fez na al�nea b) da douta senten�a, ignorando o efeito presuntivo do artigo 7� do C�digo de Registo Predial.
8- Esse direito de propriedade sobre os pr�dios, que adv�m aos R�us pelo registo dos mesmos a seu favor, � pleno, ou seja , tem car�ter absoluto, encontrando-se nas m�os dos R�us todas as faculdades inerentes ao dom�nio, ao uso, gozo e disposi��o dos mesmos da maneira que lhes aprouver, podendo deles exigir e extrair todas as utilidades que os mesmos estejam aptos a oferecer. Em suma, t�m os R�us, o direito real m�ximo sobre os pr�dios em causa.
9- Resulta, portanto, da mat�ria dada como provada na douta senten�a, que os pr�dios r�sticos identificados no artigo 4� da peti��o da heran�a, pertencem � heran�a dos pais do autor, da qual � reconhecida ao autor a qualidade de herdeiro (de acordo com a douta senten�a, h� pelo menos 40 anos resulta claro que os pr�dios est�o na posse do Autor), e que os mesmos est�o, face aos registos apresentados, na propriedade dos R�us.
10- A presun��o da titularidade do direito correspondente ao dom�nio que o possuidor (entenda-se Autor) vem exercendo � estruturalmente id�ntica � presun��o que se estabelece atrav�s do artigo 7� do C�digo de Registo Predial (existente a favor dos R�us). Muda apenas o facto concludente: o registo definitivo aqui; a posse ali. E, como em qualquer presun��o legal, esta beneficia o possuidor com a invers�o do �nus probat�rio (artigo 350�/n�.1 do CC).
11- Como corol�rio destes fatos provados, surge a necessidade dos R�us procederem � restitui��o daqueles pr�dios r�sticos, melhor identificados no artigo 4� da peti��o inicial, aquela heran�a da qual foi o Autor reconhecido como herdeiro e, consequentemente, serem canceladas as Apresenta��es constantes dos registos dos pr�dios em causa a favor dos R�us.

12- Nestes termos, deve ser julgado procedente o presente recurso e, em consequ�ncia, ser revogada a douta senten�a no que diz respeito � decis�o constante da al�nea b) da mesma, vindo a a��o ser considerada totalmente procedente, por provada e, consequentemente serem os R�us, B., B’. e E., condenados na totalidade do pedido apresentado pelo Autor na sua peti��o inicial”.

Os r�us n�o apresentaram contra-alega��es.

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II- QUEST�ES A DECIDIR
Conforme resulta das disposi��es conjugadas dos arts. 635�, n.� 4 e 639�, n.� 1 do C�digo de Processo Civil[6], � pelas conclus�es que se delimita o objeto do recurso, seja quanto � pretens�o dos recorrentes, seja quanto �s quest�es de facto e de Direito que colocam[7]). Esta limita��o dos poderes de cogni��o do Tribunal da Rela��o n�o se verifica em sede de qualifica��o jur�dica dos factos ou relativamente a quest�es de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5� n.� 3 do CPC).
N�o obstante, a este Tribunal est� vedado apreciar quest�es que n�o tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decis�es proferidas[8].
No caso em an�lise, considerando o teor das alega��es de recurso apresentadas pelo recorrente, as quest�es essenciais a decidir s�o as seguintes:
a) Se a presente a��o deve ser qualificada como de peti��o de heran�a
b) Se no caso vertente se verificam os requisitos de que depende a proced�ncia da a��o

