Por quê o papa rejeitou a renuncia do cardeal francês

O papa Francisco aceitou a renúncia do arcebispo de Lyon, o cardeal Philippe Barbarin, questionado por seu silêncio diante dos abusos sexuais de um ex-sacerdote de sua diocese, acusação da qual foi absolvido na Justiça - anunciou a Igreja Católica nesta sexta-feira (6).

"Essa renúncia não é uma surpresa. Ele anunciou, renunciou. De todo modo, sentimos que vivemos um momento muito importante para a diocese", declarou o monsenhor Michel Dubost, administrador apostólico que se ocupa da gestão diária da diocese de Lyon, no centro-oeste da França, desde que Barbarin se afastou.

Em uma declaração divulgada ao mesmo tempo no canal católico KTO, Barbarin enfatizou que "esses quatro anos foram anos de grande, grande sofrimento".

"Acho que há um grande sofrimento que as vítimas sofreram primeiro, e é realmente por elas que precisamos rezar. Foram atos horríveis, e é importante que a página seja virada e que venha alguém que percorra um novo caminho com toda diocese de Lyon", afirmou.

Pouco depois de ser absolvido pelo Tribunal de Apelações de Lyon em 30 de janeiro, Barbarin disse estar colocando sua sua renúncia mais uma vez à disposição do papa, para permitir "virar a página" neste caso muito simbólico sobre pedofilia e seu acobertamento por parte da Igreja.

O papa Francisco havia se dado um tempo de reflexão para responder à nova demanda por demissão. Argumentando a presunção de inocência, o pontífice rejeitou sua renúncia em março. A renúncia de Francisco se deu após a sentença de seis meses em primeira instância, enquanto se aguardava a decisão da Corte de Apelação, que finalmente o absolveu.

O prelado de 69 anos foi acusado de não ter denunciado à Justiça as agressões cometidas por Bernard Preynat, um padre de sua diocese, contra jovens escoteiros, entre 1971 e 1991.

- "Adeus e obrigado" -

A designação do sucessor de Monsenhor Barbarin pode acontecer dentro de um período de "dois a quatro meses".

Por enquanto, Monsenhor Dubost continuará interino. No dia 15 de maio, uma assembleia solene será realizada em Lyon, na presença de Monsenhor Barbarin, para "dizer adeus e obrigado", anunciou o prelado.

Em entrevista à revista "Le Point" publicada em 5 de fevereiro, o cardeal Barbarin declarou que, apesar da absolvição que o "consolou", ele "mudou".

Assim como fez em seu julgamento, o cardeal repetiu que ignorou as ações do padre antes de encontrar uma vítima em 2014. Na origem do caso, o destino de Preynat, despojado de seu status de clérigo em julho passado, será definido em 16 de março.

Suas vítimas relataram os abusos sofridos, entre eles toque, beijos na boca e masturbações impostos pelo religioso.

"Bergoglio acerta um golpe profundo ao escrever que a vergonha reparadora abrirá as portas para a compaixão e a ternura do Senhor. Qual é o outro caminho? A política do avestruz não leva a lugar nenhum, adverte o bispo de Roma". A análise aprofundada de Riccardo Cristiano, jornalista e escritor italiano.

O artigo foi publicado por Formiche, 10-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Francisco responde ao cardeal Reinhard Marx, arcebispo demissionário de Munique e Freising, chamando-o de "caro irmão" e dizendo "em primeiro lugar, obrigado por sua coragem cristã que não teme a cruz". Pouco depois, acrescenta: “A Igreja não pode dar um passo em frente sem assumir a crise”. Assumir responsabilidade individual e comunitária: “Concordo com você ao descrever a triste história dos abusos sexuais e como a Igreja lidou com isso até recentemente como uma catástrofe. Perceber essa hipocrisia na maneira como vivemos a nossa fé é uma graça, é um primeiro passo que devemos dar. Precisamos assumir a responsabilidade pela história, tanto pessoalmente quanto como comunidade. Não podemos ficar indiferentes diante desse crime. Aceitar significa colocar-se em crise”.

Mesmo nessas horas, não é difícil ler que a carta enviada pelo cardeal Marx ao papa foi uma carta chocante. Mas talvez o verdadeiro choque seja a ideia de que a ferida diria respeito a quem a provocou. Claro que isso é indiscutível, mas não é suficiente e a profundidade, a beleza e a força da carta do cardeal alemão, que pediu para deixar a direção da diocese de Munique também para testemunhar que estava assumindo a sua responsabilidade, não poderia deixar Francisco indiferente, que de fato autorizou a publicação da carta. Em sua resposta, escrita em espanhol, Francisco não aceita sua renúncia, confirmando a sintonia com o respeitado cardeal alemão: “Pedem-nos uma reforma, que - neste caso - não consiste de palavras, mas de atitudes que tenham coragem para enfrentar a crise, de assumir a realidade, sejam quais forem as consequências. E toda reforma começa por si mesmos. A reforma da Igreja foi realizada por homens e mulheres que não temeram entrar em crise e se deixar reformar pelo Senhor”.

Aqui é difícil não ouvir o eco do que o cardeal escreveu pedindo para ser destituído de seu cargo: "As investigações e perícias dos últimos dez anos me mostram constantemente que houve fracassos ao nível pessoal e erros administrativos, mas também um fracasso institucional e 'sistemático'. As mais recentes polêmicas e discussões mostraram que alguns representantes da Igreja não querem aceitar essa corresponsabilidade e, portanto, também a culpa compartilhada da Instituição. Consequentemente, rejeitam qualquer tipo de reforma e inovação em relação à crise ligada aos abusos sexuais. Eu definitivamente vejo tudo isso de forma diferente”.

Para Francisco, portanto, não há necessidade de ideólogos da reforma, mas de colocar em jogo a própria carne, como fez Marx. O Papa reconhece isso, dizendo que é "a maneira com que você mesmo assumiu, caro irmão, ao apresentar a sua renúncia", porque "enterrar o passado nos leva a nada. O silêncio, as omissões, a valorização excessiva do prestígio das instituições só levam ao fracasso pessoal e histórico”.

A preocupação com o prestígio trouxe descrédito, porque faltou a coragem: “Nem as pesquisas de opinião nem o poder das instituições vão nos salvar. Não nos salvará o prestígio de nossa Igreja, que tende a esconder seus pecados, não nos salvará o poder do dinheiro ou a opinião da mídia (muitas vezes dependemos demais deles). Nós nos salvaremos abrindo a porta Àquele que pode fazê-lo e confessando nossa nudez: 'eu pequei', 'nós pecamos' ... e chorando, e gaguejando o melhor que pudermos aquele ‘afaste-se de mim, porque sou um pecador ', herança que o primeiro Papa deixou aos Papas e Bispos da Igreja”.

Bergoglio acerta um golpe profundo escrevendo que a vergonha reparadora abrirá as portas para a compaixão e a ternura do Senhor. Qual é o outro caminho? A política do avestruz não leva a lugar nenhum, adverte o bispo de Roma.

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