Pele se aposentou com quantos anos

22 out, 2020

  • Rafael Valente, de São Paulo (SP)

Aos 20 anos, com um título mundial pela seleção brasileira no currículo e 434 gols como profissional, Pelé projetava se aposentar em 1965. O “plano de voo” contava ainda com o retorno para a pacata Bauru, a busca por trabalho e pelo verdadeiro amor.

Não é preciso ser nenhum “pelesista” para saber que não foi assim que caminhou a biografia do mineiro Edson Arantes do Nascimento, que completa 80 anos de idade nesta sexta-feira, 23 de outubro.

Aclamado como o Rei do Futebol e o Atleta do Século, ele marcou 1.282 gols, ganhou cinco mundiais e pendurou as chuteiras em 1977. Tornou-se um dos mais valorizados garotos-propaganda do mundo e está no terceiro casamento.

Mas o Pelé de 1961 ainda era inexperiente, não tinha ideia do próprio tamanho e de tudo que poderia alcançar como jogador profissional. Entendia estar no auge e imaginava que seria uma fase passageira, como tudo na vida.

A projeção do próprio futuro naquele momento está documentada no primeiro livro sobre ele: “Eu sou Pelé”, lançado em 21 de setembro de 1961, pela Livraria Francisco Alves. Trata-se de um relato em primeira pessoa de Edson Arantes do Nascimento, que, aos 20 anos assina como autor, ao jornalista Benedito Ruy Barbosa, então com 30 anos e repórter de “O Estado de S.Paulo”.

O encontro dos dois gênios --Ruy Barbosa havia publicado “Fogo Frio” em 1959, livro adaptado para o teatro no ano seguinte, e estava seguindo os passos para se tornar um dos mais famosos dramaturgos do país-- resultou em uma obra também genial.

Na publicação, Pelé narra detalhadamente todas suas molecagens como o garoto de família pobre em Bauru, cidade a pouco mais de 300 km de São Paulo, e os primeiros passos como aspirante a jogador de futebol.

Na época, algumas críticas não enxergaram tanto valor nas histórias sobre a infância do Rei, elegendo a narrativa sobre o título da Copa do Mundo de 1958 como o ponto forte da obra por conter histórias então desconhecidas dos bastidores.

Relendo o livro 59 anos depois do lançamento, a narrativa que impressiona é justamente sobre a origem e a vida do garoto em Bauru, assim como um aparente desgaste do jovem com a própria profissão e a frustração diante da “memória curta” do público.

Pelé cita o caso de Vasconcelos, meia-esquerda do Santos nos anos 50, que fraturou o fêmur em uma dividida com o zagueiro Mauro Ramos, do São Paulo, em 1956. O craque nunca mais voltou a ser o mesmo. Acabou esquecido pelos próprios torcedores.

“Soube, outro dia, que a torcida do Corinthians vaiou o Gylmar durante longos minutos, quando ele deixava o gramado do Pacaembu. Ele, goleiro campeão do Mundo, um dos melhores que o Brasil já teve até hoje, vaiado daquele jeito?!”, relata Pelé.

“Às vezes, pergunto por quanto tempo ainda serei Pelé. Um dia também poderei ser vaiado, como o Gylmar e muitos outros grandes jogadores. Quero estar preparado para isso, para não sofrer muito”, acrescenta mais à frente.

Pelé também relata estar incomodado com comentários de torcedores insinuando que os jogadores, especialmente ele, “levavam a vida”, como se o sucesso não fosse fruto de esforço e atletas não tivessem problemas e/ou responsabilidades.

Para exemplificar, cita a tragédia familiar de Laércio, goleiro que defendeu o Palmeiras antes de chegar ao Santos. O amigo tinha um filho doente, o que exigia um tratamento caro. Várias vezes o arqueiro entrou em campo pensando no garoto, que veio a falecer.

“No Palmeiras, ele jamais chegou a ser o grande goleiro que é. Tenho certeza de que muitas vezes foi xingado pela torcida, mas ninguém sabia o drama que o rapaz estava vivendo naqueles dias”, escreve.

Amor verdadeiro e chuteiras penduradas

Junto ao desabafo referente as cobranças e as exigências sem fim dos torcedores, o Rei do Futebol também projeta a própria vida amorosa no trecho final de "Eu sou Pelé". E a visão que ele tinha é surpreendente.

