Como os indígenas brasileiros utilizavam seus conhecimentos astronômicos?

O que é?

O estudo da astronomia de povos antigos tem se fixado como uma linha específica de pesquisa científica, a qual foi denominada “Arqueoastronomia” ou “Astronomia Cultural”. As primeiras pesquisas nessa área tiveram inicio no século XIX com as explorações de sítios arqueológicos pelo mundo. No caso do Brasil, a astronomia indígena foi pouco estudada e menos ainda integrada dentro dos saberes dos próprios brasileiros.

Por que é importante?

Quando estudamos ciências todas as nossas referências nos levam ao berço europeu e nos parece que apenas povos da Europa contribuíram para a evolução do conhecimento. Nos faz pensar e questionar: nossos ancestrais, nativos dos países sul-americanos, não tiveram sensibilidade para questionar os acontecimentos ao seu redor? Não teriam sua própria visão do universo?

Mesmo sendo natural acompanhar a trilha do conhecimento a partir de nossas raízes intelectuais europeias a exclusão das visões científicas de outros povos nos nega a percepção da existência de várias “ciências”, da percepção de diferentes esquematizações do mundo natural e, portanto, nos priva de concluir que a ciência é um processo não linear, mas um produto dinâmico sociocultural (DUSCHL, 1994).

Nesse quadro, vemos a ignorância de nossa própria história. O desconhecimento em quase sua totalidade de todos os segmentos da cultura indígena, como tradições, lendas e língua, nos tornam ingênuos na ideia da formação da ciência.

É necessário desconstruir a visão que a ciência só é construída por outros países, que seriam mais “evoluídos” intelectualmente. A ciência não está tão longe de nós, já estava aqui quando recebemos os colonizadores e também tem sido construída aqui.

O professor Germano Bruno Afonso é o principal pesquisador da área no Brasil. Em uma apresentação em 2009, o professor salientou a enorme importância da observação do céu para os grupos indígenas brasileiros, sendo uma característica que foi percebida por muitos missionários, naturalistas e etnólogos que aqui circularam.

Em 1612, o missionário capuchinho francês Claude d’Abbeville passou quatro meses entre os Tupinambá do Maranhão, da família Tupi-guarani, localizados perto da Linha do Equador. Seu livro Histoire de la mission de pères capucins en l’Isle de Maragnan et terres circonvoisines, publicado em Paris em 1614, é considerado uma das mais importantes fontes da etnografia dos indígenas do tronco tupi. Nesse livro, publicado dezoito anos antes do livro Diálogo, de Galileu, d’Abbeville escreveu: “Os Tupinambá atribuem à Lua o fluxo e o refluxo do mar e distinguem muito bem as duas marés cheias que se verificam na lua cheia e na lua nova ou poucos dias depois”.

Além disso, a maioria dos antigos mitos indígenas sobre o fenômeno da Pororoca, que traz uma grande onda do mar para os rios volumosos da Amazônia, mostra que ele ocorre perto da lua cheia e da lua nova, demonstrando o conhecimento, por esses povos, da relação entre as marés e as fases da Lua.

É bom enfatizar que somente em 1687, setenta e três anos após a publicação de d’Abbeville, Isaac Newton demonstrou que a causa das marés é a atração gravitacional do Sol e, principalmente, da Lua sobre a superfície da Terra. Esses fatos mostram que, muito antes da Teoria de Galileu, na qual não se considerava a Lua, os indígenas que habitavam o Brasil já sabiam que ela é a principal causadora das marés.

Alguns povos da era pré-colombiana chegaram a registrar seus conceitos astronômicos em livros. Mas essas obras acabaram destruídas pelos missionários europeus, que as consideraram demoníacos por tratarem os astros como divindades. (NAVARRO, 2010).

No Brasil, a arte rupestre pré-histórica é a fonte mais importante de informação que dispomos sobre os primórdios da arte. Existem alguns painéis de arte rupestre os quais além do Sol, da Lua e de constelações, parecem representar fenômenos efêmeros, como a aparição de um cometa muito brilhante, um meteoro, uma conjunção de planetas ou um eclipse (AFONSO, 2009) .

Para apreciar o céu:

Essa observação corriqueira do céu proporcionou uma cultura astronômica significativa. Houve nomeação de diversos astros e constelações. O planeta Vênus, conhecido entre os maias como Chak Ek’, foi um dos mais conhecidos pelos mesoamericanos e seu movimento no plano celeste foi registrado minuciosamente. Porém, o misticismo estava atrelado ao estudo do céu, e Vênus era também associado à guerra.

Como os indígenas brasileiros utilizavam seus conhecimentos astronômicos?

Figura 1: A constelação da Anta, faça um exercício e a ache no nosso céu!

Os índios do Brasil também criaram constelações, e como feito por outros povos, as nomearam com a flora, fauna e lendas locais. Podemos ver nas figuras apresentadas, algumas constelações que podem ser identificadas no nosso céu.