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III- OS FACTOS
A senten�a sob recurso considerou como provados todos os factos alegados pelo autor na peti��o inicial.
Assim, por confiss�o ficta dos r�us (nos termos do disposto no art. 567�, n� 1 do CPC), e face ao teor dos documentos aut�nticos juntos aos autos, a saber, a escritura de habilita��o de herdeiros de fls. 8-9, as certid�es de registo predial de fls. 10 e 11, e a certid�o de fls. 12, emitida pelo Servi�o de Finan�as de Santana, acham-se provados os seguintes factos:
1- O autor, A., � filho de C. (que tamb�m usava e era conhecido como C. ..) e de C’. (que tamb�m usava e era conhecida como …).
2- D. era filha de C. e de C’.
3- C. faleceu em 08-07-1967, no estado de casado com C’., e sem deixar testamento.
4- � data referida em 3- C. n�o tinha outros filhos para al�m do autor e de D..
5- C’. faleceu em 22-07-1986, no estado de vi�va de C., e sem deixar testamento.
6- � data referida em 5- C’. n�o tinha outros filhos para al�m do autor e de D..
7- D. faleceu em 15-02-2003, no estado de solteira, e sem deixar testamento.
8- Serafina Ferreira n�o teve filhos e tinha como �nico irm�o o autor.
9- Enquanto viveram, C. e C’ sempre cultivaram, plantaram e usufru�ram, de forma p�blica, e como se os mesmos fossem sua propriedade, os pr�dios adiante indicados, pagando as respetivas contribui��es, e colhendo os respetivos frutos:
a. Pr�dio r�stico, localizado …, freguesia de S. Jorge, concelho de Santana, …;
b. Pr�dio r�stico, localizado …, freguesia de S. Jorge, concelho de Santana, …;
10- � data do �bito de C. e C’, os pr�dios referidos em 9- n�o se achavam descritos na Conservat�ria do registo Predial competente.
11- Aproveitando-se do facto de os pr�dios referidos em 9- n�o se acharem inscritos no registo predial, as r�s B. e B’ procederam ao registo da aquisi��o a seu favor dos pr�dios referidos em 9-, em comum, e sem determina��o de parte ou direito, e com fundamento na “sucess�o heredit�ria” de “C. NIF …”.
12- Em consequ�ncia do referido em 11-, os pr�dios referidos em 9- encontram-se descritos na Conservat�ria de Registo Predial de Santana sob os n�s … e …, e registados a favor das r�s, pela ap. … de 2013/05/10.
13- Consta das inscri��es referidas em 12- que a r� B � casada com o r�u E, “no regime da comunh�o de adquiridos”.
14- As r�s procederam � altera��o do titular inscrito dos pr�dios referidos em 9- e 12- na matriz, tendo os mesmos passado a ostentar, como titular inscrito nessa matriz, “C.” com o NIHI …, quando antes tinham como titular inscrito “C. NIF …” e “C. (Cabe�a de casal da heran�a de).
15- O C. referido em 11 n�o � o pai do autor.
16- Ao procederem da forma descrita em 11- a 14-, as r�s aproveitaram-se do facto de a pessoa mencionada em 15- ter um nome parecido com o do pai do autor.
17- As r�s nunca utilizaram, cultivaram, ou recolheram quaisquer produtos dos pr�dios referidos em 9- e 12-, nem antes de si os seus pais o fizeram.

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IV- OS FACTOS E O DIREITO
Estabelecidas as quest�es suscitadas na apela��o cuja aprecia��o importar� fazer, cumprir� ent�o que sobre elas nos debrucemos, respeitando no seu conhecimento a ordem de preced�ncia l�gica.

