Quais aspectos são importantes no ensino de um esporte adaptado para pessoas com deficiência visual

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Jos� Pereira de Melo  

Quais aspectos são importantes no ensino de um esporte adaptado para pessoas com deficiência visual

"La plus belle chose que j'ai vue, c'est la mer, la mer � perte de vue"
S�rie Les Aveugles - La Mer -
Sophie Calle, 1986

As reflex�es relativas ao ensino de educa��o f�sica para pessoas portadoras de defici�ncias reportam-nos a uma realidade na qual nos deparamos com o fen�meno da esportiviza��o das atividades, estas muitas vezes voltadas para a participa��o dos alunos em eventos competitivos, para a falta de encaminhamento pedag�gico que fomente nos alunos um acervo de conhecimento mais plural e adaptado �s suas reais necessidades e ao eterno conflito entre a educa��o f�sica e a psicomotricidade, o qual provoca alguns entraves na compreens�o dos psicomotricistas e professores de educa��o f�sica sobre a fun��o de ambos na institui��o.

Tal fato me instigou a buscar identificar elementos que pudessem esclarecer pontos confusos e contribuir para o debate em torno do ensino da educa��o f�sica adaptada, realizando um estudo da realidade sobre o trato do conhecimento da educa��o f�sica com deficientes visuais desenvolvido no Instituto de Educa��o e Reeduca��o de Cegos (IERC) do Rio Grande do Norte, em Natal-RN.

Observa-se uma aus�ncia na sistematiza��o de conte�dos e a falta de clareza sobre a fun��o da educa��o f�sica na institui��o, embora percebamos que � materializada uma interven��o que converge com alguma proposta pedag�gica da educa��o f�sica, em que o professor destacou que no in�cio verificou qual a melhor atividade que poderia ser desenvolvida com eles e chegou � conclus�o de que as mais necessitadas eram a nata��o, o futebol e a dan�a, sendo esta a mais solicitada. A viv�ncia com o futebol n�o foi muito interessante, pela falta de esclarecimento sobre o esporte por parte do professor e pela inadequa��o do local onde era praticado. Com isso encerrou o trabalho com o futebol e iniciou o trabalho com outras atividades, como muscula��o, atividades n��gua, jogos recreativos e a dan�a voltada para a terapia ocupacional.

Percebe-se a tentativa do professor de encontrar um rumo para a sua a��o pedag�gica, fato observado na pr�tica, ao assistirmos a uma aula com m�sica, na qual estimulava os alunos a se expressarem corporalmente e realizava alguns exerc�cios de alongamento.

No entanto, os fatos evidenciam uma realidade comum na educa��o f�sica, independentemente da clientela atendida: n�o existe eixo norteador para as aulas, em conseq��ncia da falta de um projeto pedag�gico claro e bem definido, pois este �configura-se como um instrumento de trabalho que mostra o que vai ser feito, quando, de que maneira e por quem, para chegar aos resultados desejados. Deve, para tanto, explicitar uma filosofia e harmonizar as diretrizes da educa��o nacional com a realidade da escola, traduzindo-lhe autonomia e definindo-lhe o compromisso com a clientela� (Martins, 1998, p. 61).

Diversos s�o os caminhos pedag�gicos que podem ser tratados pela educa��o f�sica com os deficientes visuais, por�m necess�rio se faz termos claro, primeiramente, o conhecimento sobre tal defici�ncia e suas implica��es na vida dos seus portadores e, a partir desse ponto, definir as a��es pedag�gicas que ser�o operacionalizadas.

O deficiente visual �[...] � o indiv�duo que apresenta perda total ou res�duo m�nimo de vis�o� (Rosadas, 1986, p. 9), podendo ser cong�nita ou adquirida, bem como o portador de vis�o subnormal �que apresenta res�duo visual em grau que lhe permita ler texto impresso � tinta, desde que se empreguem recursos did�ticos e equipamentos especiais para sua educa��o� (idem, ibidem).