Como os indígenas brasileiros utilizavam seus conhecimentos astronômicos?

Figura 2: A constelação da Ema. As tribos aborígenes australianas tem uma constelação semelhante a essa. 

A forma como os povos nativos expressavam suas lendas e conhecimentos do céu é extremamente diversa. A constelação do Homem Velho (Figura 4), por exemplo, conta a história de um índio velho que teve sua perna cortada, onde fica exatamente a estrela vermelha Betelgeuse, em alusão ao sangue que sairia da ferida. As tribos Kaingang tem sua própria lenda de formação da Lua. Para eles, a Lua e o Sol eram dois gêmeos semelhantes mas após uma briga o Sol teria furado o olho da Lua , que perdeu seu brilho e se afastou do irmão. O local do olho furado seria uma das grandes crateras vista a olho nu.

Como os indígenas brasileiros utilizavam seus conhecimentos astronômicos?

Figura 3: A constelação de Veado se utiliza da conhecida constelação do Cruzeiro do Sul.

Como os indígenas brasileiros utilizavam seus conhecimentos astronômicos?

Figura 4: A constelação do Homem Velho, conta a história trágica de um velho índio. 

E por isso:

No caso da astronomia indígena brasileira, temamos que o conhecimento beire ao esquecimento. Com a dificuldade em manter agricultura e caça o fenômeno de migração para as cidades, por uma questão de própria sobrevivência, tende a forçar a saída dos jovens das tribos. Porém, sem a assistência necessária, temos o agravamento dos problemas sociais que são enfrentados por esses povos. Com esse quadro, as tradições e história indígenas acabam fragilizadas e, com o passar das gerações, tal conhecimento acabará extinto.

O valor pedagógico do ensino da astronomia indígena, promove autoestima e valorização dos saberes antigos, salientando que as diferentes interpretações da mesma região do céu, feitas por diversas culturas, auxiliam na compreensão das diversidades culturais.

A identidade histórica científica nacional deve ser valorizada, documentada, preservada e amplamente divulgada.

Referências

AFONSO, Germano B.; ASTRONOMIA INDÍGENA; 61ª Reunião Anual da SBPC Manaus- AM, 2009.

BASSALO, José Maria F.; A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA; Revista da Sociedade Brasileira da História da Ciência, n. 8, 1992.

DUSCHL, R. A.; RESEARCH ON THE HISTORY AND PHILOSOPHY OF SCIENCE; Handbook of research on science teaching and learning (pp. 443–465). New York: MacMillan.1994.

LIMA, Flavia P., FIGUERÔA, Silvia F.M.; ETNOASTRONOMIA NO BRASIL: A CONTRIBUIÇÃO DE CHARLES FREDERICK HARTT E JOSÉ VIEIRA COUTO DE MAGALHÃES; Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, vol.5, n.2, pp. 295-314, 2010.

LIMA, Flávia P.; ASTRONOMIA CULTURAL NAS FONTES ETNO-HISTÓRICAS: A ASTRONOMIA BORORO; I Simpósio Nacional de Educação em Astronomia – Rio de Janeiro – 2011.

MATTHEWS, M. R.; SCIENCE TEACHING: THE ROLE OF HISTORY AND PHILOSOPHY OF SCIENCE. London: Routledge,1994.

NAVARRO, Alexandre G.; A OBSERVAÇÃO ASTRONÔMICA NA AMÉRICA PRÉ-COLOMBIANA. Revista mensal eletrônica de jornalismo científico ComCiência, n.123, 2010.

Como os indígenas usavam a astronomia?

A astronomia indígena é a mais antiga das ciências. Ela fala da forma como os povos antigos orientavam o próprio cotidiano, construindo calendários a partir do movimento do sol, da lua e das constelações. Esta relação com os astros foi fundamental para o desenvolvimento das sociedades humanas.

Como os conhecimentos astronômicos têm sido utilizados pelos indígenas?

O caráter prático dos seus conhecimentos astronômicos empíricos podia ser reconhecido na organização social e nas condutas do cotidiano, servindo, por exemplo, para planejar seus rituais, para definir códigos morais, para ordenar as atividades anuais que eram correlacionadas com os ciclos da fauna e flora do lugar, bem ...

Como os indígenas brasileiros utilizavam em seus conhecimentos sobre o céu?

A observação do céu é uma prática milenar realizada por diversos povos de culturas distintas. Dentre esses povos, os indígenas brasileiros contam suas sabedorias sobre os astros através de histórias classificadas como contos ou mitologias.

Como os povos indígenas utilizam os conhecimentos astronômicos no seu cotidiano de 04 exemplos?

"Com esse conhecimento, os índios constroem seus calendários, marcando a época dos trabalhos agrícolas, de floração e frutificação, da reprodução dos peixes e outros animais", explica Afonso. O céu também guia o tempo das festas religiosas e dos procedimentos feitos pelos pajés para proteção e cura dos índios da tribo.