a) Da a��o de peti��o de heran�a - generalidades
Estabelece o art. 2075�, n� 1 do C�digo Civil[9] que “o herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucess�ria e a consequente restitui��o do todos os bens da heran�a ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro t�tulo, ou mesmo sem t�tulo”.
Esta disposi��o legal integra o Cap�tulo VII do T�tulo I do Livro V do C�digo Civil, cap�tulo esse que tem por ep�grafe “peti��o de heran�a”.
A mencionada a��o, com ra�zes na petitio hereditatis ou hereditatis petitio do Direito Romano[10], � t�pica quanto ao seu objeto (pedidos e causa de pedir) mas at�pica quanto � forma (seguindo por isso a forma de processo comum declarativo) e pode ser intentada a todo o tempo, embora sem preju�zo das regras da usucapi�o, e da caducidade do direito de aceitar a heran�a (n� 2 do art. 2075�, e art. 2059�, n� 1, ambos do CC).
Quanto � legitimidade ativa, dir-se-� que pode ser intentada por qualquer herdeiro, ainda que desacompanhado dos demais, mas sempre sem preju�zo dos poderes de administra��o do cabe�a-de-casal (2078� do CC).
No tocante � legitimidade passiva, ela cabe a quem, sendo herdeiro do de cuius ou terceiro, possua algum bem da heran�a, com ou sem t�tulo (2075�, n� 1 do CC).
Os pedidos t�picos desta a��o s�o o reconhecimento da qualidade de herdeiro, e a restitui��o de bens da heran�a.
A causa de pedir � complexa, sendo integrada pelos seguintes elementos:
- que o autor seja herdeiro do de cuius
- que o bem peticionado fa�a parte da heran�a do de cuius
- que o r�u possua o bem peticionado
A a��o de peti��o de heran�a apresenta diversas semelhan�as com a a��o de reivindica��o, consagrada no art. 1311� do CC, mas distingue-se desta em fun��o dos pedidos, que na reivindica��o s�o o reconhecimento da qualidade de propriet�rio (e j� n�o de herdeiro) e a restitui��o de uma coisa (j� n�o de uma universalidade ou parte dela), e da causa de pedir, a saber o direito de propriedade (e n�o o direito a um quinh�o heredit�rio) e posse ou deten��o da coisa reivindicada pelo r�u (quanto � peti��o de heran�a o art. 2075� refere apenas a posse…).
Por outro lado, como refere JORGE DUARTE PINHEIRO[11], “A peti��o de heran�a deve ser intentada at� � partilha. Partilhada a heran�a, o meio adequado para o herdeiro pedir a restitui��o dos bens que ficaram a preencher a sua quota � a ac��o de reivindica��o.
N�o obstante uma certa afinidade entre a ac��o de peti��o de heran�a e a ac��o de reivindica��o, que leva alguma doutrina a identificar a primeira ac��o como uma reivindica��o da heran�a, importa mencionar duas grandes diferen�as: a ac��o de peti��o n�o tem por objecto uma coisa determinada e tem como causa de pedir a sucess�o mortis causa.
N�o obstante, a natureza desta a��o sempre foi objeto de controv�rsia doutrin�ria. Com efeito, como bem salienta o ac. STJ de 02-03-2004 (AZEVEDO RAMOS), P. 04A126[12], na vig�ncia do C�digo Civil de 1867 CUNHA GON�ALVES[13] sustentava que a mesma n�o tem natureza exclusivamente real, mas mista: “� pessoal quanto ao reconhecimento da qualidade de herdeiro; � real quanto � entrega do quinh�o de heran�a, pertencente a este herdeiro“[14].
N�o obstante, como sublinha o ac. RP de 15-12-2010 (Maria Catarina), p. 802/05.1TBLMG.P1, “Tal como acontece na ac��o de reivindica��o, tamb�m na ac��o de peti��o de heran�a, n�o existe verdadeira independ�ncia entre os pedidos de reconhecimento da qualidade de herdeiro e o pedido de restitui��o dos bens pertencentes � heran�a, sendo que o primeiro constitui apenas o pressuposto no qual tem que assentar a proced�ncia do segundo.
Assim, invocando o autor a sua qualidade de herdeiro relativamente a determinada heran�a e pedindo, com base nessa qualidade, a restitui��o dos bens da heran�a, ao abrigo do disposto no citado art. 2075�, a mera circunst�ncia de n�o ter formulado expressamente o pedido de reconhecimento judicial daquela qualidade n�o obsta ao deferimento da pretens�o solicitada (desde que, obviamente, seja alegada e provada a sua qualidade de herdeiro), devendo considerar-se que o pedido formulado (de restitui��o dos bens da heran�a) cont�m impl�cito o de reconhecimento judicial daquela qualidade.”
Este aresto segue, pois, os ensinamentos de OLIVEIRA ASCENS�O[15] que, como bem se menciona na senten�a recorrida, sustenta que “a peti��o de heran�a sup�e, antes de mais, a afirma��o da qualidade de herdeiro de certa pessoa e, s� em consequ�ncia se insere o pedido de restitui��o dos bens que fazer parte da heran�a”.
J� GALV�O TELLES[16] sustentava que “� uma verdadeira a��o real tentando fazer valer direitos sobre bens que fazem parte do acervo heredit�rio mas se encontram de facto na posse de terceiro. Por ele se visa efetivar uma pretens�o real, dimanada de um "ius in re" em estado de insatisfa��o ou viola��o, e orientada no sentido de o mero possuidor ou detentor ser adstringido a entregar � heran�a bens que s�o desta”.
Ao tra�ar este paralelismo, o insigne mestre alerta-nos tamb�m para outro importante aspeto: ao contr�rio do art. 1311� do CC, que expressamente refere que a a��o de reivindica��o pode ser intentada contra “qualquer possuidor ou detentor da coisa”, o art. 2075�, n� 1 disp�e que a a��o de peti��o de heran�a pode ser intentada contra “quem (…) possua” bens da heran�a. Face a esta diferen�a de reda��o, que resulta da circunst�ncia de o primeiro preceito se reporta expressamente a posse ou deten��o, e o segundo apenas a posse ser� l�cito questionar se a a��o de peti��o da heran�a pode ser intentada contra quem, sem exercer a posse, detiver bens da heran�a.
Contudo, OLIVEIRA ASCEN��O[17] considera “seguro que a peti��o de heran�a pode ser dirigida contra mero detentor dos bens, tal como o pode ser a reivindica��o”.
Recorde-se que a posse � definida no art. 1251� do CC como “o poder que se manifesta quando algu�m atua por forma correspondente ao exerc�cio do direito de propriedade ou de outro direito real”, e que a doutrina[18] e a jurisprud�ncia dominantes consideram que a mesma integra dois elementos, a saber o corpus e o animus.
J� a deten��o se acha prevista no art. 1253� do CC, reconduzindo-se ao exerc�cio de poderes de facto integradores do corpus da posse, mas sem o animus, quer porque o mero detentor tais poderes sem inten��o de exercer um direito pr�prio, ou a t�tulo prec�rio, quer porque o faz por mera toler�ncia do titular do direito, quer porque age como representante ou mandat�rio do titular do direito.
Cremos que a resposta �quela quest�o deve ser positiva: tamb�m a mera deten��o de bens da heran�a, enquanto exerc�cio de poderes de facto sobre os mesmos, pode perturbar ou impedir o exerc�cio pelo herdeiro dos direitos inerentes a essa qualidade, pelo que a nosso ver nada obsta a que tamb�m nestas circunst�ncias possa ser demandado em a��o de peti��o de heran�a.
Este exerc�cio de poderes de facto sobre bens da heran�a pode compreender atos materiais, como habitar um edif�cio, fra��o aut�noma ou casa, praticar a agricultura num terreno e a� colher os respetivos frutos, ou circular num autom�vel, mantendo em seu poder as respetivas chaves e documentos; seja em nome pr�prio, seja em nome de terceiro, e seja na convic��o de exercer um direito de propriedade ou outro direito real sobre o(s) bem(ns) pertencente(s) � heran�a, seja .
Finalmente, e com relev�ncia para a aprecia��o da presente causa, diremos ainda que nada obsta a que os pedidos t�picos da a��o de peti��o de heran�a sejam cumulados com um pedido de cancelamento de declara��o de invalidade ou inefic�cia de atos jur�dicos de aquisi��o de bens da heran�a a favor do r�u, e de cancelamento do registo de tais atos – neste sentido cfr. ac. RC 18-05-2010 (Virg�lio Mateus), p. 8/06.2TBTMR.C1.