“O Pelé vai morrer solteiro. Quando eu for apenas o Edson Arantes do Nascimento, quando já não falarem tanto de mim, como jogador de futebol, aí, então, procurarei uma companheira que possa me dar os filhos que tanto desejo. Por enquanto, porém, não penso em casamento. Nunca poderei saber se elas gostam de mim, como o homem que sou, ou se querem apenas o Pelé. Como Pelé não será eterno, corro o risco de não encontrar uma esposa também eterna, nesta altura da minha vida. Esperarei que apareça alguém que goste apenas do Edson”, escreve.

Depois da publicação, o eterno camisa 10 teve três casamentos e duas separações. O primeiro foi aos 25 anos, em 1966, com Rosemeri dos Reis Cholbi, em Santos, com quem teve Kelly Cristina, Edinho e Jennifer. Se separou em 1978. Depois, aos 53, casou-se com Assíria Seixas Lemos, em 1994, em Recife, com que teve os gêmeos Joshua e Celeste. A separação foi em 2008.

Já em 9 de julho de 2016, aos 75 anos, Pelé consumou o terceiro matrimônio. Foi com Márcia Cibeli Aoki, sua companheira nos anos difíceis, como o período das cirurgias no quadril e de longas internações. Eles estão juntos até hoje.

Assim como errou a previsão sobre a vida amorosa, Pelé não seguiu os planos em relação ao próprio futuro na profissão. Aparentemente desgastado, relata no livro a ideia de deixar o futebol profissional aos 25 anos de idade.

“Pretendo jogar, como profissional, apenas até o ano de 1965. Depois, se Deus quiser, serei apenas um amador, que jogará por puro prazer, quando e onde lhe convier (…) Serei capaz, até, de voltar a Bauru, sem dar a mínima importância aos comentários que possam fazer. Vou viver, enfim!”, escreve, vislumbrando uma possível paz da torcida e da imprensa.

Em 1965, Pelé continuava no auge da carreira e foi campeão naquele ano do Campeonato Paulista e da Taça Brasil, ambos campeonatos oficiais, além de erguer a taça em torneios de prestígio em Buenos Aires, Caracas e Santiago.

Viveu momentos como o triunfo por 6 a 4 sobre a Tchecoslováquia, vice-campeã da Copa de 1962 para o Brasil, em Santiago, e a inesperada visita do senador norte-americano Robert Kennedy no vestiário do Maracanã enquanto tomava uma ducha.

Marcou um total de 105 gols e era difícil encontrar alguém que apontasse que Pelé e a seleção brasileira não seriam novamente campeões do mundo na Copa da Inglaterra em 1966. Mas o título não veio.

O tricampeonato foi adiado para 1970, com Pelé em boa forma, embora não no auge, e uma das melhores seleções do planeta. Aí ele começou a pensar realmente na aposentadoria. Primeiro se despediu da seleção em 1971. Depois, se desligou do Santos em 1974. Quando já curtia a liberdade, aceitou jogar pelo New York Cosmos até 1977, quando encerrou de vez a carreira.

Depois disso, Pelé até reapareceu nos gramados mais oito vezes, a última em 31 de outubro de 1990, quando jogou por 42 minutos do amistoso entre Brasil e seleção do Resto do Mundo, em Milão, partida comemorativa aos 50 anos de vida do Rei.

Nesta sexta, celebrando 80 anos, em meio a pandemia do novo coronavírus, a comemoração deve ser modesta e reservada. Quem trabalha com ele no dia a dia diz que é impossível saber como o Rei do Futebol pretende festejar.

O certo é que deve ser uma cerimônia ao lado de alguns familiares, como a mãe Celeste, a irmã Maria Lúcia, o cunhado Davi, os filhos, os sobrinhos e os netos, além de um grupo pequeno e privilegiado de amigos. Mas sem futebol.

Qual a idade que Pelé se aposentou?

Foram 18 anos no Alvinegro entre 1956 e 1974. Nos últimos três anos de carreira, Pelé, já aposentado da Seleção Brasileira, aceitou o desafio de jogar no New York Cosmos dos Estados Unidos, onde se aposentou definitivamente em 1977.

Quantos anos o Pelé jogou?

O Rei do Futebol atuou durante quase toda sua carreira no Santos, entre 1956 a 1974. No período, ele levou o clube a conquistar dez títulos estaduais e seis campeonatos nacionais (Taça Brasil e Torneio Robertão), além de duas Copas Libertadores e dois Mundiais de Clubes, em 1962 e 1963.