O deficiente visual, assim como qualquer pessoa, necessita de interven��es educacionais mais pr�ximas das suas reais necessidades. As limita��es causadas pela defici�ncia visual n�o devem impedi-lo de expressar suas potencialidades em outras tarefas nas quais os outros sentidos possam favorecer, pois, mesmo nas pessoas ditas �normais�, n�o observamos a utiliza��o integral de todos os sentidos; por que ent�o exigirmos tal tarefa dos deficientes visuais? Comentando esse aspecto, Buscaglia (1997, p. 227) �observou que a maior parte das pessoas nunca ultrapassou o uso das modalidades dos sentidos � vis�o, audi��o, olfato e tato � exceto como delimitadores de experi�ncias para perscrutar est�mulos ambientais�. Analisando esse aspecto, Vayer e Roncin (1989, p. 28) esclarecem que �deficiente ou n�o, a crian�a constr�i sua pessoa com suas possibilidades, isto �, os dados originais e as estruturas corporais. Essa constru��o de sua pessoa e de seu conhecimento do mundo � sempre uma auto-organiza��o que o meio ambiente, sobretudo o das pessoas, pode facilitar ou n�o. Ent�o, � importante diferenciar as defici�ncias de acordo com sua natureza e com sua dimens�o�.

Inserindo essas quest�es no �mbito da educa��o f�sica, defendemos a id�ia de este componente curricular ser legitimado nas institui��es especializadas atrav�s de interven��es pautadas em desenvolver as possibilidades motoras, cognitivas, afetivas e sociais do deficiente visual, sem necessariamente enaltecer a defici�ncia, o que os rotularia de incapazes, em detrimento dos benef�cios que podem advir do acesso dessas pessoas a um conhecimento l�dico-motor que possa contribuir para um melhor conv�vio social.

Considero importante para o professor organizar seu programa de educa��o f�sica adaptado ao deficiente visual, � necessidade de refletir e considerar os seguintes passos:

a) Primeiro passo: O que fazer?

Esse se constitui num momento de reflex�o sobre o trabalho a ser realizado com o deficiente visual, em que o professor se v� diante de um dilema:

O que fazer? Como estruturar as aulas? Que conte�dos desenvolver?

S�o quest�es que emergem e precisam ser solucionadas para que o professor possa organizar seu plano de a��o. Sempre recomendamos para os nossos alunos iniciarem essa organiza��o buscando discutir o que pode ser operacionalizado com a equipe multidisciplinar que constitui a institui��o (fisioterapeuta, psic�logo, fonoaudi�logo, terapeuta ocupacional, entre outros), e definir, como base nas necessidades espec�ficas da clientela, a proposta pedag�gica norteadora para o seu programa. Nesse momento, pode-se recorrer aos pressupostos te�rico-metodol�gicos da psicomotricidade, fundamentando- se em Vitor da Fonseca (1993), Dalila Costallat (1981), entre outros; da psicocin�tica, utilizando-se a obra de Jean Le Boulch (1988 e 1992), ou da educa��o psicomotora de Pierre Vayer (1984), �reas que demonstram significativas contribui��es no trabalho pedag�gico realizado com os portadores de defici�ncia, principalmente no tocante � organiza��o da no��o de corpo, aspecto importante na aquisi��o de conceitos e realiza��o de tarefas motoras por parte do aluno e que pode ser estimulado a partir da combina��o com os conte�dos da educa��o f�sica.

� not�rio que o deficiente visual apresenta s�rias dificuldades para a aprendizagem de movimentos, em decorr�ncia de uma m� adapta��o sens�rio- motora, que provoca algumas incapacidades hipercin�ticas, como a paratonia 1, vinculada a atitudes de inseguran�a e ansiedade. Observamos tamb�m o comprometimento na sua autonomia para explorar o espa�o circundante. Nessa perspectiva, a interven��o da educa��o f�sica, tomando-se como refer�ncia a psicomotricidade, deve observar que �a rela��o construtiva a ser criada deve quebrar a fabula��o perniciosa em que vive a crian�a, transpondo para o plano pr�tico sess�es de movimento que garantam progressivamente a descoberta do espa�o e a redescoberta do corpo, recorrendo �s atividades t�til-cinest�sicas e sonoro-motoras que inclusive facilitem a discrimina��o sensorial, sem a qual a crian�a deficiente visual n�o pode orientar-se� (Fonseca, 1993, p. 120).