b) �O caso dos autos
Aqui chegados, importa aferir se no caso vertente se mostram preenchidos os tr�s requisitos de que depende a proced�ncia da presente a��o de peti��o de heran�a:
1� Que o autor tem a qualidade de herdeiro
2� Que os pr�dios r�sticos peticionados pertencem �s heran�as dos pais e da irm� do autor
3� Que os r�us praticaram atos consusbstanciadores de posse ou deten��o dos mesmos im�veis

i - Da qualidade de herdeiro
Resulta dos factos provados que o autor � filho de C. e de C’., e irm�o de D.; que o pai do autor faleceu em 08-07-1967 no estado de casado com a segunda; que esta veio a falecer em 22-07-1986, no estado de vi�va do primeiro; e que a irm� do autor faleceu em 15-02-2003, no estado de solteira e sem filhos; sendo que nenhuma destas tr�s pessoas deixou testamento, e que o autor n�o tem outros irm�os[19].�
Face a esta factualidade s� podemos concluir, como fez o Tribunal recorrido, que o autor � herdeiro – ali�s o �nico herdeiro – das heran�as abertas por �bito dos seus pais e da sua irm� – arts. 2131� 2132�, e 2133� n� 1, als. a) e c) do CC.
Ali�s, como refere a senten�a recorrida, a pr�pria escritura de habilita��o notarial junta aos autos implica o reconhecimento desta qualidade, visto que a mesma n�o foi impugnada.
Mostra-se, pois preenchido o primeiro requisito de que depende a proced�ncia ada presente a��o.

