Qual foi a instituição criada pela Missão Artística Francesa logo de sua chegada ao Brasil?

Texto

Qual foi a instituição criada pela Missão Artística Francesa logo de sua chegada ao Brasil?

Histórico
O século XIX no Brasil presencia mudanças profundas na história das artes plásticas em relação aos séculos anteriores, cujo sentido não pode ser compreendido sem referência à chamada Missão Artística Francesa. Em 26 de março de 1816 aporta no Rio de Janeiro um grupo de artistas franceses, liderados por Joachim Lebreton (1760-1819), secretário recém-destituído do Institut de France.1 Acompanham-no o pintor histórico Debret (1768-1848), o paisagista Nicolas Antoine Taunay (1755-1830) e seu irmão, o escultor Auguste-Marie Taunay (1768-1824), o arquiteto Grandjean de Montigny (1776-1850) e o gravador de medalhas Charles-Simon Pradier (1783-1847).2 O objetivo é fundar a primeira Academia de Arte no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Há duas versões sobre a origem da Missão. A primeira afirma que, por sugestão do conde da Barca, o príncipe Dom João (1767-1826) requer ao marquês de Marialva, então representante do governo português na França, a contratação de um grupo de artistas capaz de lançar as bases de uma instituição de ensino em artes visuais na nova capital do reino. Aconselhado pelo naturalista Alexander von Humboldt (1769-1859), Marialva chega a Lebreton, que se encarrega de formar o grupo. A outra versão3 afirma que os integrantes da Missão vêm por iniciativa própria, oferecendo seus serviços à corte portuguesa. Formados no ambiente neoclássico e partidários de Napoleão Bonaparte, os artistas se sentem prejudicados com a volta dos Bourbon ao poder. Decidem vir para o Brasil e são acolhidos por D. João, esperançoso de que possam ajudar nos processos de renovação do Rio de Janeiro e de afirmação da corte no país. Recentemente historiadores buscaram um meio termo entre a duas versões, que parece a mais plausível. Fala-se em casamento de interesses: por um lado, o rei teria se mostrado receptivo à criação da academia; a par dessa informação, Lebreton, com o intuito de sair da França, teria oferecido seus serviços, arregimentando artistas dispostos a se refugiar em outro país.

Não foram poucas as dificuldades encontradas pelo grupo para realização da missão. A Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios é criada por decreto no dia 12 de agosto de 1816, estabelecendo pelo período de seis anos pensão aos artistas franceses. No entanto, ela não passa de uma medida formal, pois não chega a funcionar, devido a causas políticas e sociais: a resistência de membros lusitanos do governo à presença francesa; as dificuldades impostas pelo representante da monarquia francesa, o cônsul-geral coronel Maler; o atraso de ordem material e estrutural no qual se encontrava o Rio de Janeiro; o desprezo da sociedade por assuntos relativos às artes. A escola abre as portas somente em 5 de novembro de 1826, passando por dois outros decretos, o de 12 de outubro de 1820, que institui a Real Academia de Desenho, Pintura e Arquitetura Civil, e o derradeiro, de 25 de novembro do mesmo ano, que anuncia a criação de uma escola de ensino unicamente artístico com a denominação Academia e Escola Real.4

Durante o longo tempo de espera, os franceses seguem com suas atividades. Notadamente Debret e Grandjean de Montigny aceitam encomendas oficiais. O primeiro realiza diversas telas para a família real e o último é responsável pelo edifício da Academia Imperial de Belas Artes (Aiba) e outras obras públicas, como o prédio da Alfândega (atual Casa França-Brasil). Por ocasião das festas comemorativas da coroação de Dom João VI, em 1818, ambos idealizam, com Auguste Taunay, a ornamentação da cidade. Debret também se dedica ao ensino de desenho e pintura num espaço alugado, enquanto realiza as aquarelas que marcariam sua obra da fase brasileira.5 No Rio de Janeiro, Nicolas Taunay segue como pintor de paisagem encantado com a natureza tropical.

A situação torna-se difícil com a morte de Lebreton em 1819, e a nomeação, em 1820 do pintor português Hernique José da Silva (1772-1834) para a direção da Academia Real. Nicolas Taunay decide voltar para França em 1821 e é substituído pelo filho Félix Taunay (1795-1881). Os outros tentam adaptar-se à realidade de uma academia distante de seus planos originais. Com a chegada de reforços franceses, os irmãos Marc Ferrez (1788-1850) e Zepherin Ferrez (1797-1851), escultor e gravador, respectivamente, os remanescentes da Missão6 procuram resistir às adversidades criadas pelo novo diretor. Debret não agüenta por muito tempo e retorna à França em 1831, levando seu aluno preferido, Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879).