Sobre a fun��o da educa��o f�sica, seja no ensino regular, seja no especial, venho defendendo a id�ia de ser fomentada a tomada de consci�ncia do corpo 2, estruturando-se situa��es pedag�gicas constitu�das a partir dos elementos inerentes a essa consci�ncia, como o conhecimento das partes do corpo, o ritmo, a orienta��o espacial, o controle t�nico, no��o de lateralidade, entre outros, aliados a um ensino que leve os alunos a compreenderem seu corpo e as diferentes rela��es estabelecidas com o meio e as pessoas. �A no��o do corpo � o alfabeto e o atlas do corpo, mapa sem�ntico com equivalentes visuais, t�teis, quinest�sicos e auditivos (ling��sticos), verdadeira composi��o de mem�rias de todas as partes do corpo e de todas as suas experi�ncias� (Fonseca, 1995, p. 184).

Promover a tomada de consci�ncia do corpo no deficiente visual � facultar seu acesso, tamb�m, de forma satisfat�ria, ao trabalho de orienta��o e mobilidade. Ora, se existe uma estimula��o dos aspectos motores que promovem uma organiza��o da no��o de corpo e uma tomada da consci�ncia do corpo, � previs�vel que, ao ser iniciado o trabalho de autonomia da marcha, o deficiente visual vivencie um processo de aprendizagem a contento.

Como exemplo desses aspectos podemos destacar a orienta��o espacial, a qual diz respeito aos conceitos direita/esquerda, frente/atr�s, acima/ abaixo, ou seja, o conhecimento relativo aos eixos corporais e �s dimens�es espaciais nas quais o corpo est� inserido e as coordenadas que deve tomar nesse contexto. Assim, �a estrutura��o espacial � essencial para que vivamos em sociedade. � atrav�s do espa�o e das rela��es espaciais que nos situamos no meio em que vivemos, em que estabelecemos rela��es entre as coisas, em que fazemos observa��es, comparando-as, combinando-as, vendo as semelhan�as e diferen�as entre elas� (Oliveira, 1997, p. 74).

� claro que o deficiente visual vai utilizar os sentidos remanescentes para distinguir as devidas semelhan�as e diferen�as entre os objetos e os fatos, construindo, dessa forma, uma representa��o mental que segue os mesmos tra�os cognitivos das outras pessoas, assim como vai traduzindo o conhecimento que vai tendo do mundo. Neste sentido, Cool et al. (1995, p. 124) esclarecem que esse conhecimento adv�m dos diferentes esquemas organizados pela pessoa e que o esquema de uma situa��o espec�fica integra conhecimentos sobre as rela��es f�sicas dos objetos, os tipos de objetos e as rela��es dos objetos entre si.

Outro aspecto importante a ser considerado diz respeito ao controle t�nico, sendo estimulado atrav�s de atividades que exijam equil�brio din�mico e est�tico. Esse investimento vai favorecer o aluno a controlar seu t�nus muscular em diferentes situa��es, pois �a tonicidade garante as atitudes, as posturas, as m�micas, as emo��es etc., de onde emergem todas as atividades motoras humanas� (Fonseca, 1995, p. 121). O deficiente visual, por si, j� apresenta um certo comportamento parat�nico, bem como assume atitudes posturais que muitas vezes refletem a imobilidade � qual foi submetido em decorr�ncia da defici�ncia, o que muitas vezes provoca encurtamento muscular e atitudes hipert�nicas. Assim, � recomendado que nesse investimento na tomada de consci�ncia do corpo, o deficiente visual seja atendido com sess�es de alongamento, principalmente da musculatura posterior. � comum observarmos deficientes visuais com os joelhos um pouco fletidos ao se deslocarem, reflexo da sua imobilidade e do tempo que muitos permaneceram sentados, determinando uma in�rcia motora que Castro (1996, p. 1) denomina de �mol�stia hipocin�tica dos cegos�, provocando, dessa forma, o encurtamento da musculatura de sustenta��o do corpo.

