Por que o Brasil não reconhece a independência do Kosovo?

(*) Por Márcio Coimbra

O Brasil rege suas relações internacionais, entre outros aspectos, pela solução pacífica das controvérsias e pela autodeterminação dos povos. São pressupostos importantes, que ajudam nosso país a guiar seu caminho externo de forma sadia e prudente, como recomenda a diplomacia. É uma trilha que ajuda o Brasil a tomar decisões importantes como reconhecimento internacional de nações que se tornaram independentes.

Este é o caso de Kosovo, que declarou independência em 2008 e hoje já é reconhecido por um enorme contingente de países, ao todo 96, que representam 49,74% dos Estados Membros das Nações Unidas, 23 membros da União Europeia e 28 integrantes da OTAN. O reconhecimento está basicamente entre as nações ocidentais e democracias consolidadas, defensoras dos mesmos princípios guardados pela Constituição brasileira.

O fim da antiga Iugoslávia e o reconhecimento internacional de Kosovo

A região dos Bálcãs foi o palco de um violento conflito que sucedeu o desmembramento da Iugoslávia com o derretimento do bloco comunista. Enquanto a Sérvia tentava manter o controle e a unidade da região, as diversas nações que faziam parte da antiga Iugoslávia começaram a declarar sua independência. No Kosovo, o problema era mais profundo. Estamos falando de uma Sérvia cristã ortodoxa e um Kosovo de origem albanesa e predominantemente muçulmano.

Ao reprimir o separatismo, o líder sérvio Slobodan Milosevic praticou crimes contra a humanidade mediante limpeza étnica na região. Preso, faleceu durante seu julgamento no Tribunal Internacional de Haia. O Kosovo seguiu como parte da Sérvia, de acordo com a Resolução 1.244 da ONU em 1999, porém com autonomia. Posteriormente, o território decidiu pela independência formal em 2008. O reconhecimento se tornou uma realidade internacional rapidamente, entretanto, a resistência sérvia continuou a impedir que a independência fosse reconhecida em certos círculos.

De qualquer forma, o caminho para conexões mais amenas com a Sérvia começou a ser desenhado. As relações entre Belgrado e Pristina começaram lentamente a se distender com o Acordo de Bruxelas em 2013, mediado pela União Europeia. Todos os vizinhos do Kosovo já reconhecem formalmente sua independência: Albânia, República da Macedônia e Montenegro.

A influência da Rússia nos Bálcãs e a posição do Brasil

Por trás da força da Sérvia em evitar que o Kosovo continue avançando na direção do reconhecimento internacional está a Rússia. O governo de Putin apoia a Sérvia, que tem no país um aliado estratégico na região, e se move nos fóruns internacionais para que o governo de Pristina evite conseguir reconhecimento externo. Todos os países com os quais a Rússia mantém uma relação de dependência e subordinação política alinham-se com Putin contra o reconhecimento do Kosovo como país. Os tentáculos de Moscou ainda alcançam os Bálcãs, assim como ocorria durante a Guerra Fria.

Neste debate geopolítico, existe espaço para o Brasil se posicionar de forma condizente com sua carta constitucional e os princípios basilares de nossa diplomacia. O Brasil declarou na Corte Internacional de Justiça, nos Países Baixos, que apoia a integridade territorial da Sérvia, colocando-se contra a independência do Kosovo. Entretanto, talvez já seja o momento de reconhecer a independência e autodeterminação do povo kosovar, já sacramentado pela maioria esmagadora dos europeus, com respaldo também de países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão e nossos vizinhos Colômbia, Peru e Costa Rica.

A tutela de alguns países sobre nações que deveriam ser soberanas não pode persistir em um mundo que deve buscar o respeito à autodeterminação, um valor já consagrado em nossa carta constitucional, entre os princípios que regem as relações internacionais.

(*) Márcio Coimbra é coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil. Diretor-Executivo do Interlegis no Senado Federal

  • Luís Guilherme Barrucho - @luisbarrucho
  • Da BBC Brasil em São Paulo

15 maio 2015

Por que o Brasil não reconhece a independência do Kosovo?

Crédito, AP

Legenda da foto,

Atifete Jahjaga cancelou participação em fórum sobre mulheres depois de imbróglio diplomático; governo brasileiro não reconhece independência de Kosovo

Uma das principais estrelas de um evento global sobre mulheres que neste ano acontece no Brasil, a presidente do Kosovo, Atifete Jahjaga, desmarcou de última hora a vinda ao país, após recusar receber um visto temporário do governo brasileiro no qual constaria sua nacionalidade como "sérvia", segundo apurou a BBC Brasil.

O incidente ocorreu porque o Brasil não reconhece a independência do Kosovo da Sérvia, declarada unilateralmente em fevereiro de 2008.

Jahjaga era uma das convidadas mais esperadas do Global Summit of Women, que acontece em São Paulo. Ela deveria participar de um painel no fim da tarde de quinta-feira, junto com a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo brasileiro, Eleonora Menicucci, e após uma palestra do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que abriu o fórum.

