Natureza jurídica da autoridade nacional de proteção de dados instituída pela lei nº 13.853, de 2022

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados brasileira (ANPD), criada em nosso ordenamento jurídico no ano de 2018, a partir da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), agora, em meados do ano de 2022, está prestes  ao que tudo indica  a alcançar uma nova conquista em sua trajetória.

Natureza jurídica da autoridade nacional de proteção de dados instituída pela lei nº 13.853, de 2022
Antes, contudo, de traçar considerações teóricas e práticas sobre a boa nova, essencial se faz expor alguns percalços e adversidades enfrentados desde antes da promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados e, consequentemente, da própria criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados.

Isso porque, ainda antes de sua efetiva criação, o então presidente da República Michel Temer vetou alguns dispositivos do texto da Lei Geral de Proteção de Dados que havia sido aprovado pelo Plenário do Congresso, dentre os quais os que estruturavam e regulamentavam a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (artigos 55 a 59 da Lei), a qual, naquela versão, seria dotada de independência e seria integrante da Administração Pública Federal Indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério da Justiça.

De modo a justificar os vetos, o então presidente afirmou que os dispositivos eram eivados de inconstitucionalidade do processo legislativo, por afronta ao artigo 61, § 1º, "e", cumulado com o artigo 37, XIX, da Constituição Federal, quer dizer, a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, naqueles termos, pelo Poder Legislativo, estaria adentrando em matéria de competência restrita da Presidência da República [1].

No entanto, por decorrência das diversas objeções manifestadas, em 27 de dezembro de 2018, ao apagar das luzes de seu mandato, o presidente Michel Temer editou a Medida Provisória nº 869/2018  a qual, posteriormente, foi convertida na Lei nº 13.853/2019, ainda que com algumas alterações  de modo a recriar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Desta vez, contudo, diferentemente do disposto no texto outrora vetado, a ANPD foi reduzida à condição de órgão vinculado à Casa Civil da Presidência da República.

Agora, passados quatro anos desde a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados, um movimento a ser comemorado: a transformação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, de órgão da Administração Pública Federal, integrante da presidência da República, para Autarquia de natureza especial, dotada de autonomia técnica e decisória, com patrimônio próprio, a partir da edição da Medida Provisória nº 1.124/2022, pelo presidente Jair Bolsonaro, no dia 13 de junho de 2022 [2].

Trata-se de medida que, sem dúvidas, merece em muito ser celebrada, uma vez que representa uma significativa evolução da trajetória da ANPD, bem como, e especialmente, em razão da importância desta instituição para o sistema protetivo de dados pessoais brasileiro.

Efetivamente, em nosso ordenamento jurídico, à semelhança de outros ao redor do mundo, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados figura como um dos pilares da Lei Geral de Proteção de Dados, sendo ponto essencial para a garantia da eficácia das disposições da Lei.

Trata-se de instituição dedicada a harmonizar a implementação da LGPD, bem assim assegurar a aplicação coesa e harmoniosa de seus dispositivos, tendo em vista que a vigilância e a fiscalização das entidades que atuam com o tratamento de dados pessoais é essencial para a efetividade dos dispositivos da Lei.

De mais a mais, a ANPD tem a tarefa de regulamentar disposições incompletas, além de exercer um importante papel de suporte para as dúvidas relacionadas à implementação das disposições da LGPD, tanto no setor público, quanto no setor privado, cumprindo, assim, uma função de aproximação das esferas dos setores público e privado com o cidadão, em contextos que, muitas vezes, são demasiadamente especializados para serem abordados com efetividade por instituições que não foram especificamente moldadas com tal finalidade [3].

Essencialmente, pois, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados exerce tanto um papel de agência reguladora, quanto papel fundamental para fomentar uma política nacional de proteção de dados pessoais no Brasil.

Consideradas tais atribuições, fato é que a ANPD demanda, inegavelmente, independência e autonomia técnica para sua atuação e seu efetivo funcionamento. Quer dizer, a autonomia técnica refere-se a opiniões e decisões que serão tomadas dentro da competência da Autoridade, ao passo que a independência figura como atributo intrínseco à própria razão de ser da ANPD e de qualquer outra autoridade protetiva de dados, podendo ser garantida por meio de mecanismos que proporcionem uma espécie de isolamento da sua atuação com relação a possíveis influências dos poderes estatais, com independência para fiscalizar, sancionar e decidir, sem necessidade de subordinação hierárquica a outros órgãos [4].

Efetivamente, as autoridades protetivas de dados pessoais, tal qual a nossa Autoridade Nacional de Proteção de Dados, deve ser independente e autônoma tecnicamente, além de dispor dos meios necessários para realizar suas funções e, consequentemente, assegurar a observância e eficácia das garantias presentes na Lei Geral de Proteção de Dados.