ii – Da qualifica��o dos pr�dios peticionados como bens das heran�as
Resultou igualmente provado que enquanto viveram os pais do autor sempre cultivaram, plantaram e usufru�ram de forma p�blica, e como se os mesmos fossem sua propriedade, os pr�dios adiante indicados, pagando as respetivas contribui��es e colhendo os respetivos frutos:
- Pr�dio r�stico, localizado …, concelho de Santana, com a �rea de …;
- �Pr�dio r�stico, localizado …, concelho de Santana, com a �rea de …;
Desta factualidade resulta que os pais do autor exerceram sobre os referidos pr�dios uma posse p�blica, pac�fica, e de boa-f�, exercida nos termos do direito de propriedade.
Considerando que o pai do autor faleceu em 08-07-1967 e a m�e do autor lhe sobreviveu mais 19 anos, vindo a falecer em 22-07-1986, � de considerar que ainda que aquela posse n�o fosse titulada, pelo menos � data do falecimento da m�e do autor j� se tinha completado o prazo de usucapi�o consagrado no art. 1296� do CC, n�o havendo por isso d�vida de que os referidos im�veis integraram pelo menos as heran�as da m�e e da irm� do autor.
Da� que se conclua que tamb�m se acha demonstrado que os im�veis peticionados pertencem �s heran�as de que o autor � herdeiro.

iii – Dos atos de posse ou deten��o sobre os im�veis peticionados, praticados pelos r�us
Resulta outrossim provado que � data do falecimento dos pais e irm� do autor os pr�dios peticionados n�o se achavam descritos na conservat�ria do registo predial competente, e que, aproveitando-se de tal facto, e invocando a qualidade de herdeiras de outra pessoa com nome id�ntico ao do pai do autor, as r�s procederam ao registo da aquisi��o dos mesmos pr�dios a seu favor, em comum e sem determina��o e parte ou direito, e com fundamento na “sucess�o heredit�ria” do hom�nimo do pai do autor, consignando ainda no mesmo ato registal que a r� B’. � casada com o r�u E..[20]
Por outro lado, ficou igualmente provado que as r�s nunca utilizaram, cultivaram, ou recolheram quaisquer frutos dos pr�dios peticionados, nem antes de si os seus pais o fizeram[21].
Estribando-se neste facto, a senten�a recorrida concluiu que os pr�dios peticionados n�o est�o na posse das r�s, mas sim na do autor, e que por tal raz�o a presente a��o deve improceder.
A nosso ver, os factos provados imp�em conclus�o diversa e, consequentemente decis�o diferente quanto ao m�rito da causa.
Com efeito, como refere JOS� ALBERTO VIEIRA[22], sobre uma mesma coisa podem coexistir v�rias posses, donde o facto de o autor possuir os pr�dios dos autos n�o significa que por essa raz�o se deve logo concluir que as r�s os n�o possuem.
Acresce, que, como igualmente esclarece o mesmo autor, o poder de facto sobre a coisa que decorre da posse ou da mera deten��o pode consubstanciar-se em atos “que traduzem o exerc�cio de um poder real ou, pelo menos, a possibilidade de pr�tica desses atos” (vd. art. 1257� do CC).
E – dizemos n�s – embora a doutrina frequentemente afirme que tais atos t�m natureza material, cremos que os mesmos n�o t�m necessariamente de implicar um contacto f�sico com a coisa, antes podem tamb�m assumir a forma de atos jur�dicos.
Com efeito, a inscri��o de um bem im�vel pertencente � heran�a no registo predial, e o ato de registo da aquisi��o do mesmo bem a favor de quem n�o � herdeiro consubstancia um ato jur�dico de posse sobre o mesmo bem. Basta pensar que, como bem salienta o recorrente, nos termos do disposto no art. 7� do C�digo de Registo Predial o registo constitui presun��o de que o direito existe e pertence ao titular inscrito. Tais atos, ali�s, s�o aptos a legitimar o exerc�cio da posse sobre o im�vel, nos termos do direito de propriedade.
Tendo inscrito no registo predial os dois pr�dios dos autos, que pertencem �s tr�s heran�as de que o autor � �nico herdeiro, e registado a seu favor a aquisi��o sem determina��o de parte ou direito, com fundamento na sucess�o, os r�us est�o a exercer poderes jur�dicos sobre os mesmos bens tendentes � exclus�o dos direitos do autor.
Com efeito, tendo procedido a este registo, bastar� aos r�us efetuar a partilha da heran�a que invocaram perante a conservat�ria para inscreverem a favor de um deles ou de todos o direito de propriedade sobre os mesmos pr�dios.��
Por outro lado, tamb�m o ato de alterar a titular inscrito dos mesmos pr�dios na matriz configura um ato jur�dico perturbador do exerc�cio dos direitos do autor, enquanto herdeiro dos seus pais e irm�, relativamente aos mesmos pr�dios, integradores de tais heran�as. Ali�s, desde sempre a doutrina e a jurisprud�ncia[23] reconheceram que o pagamento de impostos relativos a bens im�veis, em nome pr�prio, configura um ato indiciador da posse.
Finalmente, dir-se-� que tais registos criam uma apar�ncia de legitimidade que � vista dos demais habilita os r�us a exercer atos materiais de posse sobre os pr�dios pertencentes �s heran�as de que o autor � �nico herdeiro.
Nesta conformidade, ao contr�rio do decidido na senten�a recorrida, n�o temos d�vidas em concluir que no caso em apre�o tamb�m se mostra preenchido o requisito do exerc�cio de atos de posse por parte dos r�us sobre os bens objeto da presente a��o que - como repetidamente vimos afirmando - fazem parte das tr�s heran�as de que o autor � o �nico herdeiro.
Assim sendo, tamb�m o pedido de restitui��o dos dois pr�dios em quest�o na presente ac��o deve proceder.