No trabalho sobre controle t�nico, � imprescind�vel observar que �os exerc�cios de equil�brio, como quaisquer outros, devem ser divididos por graus de dificuldade e adaptados �s faixas et�rias apropriadas� (Mosquera, 2000, p. 47). Andar na ponta dos p�s, ficar em p� com um apoio, andar sobre um banco sueco (com seguran�a), pular determinada dist�ncia com os dois p�s e, em seguida, com apenas um, s�o alguns exemplos de tarefas motoras que servem para estimular o controle t�nico.

Destaco esses aspectos para ilustrar o debate com quest�es pr�ticas, sem necessariamente ter a inten��o de apresentar um rol de atividades a serem desenvolvidas com o deficiente visual e, muito menos, negligenciar os outros aspectos relevantes no desenvolvimento da consci�ncia do corpo do deficiente visual, como o ritmo, por exemplo, que promove �o afinamento perceptivo que por si garante um melhor ajustamento psicomotor, valorizando a no��o de autonomia e independ�ncia em face dos ritmos impostos pelo cotidiano� (Fonseca, 1993, p. 353). Enquadram-se, nesse momento, as aulas com m�sicas que p�em em jogo elementos perceptivos relacionados �s no��es de tempo e espa�o, mem�ria gestual, criatividade na express�o corporal, bem como em se constituir num momento rico de socializa��o.

�Se o executante conseguir perceber atrav�s da percep��o muscular, e com o ouvido, os processos r�tmicos, aumentar� sua capacidade din�mica. � bom ressaltar que, no trabalho com deficientes visuais, a percep��o muscular n�o ser� captada pelos olhos, mas pela percep��o t�til�, como esclarece G�ndara (1994, p. 10).

Descrevendo seu trabalho de express�o corporal com deficientes visuais, a referida autora apresenta-nos os caminhos para que os alunos realizem movimentos combinados com a m�sica.

Iniciamos os nossos trabalhos com a conceitua��o de ritmo e m�trica que objetiva fornecer � crian�a conhecimento de tempo, dura��o dos sons atrav�s dos acentos, tempos e subdivis�es r�tmicas. Ao ouvirem uma m�sica, as crian�as batem palmas livremente sem a preocupa��o do professor estar voltada com a exatid�o da contagem dos tempos. Percebe-se que algumas delas batem palmas somente nos acentos do movimento, enquanto outras aceleram e executam no tempo. Ap�s as crian�as sentirem o ritmo, esclarecemos que existem v�rias maneiras de manifest�-lo. Nesse momento, a percep��o dos acentos, tempos e subdivis�es fica bastante assimilada. Passamos, depois, a mostrar as possibilidades de articula��o escapulo-umeral e, atrav�s de percep��es t�teis, elevamos os bra�os � vertical, � frente do corpo, estendidos � lateral e ao longo do corpo. Depois que as crian�as percebem estas movimenta��es dos bra�os, utilizamos somente os est�mulos verbais para que executem os movimentos (idem, p. 31).

� claro que poder�amos substanciar as discuss�es destacando os outros aspectos da consci�ncia do corpo, mas acredito que os argumentos aqui expostos podem refletir uma defini��o clara para a educa��o f�sica adaptada ao deficiente visual. Os progressos motores advindos das atividades vivenciadas pelos deficientes visuais ter�o implica��es substanciais nos n�veis motor, cognitivo, afetivo e relacional, pois ir�o refletir os investimentos realizados na sua tomada de consci�ncia do corpo, bem como legitimar�o na institui��o a atua��o pedag�gica do profissional de educa��o f�sica.

b) Segundo passo: Por que fazer?

Esse momento tem como caracter�stica, a partir da defini��o dos objetivos e conte�dos que ser�o desenvolvidos nas aulas, vincular a fun��o social que o professor definiu para a educa��o f�sica com base na escolha da proposta pedag�gica norteadora. Em outras palavras, saber o seguinte: O trabalho vai contribuir em qu�? Nesse momento, a clareza na import�ncia social da educa��o f�sica com o deficiente visual tem que ser bem explicitada. Tanto para a institui��o quanto para o pr�prio aluno e seus familiares.