Conhecido como "Davos das Mulheres", o evento termina neste sábado. O Brasil foi escolhido para receber a 25ª edição da conferência em que mais de mil mulheres de 70 diferentes países, entre as quais autoridades e executivas, discutem empoderamento feminino e oportunidades de negócios.

Procurado pela reportagem da BBC Brasil para comentar o episódio, o Ministério das Relações Exteriores confirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que ofereceu um "visto de cortesia" à presidente kosovar.

O "visto de cortesia" destina-se a personalidades e autoridades estrangeiras em viagem não oficial ao Brasil. No entanto, como o governo brasileiro não reconhece a independência do Kosovo ─ e, portanto, a nacionalidade "kosovar" ─ propôs emiti-lo com a nacionalidade "sérvia", o que não foi aceito por Jahjaga e sua comitiva.

"O Itamaraty informa que não houve denegação de visto por parte do governo brasileiro. Apesar de ter sido oferecido visto de cortesia à representante da referida delegação (com a aposição expressa de ressalva de que o ato de concessão de visto não implica reconhecimento do Estado pelo Governo brasileiro), os termos da concessão do visto não foram aceitos pelos membros da delegação", informou o Itamaraty à BBC Brasil.

A organização do evento limitou-se a dizer que a ausência de Jahjaga se deveu "a um problema com visto".

'Saia justa'

O imbróglio diplomático causou uma saia justa inclusive a autoridades brasileiras.

Fontes consultadas pela BBC Brasil dizem que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, teria demonstrado preocupação em eventualmente aparecer em público com a presidente kosovar.

"A primeira coisa que ele perguntou quando saiu do carro foi se a presidente do Kosovo estava aqui, porque ficou com medo de ser fotografado com ela e criar uma saia justa diplomática", disse à BBC Brasil uma participante do evento que não quis se identificar. O episódio foi confirmado por outra fonte.

Levy abriu oficialmente o evento na tarde de quinta-feira, com uma palestra intitulada "Fazendo Negócios com o Brasil", na qual falou sobre as possibilidades do mercado brasileiro.

Durante toda a sexta-feira, do lado de fora das salas onde ocorriam os painéis, o estande do Kosovo permaneceu vazio, em contraste com o de outros países.

Reconhecimento

Crédito, BBC World Service

Legenda da foto,

Durante toda a sexta-feira, do lado de fora das salas onde ocorriam os painéis, o estande do Kosovo permaneceu vazio, em contraste com o de outros países

O Kosovo, cuja área equivale à metade da do Estado de Sergipe, é reconhecido diplomaticamente como Estado independente por 109 países, entre eles Estados Unidos, França e Reino Unido.

Em contrapartida, além do Brasil, Rússia e China também não reconhecem a independência do país. Na América do Sul, apenas Colômbia e Peru reconhecem o Kosovo como Estado independente.

De maioria albanesa, o Kosovo declarou independência da Sérvia pela primeira vez em 1991, mas naquela ocasião a declaração não foi reconhecida pela comunidade internacional.

No fim da década de 1990, a tensão entre separatistas de origem albanesa e o governo central da Iugoslávia, liderado pelo então presidente nacionalista Slobodan Milosevic, aumentou. Em março de 1999, com o fracasso das negociações entre os envolvidos, a Otan atacou a Iugoslávia, dando início à Guerra do Kosovo. O conflito deixou milhares de desabrigados e refugiados.

Em junho do mesmo ano, líderes ocidentais e iugoslavos chegaram a um acordo para colocar fim à guerra.

Em fevereiro de 2008, o Parlamento kosovar declarou independência da Sérvia. O governo sérvio, no entanto, se recusa a reconhecer o Kosovo como um Estado, apesar de aceitar a legitimidade das instituições públicas e o status especial do que chama de "Província autônoma" dentro do país.

Porque o Brasil não reconhece a independência do Kosovo?

O motivo do cancelamento foi sua recusa em receber o visto de entrada no país que citava sua nacionalidade como "sérvia". Em 2018, o então candidato à Embaixada do Brasil na República da Sérvia e em Montenegro, Eduardo Botelho Barbosa, afirmou durante a sabatina para sua aprovação que Kosovo é parte da Sérvia.

Porque Kosovo não é reconhecido?

A Sérvia declarou que a independência da província violava o Direito Internacional e sua soberania, portanto, não reconheceria o Kosovo como Estado independente. A Rússia, que também possui movimentos separatistas dentro do seu território e é uma antiga aliada da Sérvia, também não reconhece a independência do país.

Quem não reconheceu a independência de Kosovo?

A independência de Kosovo. A independência de Kosovo foi declarada em 17 de fevereiro de 2008, porém a Sérvia, país que detinha influência sobre esse território, ainda não reconheceu essa independência.

Por que os ovo declarou sua independência apesar de não ser reconhecido por alguns países?

RESPOSTA: O interesse de Kosovo de se tornar um país independente não se baseia somente no objetivo de estabelecer a soberania política sobre seu território. A população, majoritariamente composta de albaneses muçulmanos, possui uma relação de alteridade com os sérvios, que são cristão ortodoxos.