iv - Do pedido de cancelamento do registo de aquisi��o dos pr�dios peticionados a favor dos r�us
Finalmente, e no que respeita ao pedido de cancelamento do registo da aquisi��o dos mesmos pr�dios a favor dos r�us, diremos que a sua proced�ncia se justifica inteiramente por duas raz�es:
Em primeiro lugar, porque a posse dos r�us sobre os dois im�veis a que se referem os presentes autos se consubstanciou no ato de registo dos mesmos a favor dos r�us. Assim, a restitui��o desses im�veis ao autor pressup�e a destrui��o dos atos de apropria��o dos mesmos por parte dos r�us, incluindo este ato jur�dico de registo.
Em segundo lugar, porque o referido registo pressup�e um direito que n�o existe, e � manifestamente incompat�vel com o direito do autor, na medida em que a consequ�ncia natural do reconhecimento do seu direito ser� o registo da aquisi��o dos mesmos im�veis a seu favor, o que o autor s� poder� fazer se e quando tiver lugar o cancelamento do registo de que os r�us s�o indevidamente titulares.

Termos em que se conclui pela total proced�ncia do presente recurso.

Em consequ�ncia, h� que revogar a senten�a recorrida, quanto ao seu segmento absolut�rio, condenando os r�us nos pedidos de restitui��o dos dois pr�dios dos autos �s heran�as dos pais e irm� do autor, e de cancelamento do registo da aquisi��o dos mesmos a favor dos r�us.

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V- DECIS�O
Pelo exposto, acorda-se em:
a) Julgar a apela��o procedente e em consequ�ncia, revogar a senten�a recorrida, na parte em que absolveu os r�us dos pedidos enunciados sob as als. b) e c) da parte final da peti��o inicial
e, em consequ�ncia,
b) Condenar os r�us, B., B’., e E. a restitu�rem �s heran�as de C. e de C’. e de D. os pr�dios descritos na Conservat�ria de Registo Predial de Santana sob os n�s … da Freguesia …, e inscritos na matriz sob os artigos x, sec��o …, e y, sec��o …, respetivamente.
c) Ordenar o cancelamento do registo da aquisi��o dos pr�dios identificados em b) a favor das r�s B e B’. (casada com E), atrav�s da ap. x de 2013/05/10.
Custas pelos apelados (art. 527� n.� 1 do C.P.C.).