O trabalho sistematizado em educa��o f�sica, quer seja com pessoas portadoras de defici�ncias quer n�o, resulta numa s�rie de benef�cios dentre tantos poss�veis e pertinentes, como levar os alunos a uma tomada de consci�ncia do corpo. Temos investido, nos estudos e em interven��es propostos na educa��o f�sica com deficientes visuais, paralelamente a essa tomada de consci�ncia, na id�ia de que todos os aspectos estimulados nas aulas de educa��o f�sica ter�o implica��es significativas no processo de aprendizagem sobre autonomia da marcha, mais precisamente no refinamento das capacidades motoras inerentes � orienta��o e mobilidade.

A orienta��o e a mobilidade caracterizam-se por possibilitar ao deficiente visual movimentar-se livremente, seja em espa�os da sua vida cotidiana, como a sua resid�ncia, as casas vizinhas, quarteir�o do bairro, seja em lugares distantes da sua moradia. Dessa forma, para o deficiente visual assimilar bem todo o trabalho, n�o basta ter vontade e agu�ada capacidade de mover-se livremente; � fundamental ter habilidade para orientar-se. Habilidade entendida, nesse contexto, como caracter�stica de desempenho, a qual Schmidt (1993, p. 4) define como a �capacidade adquirida de atingir um resultado final com um m�ximo de certeza e um m�nimo disp�ndio de energia, ou de tempo e energia�.

O trabalho de educa��o f�sica com deficientes visuais tem muito a contribuir nesse sentido, centrado em duas frentes de a��o: primeiro, estimular os sentidos remanescentes e, segundo, desenvolver os aspectos que contribuam para a orienta��o e a mobilidade, pois os aspectos motores que s�o exigidos nesse processo s�o os mesmos que integram o desenvolvimento da consci�ncia do corpo. Assim, se temos uma boa compreens�o do nosso corpo, teremos melhores condi��es de nos relacionarmos com as tarefas que o meio nos imp�e, pois, como enfatiza Schilder (1981, p. 42), �quando o conhecimento do nosso corpo � incompleto e imperfeito, todas as a��es para as quais este conhecimento particular � necess�rio tamb�m ser�o imperfeitas�.

Desde a primeira fase do processo de aprendizagem da locomo��o independente, em que o deficiente visual � auxiliado por um guia vidente, entrando na fase de locomo��o em ambientes internos, a qual envolve o aprendizado de t�cnicas de prote��o e de orienta��o, passando para a locomo��o em ambientes externos, � exigida do deficiente visual a elabora��o de quadros mentais como refer�ncias, os quais dependem de elementos perceptivo-motores para sua estrutura��o e que devem ser estimulados nas aulas de educa��o f�sica. A locomo��o independente exige tomada de decis�es que requerem o bom afinamento corporal para que o deficiente visual demonstre habilidade.

A motricidade em primeira inst�ncia � o meio de rela��o sujeito/mundo.

O resultado satisfat�rio dessa rela��o s� ser� poss�vel por meio das a��es corporais que frutifiquem em evolu��es motoras, intelectuais e sociais. Neste sentido, a fun��o social da educa��o f�sica deve estar centrada em contextualizar suas atividades com o intuito de influir no desenvolvimento do deficiente visual, ampliando seu repert�rio motor e, conseq�entemente, organizando a sua consci�ncia do corpo com base no vivido. Eis, a nosso ver, a grande contribui��o das nossas interven��es pedag�gicas.

c) Terceiro passo: Como fazer?

Esta � uma das partes mais delicadas nas defini��es did�tico-pedag�gicas do programa de educa��o f�sica adaptada a ser organizado pelo professor, principalmente se considerarmos que alguns deficientes visuais t�m que ser atendidos individualmente. Ressaltam-se, nesse ponto, os aspectos relativos a como ensinar, buscando-se caminhos metodol�gicos para operacionalizar os conte�dos pretendidos. �A tarefa fundamental do agir metodol�gico de um professor � preparar as situa��es de ensino de tal maneira que estimulem o aluno a agir e que os problemas e questionamentos do aluno possam ser resolvidos por ele, com base na sua condi��o de poder fazer e de suas experi�ncias� (Hildebrandt, Laging, 1986, p. 24). Assim, o professor poder� recorrer desde o ensino diretivo (centrado no professor) aos m�todos de ensino que possibilitam a maior participa��o dos alunos na constru��o das aulas, como � o caso das concep��es abertas � resolu��o de problemas e �s perguntas operacionalizadas. Importante ressaltar que �a educa��o da crian�a deficiente tem como meta os mesmos objetivos determinados para a crian�a n�o-deficiente. Para que isso realmente aconte�a, faz-se necess�ria uma educa��o especial que ofere�a oportunidade de desenvolvimento e acesso a conhecimentos sistematizados, com recursos educacionais diferentes, ou, melhor dizendo, espec�ficos� (Nogueira, Brancatti, 1999, p. 77).