Por tudo que aqui sinteticamente foi exposto, evidente a importância de desvinculação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados para com a Presidência da República, uma vez que tal vínculo, em muitas das vezes, faz prevalecer interesses governamentais  e não necessariamente estatais  sazonais, em detrimento da efetiva proteção do bem maior: os dados pessoais e os direitos dos seus titulares.

Ademais, a título de consideração, importante salientar que esta transformação dispunha de prévia autorização legislativa, uma vez que o agora revogado (pela Medida Provisória nº 1.124/2022) §1º do artigo 55-A da LGPD [5], ressaltava a provisoriedade e transitoriedade da natureza jurídica da ANPD, a qual poderia ser transformada, pelo Poder Executivo, em entidade da Administração Pública Indireta, desde que com avaliação da transformação desenvolvida em até dois anos da data de entrada em vigor da estrutura regimental da ANPD, nos termos do agora também revogado §2º do artigo 55-A da LGPD [6].

Agora, para que possamos efetivamente alcançar esta conquista na trajetória da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, superando a ideia de dúvida lançada no parágrafo inicial do presente texto, precisamos aguardar a conversão da Medida Provisória em Lei, dentro de um prazo de 60 dias, prorrogável por igual período, nos termos do que dispõe o §3º do artigo 62 da Constituição Federal. E isso porque, em não havendo a conversão dentro do prazo constitucional, a Medida Provisória perde sua eficácia e, em termos práticos, a ANPD retorna ao status anterior.

Torçamos, pois, para que a conversão da Medida Provisória em Lei ocorra  e melhor, na maior brevidade possível , para que, de igual forma, ocorra a transformação efetiva da Autoridade Nacional de Proteção de Dados em uma Autarquia de natureza especial, dotada de autonomia técnica e decisória.

Referências
BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm>. Acesso em: 17 jun. 2022.
BRASIL. Medida Provisória nº 1.124/2022. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-1.124-de-13-de-junho-de-2022-407804608>. Acesso em: 17 jun. 2022.
BRASIL. Veto Presidencial à dispositivos da Lei Federal nº 13.709/2018. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2018/lei-13709-14-agosto-2018-787077-veto-156214-pl.html>. Acesso em: 17 jun. 2022.
DONEDA, Danilo. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados e o Conselho Nacional de Proteção de Dados. In MENDES, Laura Schertel; DONEDA, Danilo; SARLET, Ingo Wolfgang; e RODRIGUES JÚNIOR, Otavio. Tratado de Proteção de Dados Pessoais. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 459-469.


[3] DONEDA, Danilo. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados e o Conselho Nacional de Proteção de Dados. In MENDES, Laura Schertel; DONEDA, Danilo; SARLET, Ingo Wolfgang; e RODRIGUES JÚNIOR, Otavio. Tratado de Proteção de Dados Pessoais. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 462.

[4] DONEDA, Danilo. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados e o Conselho Nacional de Proteção de Dados. In MENDES, Laura Schertel; DONEDA, Danilo; SARLET, Ingo Wolfgang; e RODRIGUES JÚNIOR, Otavio. Tratado de Proteção de Dados Pessoais. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 464-466.

[5] Artigo 55-A, § 1º, LGPD. A natureza jurídica da ANPD é transitória e poderá ser transformada pelo Poder Executivo em entidade da administração pública federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada à Presidência da República. BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm>. Acesso em: 17 jun. 2022.

[6] Artigo 55-A, §2º, LGPD. A avaliação quanto à transformação de que dispõe o §1º deste artigo deverá ocorrer em até dois anos da data da entrada em vigor da estrutura regimental da ANPD. BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm>. Acesso em: 17 jun. 2022.

Ana Luiza Liz dos Santos é mestre em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (FMP-RS), especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e assessora Jurídica no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Qual a natureza jurídica da Autoridade Nacional de Proteção de Dados?

A LGPD prevê também que a natureza jurídica da ANPD é transitória e poderá ser transformada pelo Poder Executivo em entidade da administração pública federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada à Presidência da República.

O que é a Autoridade Nacional de Proteção de Dados para que serve?

O que é a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais - ANPD? A ANPD é o órgão da administração pública federal responsável por zelar pela proteção de dados pessoais e por implementar e fiscalizar o cumprimento da LGPD no Brasil.

O que é a lei de Proteção de dados 2022?

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais define regras para tratamento de dados pessoais por pessoas físicas, instituições públicas e empresas privadas. O objetivo da LGPD é proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade.

Que tipo de dados a LGPD lei geral de proteção de dados abrange?

Vale para: dados relacionados à pessoa (brasileira ou não) que esteja no Brasil, no momento da coleta; dados tratados dentro do território nacional, independentemente do meio aplicado, do país-sede do operador ou do país onde se localizam os dados; dados usados para fornecimento de bens ou serviços.