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Lisboa, 11 de dezembro de 2018 [24]

�Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa

[1] Despacho de 17-01-2018, constante de fls. 19 (ref� 44999462).
[2] Fls. 20 a 22 (ref� 27932476).
[3] Datado de 20-02-2018, constante de fls. 23 (ref� 45157515).
[4] Requerimento de 28-02-2018, constante de fls. 24-26 (ref� 28338510).
[5] Despacho de fls. 28, datado de 05-04-2018 (ref� 45364910).
[6] Aprovado pela Lei n� 41/2013, de 26-06, e adiante designado pela sigla “CPC”.
[7]Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo C�digo de Processo Civil”, 5� Ed., Almedina, 2018, pp. 114-116.
[8] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 116.
[9] Adiante mencionado atrav�s da sigla “CC”.
[10] Vd. por todos, A. SANTOS JUSTO, “Direito privado romano – V (Direito das sucess�es e doa��es)”, Boletim da Faculdade de Direito, Studia Iuridica, 97, 2009, pp. 147 ss.
[11]“Direito das sucess�es contempor�neo”, AAFDL Editora, 2017, p. 336.
[12] Todos os arestos citados na presente decis�o se acham publicados em http://www.dgsi.pt e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt. A vers�o digital do presente ac�rd�o cont�m hiperliga��es para todos os arestos nela invocados que se acham publicados em tais p�ginas.
[13]“Tratado de Direito Civil em Coment�rio ao C�digo Civil Portugu�s”, Vol. X, Coimbra Ed., 1935, p. 479.
[14] Esta natureza mista da a��o de reivindica��o j� vinha sendo afirmada no per�odo do Direto romano justinianeu: Neste sentido cfr. SANTOS JUSTO, ob. cit., p. 149.
[15]“Direito Civil - Sucess�es”, 1� Ed., Coimbra Ed., 1981, p. 474.
[16]“Mandato sem representa��o”, parecer publicado na Colect�nea de Jurisprud�ncia, 1983, tomo 3, pp. 7 ss., tamb�m citado na senten�a recorrida e no ac. STJ de 06-03-2012 (Salazar Casanova), p. 6752/08.2TBLRA.C1.S1
[17] “Direito Civil – Sucess�es”, 5� Ed., Coimbra Ed., 2000, p. 474.
[18] Cfr. JOS� ALBERTO VIEIRA, “Direitos Reais”, Almedina, 2016, pp. 445 ss. Em sentido divergente, sustentando uma conce��o objetiva da posse, e defendendo que a mesma configura um verdadeiro direito real, vd. MENEZES CORDEIRO, “Direitos Reais”, Lex, 1993 (reimpress�o da ed. de 1979), pp. 602 ss.; e “A posse: Perspectivas dogm�ticas actuais”, Almedina, 1997.
[19] Pontos 1- a 8- dos factos provados.
[20] Pontos 10- a 16-.
[21] Ponto 17-.
[22] Ob. cit., pags. 506 e 479, 481 e 506.
[23] Vd. entre outros o ac. STJ 09-02-2017 (Silva Gon�alves), p. 460/11.4TVLSB.L1.S2.
[24] Ac�rd�o assinado digitalmente – cfr. certificado aposto na primeira p�gina.

Qual o objetivo da ação de petição de herança?

PETICAO DE HERANCA. A petição de herança é uma ação proposta por herdeiro que não tenha sido incluído no processo de inventário e partilha, não recebendo, por isso, a herança a que tinha direito.

Quando deve ser proposta a ação de petição de herança?

A petição de herança deverá ser proposta pelo herdeiro não reconhecido no prazo de até dez anos, contados a partir da abertura da sucessão. No entanto, cumpre ressaltar que o prazo ficara interrompido se acaso a petição de herança estiver cumulada com outras ações, como investigação de paternidade.

São características da ação de petição de herança?

A ação de petição de herança é aquela proposta pelo herdeiro que não participou de um inventário e de uma partilha em busca de receber o seu quinhão hereditário das mãos dos demais herdeiros (arts. 1.824 e seguinte Código Civil). O seu prazo prescricional é de 10 anos, por força da regra geral do art. 205 do CC.

Quem pode propor ação de petição de herança?

1.824, do Código Civil, estabelece que “o herdeiro pode, em ação de petição de herança, demandar o reconhecimento de seu direito sucessório para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua”.