As metodologias de ensino utilizadas na educa��o f�sica com deficientes visuais devem priorizar a seguran�a do aluno e motiv�-lo � descoberta orientada de suas potencialidades motoras. Para tanto, a informa��o oral por parte do professor deve ser bem empregada. Pode-se utilizar, inicialmente, um estilo de ensino que contemple a diretividade, uma vez que o aluno ainda n�o disp�e de muita seguran�a em rela��o ao ambiente, ao material e aos conte�dos.

Por�m o professor n�o pode perder de vista, no decorrer das aulas, as possibilidades metodol�gicas menos diretivas que exploram a autonomia do aluno, facultando-lhe o poder de decidir sobre seus pr�prios atos, aspecto relevante na constru��o de uma rela��o aut�noma entre o deficiente visual e o meio circundante, principalmente no sentido de fomentar a estrutura��o de seguran�a no aluno.

Defendemos, nesse momento, a id�ia de que o deficiente visual seja estimulado a vivenciar situa��es motoras desafiadoras, que o fa�am transitar de uma situa��o de in�rcia motora, como vive uma parcela significativa de deficientes visuais, para momentos vivenciais, nos quais suas possibilidades ser�o despertadas, como destaca Mosquera (2000, p. 65): �Quando ensinamos um deficiente visual, seja ele adolescente ou adulto, a se movimentar em espa�os desconhecidos, necessitamos de alguns recursos importantes e o mais importante deles � a experi�ncia anterior do pr�prio aluno. Quanto maior a desenvoltura f�sica e motora desse aluno numa fase ainda jovem, melhor compreens�o ele ter� de seus futuros atos motores�.

d) Quarto passo: Como avaliar?

Concretizando os passos anteriores, resta ao professor definir como ser� verificada a apropria��o do conhecimento por parte do aluno e os avan�os que a interven��o da educa��o f�sica tem promovido na sua vida. Dessa forma, torna-se relevante o professor recorrer aos conhecimentos dos procedimentos de avalia��o realizados com o deficiente visual quando do seu ingresso na institui��o, valendo-se, inclusive, dos dados da sua anamnese e da ficha de acompanhamento do aluno. Quanto ao trabalho de educa��o f�sica, sugere-se a aplica��o de uma bateria de testes motores compat�veis com a fun��o norteadora das aulas, com base na proposta pedag�gica, definindo os aspectos motores que ir�o compor a bateria, bem como se preocupar com a escolha respons�vel dos testes, a montagem da bateria e a periodicidade da testagem. Os avan�os e/ou retrocessos na aprendizagem dos alunos ser�o apresentados ao professor a partir dos resultados nas diferentes provas aplicadas com os alunos e servir�o para redefinir seus atos pedag�gicos, bem como apontar os aspectos que devem ser mais evidenciados nas a��es com o deficiente visual.

� comum o professor de educa��o f�sica n�o se preocupar com o processo de avalia��o, caracterizando-se, assim, um verdadeiro descaso com o seu pr�prio fazer pedag�gico. O que efetivamente o deficiente visual tem aprendido nas aulas de educa��o f�sica? Como identificar seus progressos e retrocessos sem avaliar? Que altera��es devem ser realizadas nas aulas? Essas s�o quest�es pertinentes para que o professor assimile a import�ncia do avaliar, bem como incorpore a id�ia de que, sem elementos qualitativos e/ ou quantitativos que reflitam a realidade de cada aluno no processo ensinoaprendizagem, n�o podemos identificar dificuldades, predizer avan�os e, muito menos, redefinir nossa interven��o pedag�gica. �A avalia��o � a reflex�o transformada em a��o. A��o essa que nos impulsiona a novas reflex�es. � a reflex�o permanente do educador sobre sua realidade, e acompanhamento, passo a passo, do educando, na sua trajet�ria de constru��o do conhecimento� (Hoffmann, 1998, p. 18).