Historicamente, além da importância da Missão Artística Francesa como fundadora do ensino formal de artes no Brasil, pode-se dizer que durante o tempo em que esses artistas permanecem no país, dentro ou não da Academia, eles ajudam a fixar a imagem do artista como homem livre numa sociedade de cunho burguês e da arte como ação cultural leiga no lugar da figura do artista-artesão, submetido à Igreja e seus temas, posição predominante nos séculos anteriores.

Notas
1 Instituição criada em 1795, com o objetivo de promover o aperfeiçoamento das artes e da ciência segundo princípios de pluridisciplinaridade. Origina-se do agrupamento da Académie française; Académie des inscriptions et belles-lettres; Académie des sciences; Académie des beaux-arts e Académie des sciences morales et politiques.
2 Nota-se que com os artistas também estavam a bordo os especialistas em artes mecânicas François Ovide, Charles Henri Lavasseur e Louis Symphorien Meunier, além de François Bonrepos, ajudante de Auguste Taunay.
3 Aventada pela primeira vez, em 1828, pelo pintor português Henrique José da Silva, profundamente hostil à presença dos franceses no Brasil.
4 O decreto refere-se à Academia e Escola Real, apesar de historiadores, como Quirino Campofiorito, afirmarem que a escola, por esse terceiro decreto, passa a se chamar simplesmente Academia de Belas Artes.
5 Publicadas em Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil a partir de 1834, quando o artista já está de volta à França.
6 Charles-Simon Pradier foi o primeiro a regressar à França, em 1818.

Fontes de pesquisa 5

  • BARATA, Mário. O século XIX. Transição e início do século XX. In: ZANINI, Walter (org.). História geral da arte no Brasil. São Paulo: Fundação Djalma Guimarães: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. v.1.
  • CAMPOFIORITO, Quirino. A Missão Artística Francesa e seus discípulos: 1816 - 1840. Prefácio Carlos Roberto Maciel Levy. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983. 64 p., il. color. (História da pintura brasileira no século XIX, 2).
  • DUQUE, Gonzaga. A arte brasileira: pintura e esculptura. Introdução Tadeu Chiarelli. Campinas: Mercado de Letras, 1995. (Arte: ensaios e documentos).
  • NAVES, Rodrigo. Debret, o neoclassicismo e a escravidão. In: ______. A Forma difícil: ensaios sobre arte brasileira. São Paulo: Ática, 1996. 285 p. il. color.
  • PEDROSA, Mário. Da Missão Francesa - seus obstáculos políticos. In: ______. Acadêmicos e modernos: textos escolhidos III. Organização Otília Beatriz Fiori Arantes. São Paulo: Edusp, 1998. 429 p., il. p&b.

Como citar

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:

  • MISSÃO Artística Francesa. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo340/missao-artistica-francesa. Acesso em: 19 de outubro de 2022. Verbete da Enciclopédia.
    ISBN: 978-85-7979-060-7

O que foi criado no Brasil com a Missão Artística Francesa?

A Missão Artística Francesa foi um grupo de artistas e artífices franceses que, deslocando-se para o Brasil no início do século XIX, dinamizou o panorama das Belas Artes no país introduzindo o sistema de ensino superior acadêmico e fortalecendo o Neoclassicismo que ali estava iniciando seu aparecimento.

Qual o nome mais representativo da Missão Artística Francesa que veio ao Brasil no século xviii com a missão de retratar os costumes e a cultura brasileira?

Chegada ao Rio de Janeiro, em 1816, a misão artística foi composta por um grupo de artistas franceses, a convite da coroa portuguesa. A missão foi chefiada pelo legislador e administrador francês Joachim Lebreton. À frente desta missão estava Joachim Lebreton, ex-secretário do Instituto de França.

Quem trouxe a arte para o Brasil?

A arte no início de nossa colonização Outro fator para determinarmos quando a arte surgiu no Brasil, precisamos saber que, com a chegada dos portugueses, entre os séculos XV e XVI, também chegaram ao Brasil as primeiras influências da arte renascentista e do berço do período Barroco.