S�o in�meras as possibilidades para se avaliarem os deficientes visuais nas aulas de educa��o f�sica, desde utilizar a observa��o a aplicar testes que aferem o n�vel de refinamento dos aspectos da consci�ncia do corpo ou das capacidades inerentes � orienta��o e mobilidade. O importante � sabermos, em primeira inst�ncia, o que desejamos avaliar e, em seguida, encontrarmos o meio mais eficiente para coletarmos as informa��es pertinentes. A experi�ncia profissional tem mostrado a relev�ncia da aplica��o de testes motores, cujos resultados apontam o perfil motor do aluno e indicam os pontos a serem refor�ados no processo ensino-aprendizagem. Contribui��o neste sentido encontra-se em Fonseca (1995, p. 104), por meio da apresenta��o de uma Bateria Psicomotora (BPM) 3 constitu�da pelos seguintes aspectos: tonicidade, equilibra��o, lateraliza��o, no��o do corpo, estrutura��o espa�o-temporal, plaxia global e plaxia fina. O supracitado autor argumenta que esses �sete fatores psicomotores da BPM constituem uma verdadeira constela��o psicomotora, trabalhando em conjunto de forma integrada e harmoniosa, cada um dos quais realizando a sua pr�pria contribui��o para a organiza��o psicomotora geral�.

Alertamos, no entanto, sobre a necessidade de adaptarmos as provas para a aplica��o com deficientes visuais, uma vez que a BPM tem sido aplicada com outra clientela, principalmente crian�as com dificuldade de aprendizagem, mas nada inviabiliza sua utiliza��o com deficientes visuais, considerando- se as devidas ressalvas. Tal fato acrescenta um dado significativo �s discuss�es: a necessidade de padronizarmos testes espec�ficos para os portadores de defici�ncias. No caso espec�fico do deficiente visual, buscar uma bateria de testes que d�em conta de aferir os aspectos perceptivo-motores inerentes a orienta��o e mobilidade 4. Ressalto, ainda, a necessidade de observarmos os aspectos qualitativos nos progressos motores dos alunos, considerando- se a capacidade em resolver problemas motores, expressar movimentos criativos, relacionar-se com materiais, ambiente de aprendizagem e com os demais colegas de turma.  

CONSIDERA��ES FINAIS

A curiosidade inicial em saber como era desenvolvido o trabalho de educa��o f�sica com deficientes visuais e a perspectiva de contribuir com algum encaminhamento pedag�gico levaram-me ao encontro de uma realidade preocupante em termos de defini��es did�tico-pedag�gicas, mas extremamente sedutora pelas in�meras possibilidades de a��es que a educa��o f�sica pode implementar na vida do deficiente visual. � claro que as indefini��es pedag�gicas existentes na institui��o visitada n�o se constituem em evento isolado, mas expressam todo um quadro de equ�vocos did�ticos que envolvem a educa��o f�sica de forma geral, seja no ensino regular, seja no especial, aspecto que deve ser analisado � luz do pr�prio sistema educacional brasileiro, e n�o apenas considerando-se a atua��o pedag�gica do professor de educa��o f�sica.

Destaco que a educa��o f�sica adaptada ao deficiente visual n�o deve ser igual � educa��o f�sica desenvolvida em classes regulares. O professor n�o pode apenas transferir as atividades, sem se preocupar em como desenvolv�-las com essa clientela. Nesse prop�sito, tem-se que investir na qualidade do ensino, no saber ensinar, o qual expressar� a adaptabilidade dos conte�dos a novas possibilidades de ensin�-los. Deve-se, tamb�m, dizimar da educa��o f�sica adaptada a hegem�nica id�ia de esportiviza��o, como se essa disciplina tivesse o esporte como �nico conte�do a ser desenvolvido nas aulas. Tal hegemonia ainda exp�e outra limita��o: trabalhar o esporte por uma �nica vertente, o rendimento. No caso espec�fico da defici�ncia visual, esse caminho � enaltecido quando testemunhamos os desempenhos dos deficientes visuais nas modalidades esportivas adaptadas para eles, como o atletismo, a nata��o, o futebol de sal�o, entre outras, serem exaltados como feitos imposs�veis de serem realizados, o que de certa forma expressa a id�ia de que a sociedade concebe o deficiente visual como incapaz e que qualquer performance motora, por menor que seja, � cercada de rasgados elogios, carregados de adjetiva��es que fortalecem o espanto com a proeza esportiva realizada.

O ensino da educa��o f�sica com deficientes visuais deve ser plural e conduzir o aluno a um universo em que as rela��es corporais sejam bem estabelecidas, e as descobertas motoras sejam fomentadas. Para tanto, deixo como �ltimo ponto de reflex�o o relato de uma aluna da professora G�ndara (1994, p. 42), para que possamos enxergar com outros olhos o deficiente visual e o que a educa��o f�sica pode fazer por eles: �Gosto de dan�ar, nadar, andar de bicicleta, de skate, fazer estrela e parada de m�o. N�o acho que o fato de eu n�o enxergar dificulte as coisas. Sempre tenho vontade de aprender tudo�.  

NOTAS

  • 1. Na psicomotricidade, paratonia significa a incapacidade de relaxar voluntariamente a musculatura. Para mais esclarecimentos, ver Vitor da Fonseca, Psicomotricidade, S�o Paulo, Martins Fontes, 1993.

  • 2. Ver Jos� Pereira Melo, Desenvolvimento da consci�ncia corporal: uma experi�ncia da educa��o f�sica na idade pr�-escolar, Campinas, Editora da Unicamp, 1997, e Jos� Pereira Melo, Configura��es do conhecimento do corpo: subs�dios para a pr�tica da educa��o f�sica nas s�ries iniciais de ensino, tese de doutorado apresentada na Faculdade de Educa��o F�sica da Unicamp, em 1998.

  • 3. Em seu livro Manual de observa��o psicomotora, o autor especifica os conceitos desses elementos e tamb�m esclarece como deve ser realizada a avalia��o.

  • 4. Dados nesse sentido podem ser encontrados nas disserta��es de mestrado defendidas no Programa de P�s-Gradua��o da Faculdade de Educa��o F�sica da Unicamp, na linha de pesquisa �educa��o f�sica adaptada�.

REFER�NCIAS

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O Ensino de Educa��o F�sica para Deficientes Visuais
autor: Jos� Pereira de Melo
E-mail:
Departamento de Educa��o F�sica � UFRN � Natal - RN
Grupo de Estudo Corpo e Cultura de Movimento
Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas,
v. 25, n. 3, p. 117-131, maio 2004
 
Fonte: O ENSINO DA EDUCA��O F�SICA PARA DEFICIENTES VISUAIS (pdf)

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1.Mar.2013 publicadopor MJA

Qual a importância do esporte adaptado para pessoas com deficiência?

Atualmente, acredita-se que o esporte adaptado contribui significativamente para a inserção das pessoas com deficiência à sociedade, bem como trazem benefícios relacionados à melhor aceitação da deficiência, melhor interação com as pessoas ao seu redor, melhora da aptidão física, ganho de independência e autoconfiança ...

Quais são os principais elementos que devem ser adaptados em uma prática de atividade física e esportiva para pessoas com deficiência intelectual?

Melhoria e desenvolvimento de auto-estima, autovalorização e auto-imagem;.
o estímulo à independência e autonomia;.
a socialização com outros grupos;.
a experiência com suas possibilidades, potencialidades e limitações;.
a vivência de situações de sucesso e superação de situações de frustração;.

Quais esportes são específicos para pessoas com deficiência visual?

Existem vários esportes para deficientes visuais. Muitos deles apresentados no site, como Atletismo, Natação, Ciclismo, Remo, e alguns específicos para deficientes visuais como o Goalball e Futebol de 5.

Como é a adaptação dos jogos para deficientes visuais?

Paraquedismo – deficientes visuais podem experimentar saltos duplos, ou seja, acompanhados de um instrutor; Surfe – pranchas adaptadas costumam ser longboards com extremidades macias e quilhas emborrachadas para evitar contusões e possuem guizos nas pontas e pontos com relevo para garantir a orientação sonora e tátil.